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domingo, 16 de outubro de 2022

Os pássaros também choram

 Desta árvore onde me sento, não vejo o mar. Nesta árvore onde durmo e sonho, não vejo o mar. Nesta árvore onde poiso as minhas mãos frias e amarguradas, vejo o mar.

Serão os meus olhos as janelas com fotografia para as infinitas tardes de Primavera? Sentado neste cadeirão, enquanto pela janela chegam a mim as palavras que nunca te direi, desisto de olhar-te, desisto de mentir-te; um dia, qualquer dia, perceberás que os pássaros também choram.

Que as árvores também choram. Que tu choravas enquanto eu desenhava em mim todas as lágrimas dos longínquos coqueiros, que tu choravas enquanto eu semeava palavras nas tuas chagas.

Os pássaros também choram. As flores, ao contrário dos pássaros, dançam, brincam, erguem-se até às nuvens; os pássaros choram, as flores, as flores que tinhas sobre o peito, não choravam, mas… voavam.

Voavam como voam hoje as tristes equações do sono, voavam como voam hoje todas as manhãs sem poesia, do corpo, do teu corpo, lanço sobre ele o poema em cio, vagueio e não choro, levanto-me do chão, poiso a minha mão sobre os teus seios de amanhecer, e acreditando que os meus poemas são as delícias do teu olhar, olhava-o, colocava-lhe a mão sobre o débil peito e, cansei-me de desenhar palavras nas tuas mãos. Seria melhor teres voado…

Desta árvore, observo-te. Lanço sobre ti o silêncio, lanço sobre ti a espada do sonho e, não, não digas que os pássaros não choram, porque os pássaros, como tu, também choram, também brincam, também morrem.

E morrem de quê, meu amor?

De alegria, minha querida, morrem de alegria.

Como os poemas que te escrevo.

Como os poemas que te escrevo e guardo-os dentro da algibeira da insónia, e acredita que morrem de alegria; e nas suas asas transportava uma manhã de Primavera.

Quanto tempo, doutor?

Duas semanas, duas semanas,

Duas semanas poisado sobre esta árvore à espera de que os pássaros chorem, à espera de que esta mesma árvore, também ela, chore

De tristeza?

Não minha querida, de alegria.

Um dia a casa despediu-se dele. Enquanto voava pelo corredor, olhava todos os objectos, e ambos sabíamos que nunca mais os olhava; e ambos sabíamos que o jardim que se despedia dele, um dia, hoje, é apenas terreno agreste, é apenas pó.

E voaram, meu amor.

Os pássaros também choram?

E as árvores, e as casas, e este rio que te olha, e este mar que te banha quando a maré entra pela janela e um orgasmo de palavras se abraça ao teu olhar. Depois, tivemos a visita das sobejantes árvores onde podíamos ver as lindas manhãs de Primavera, como se a Primavera naquela tarde fosse uma pedra mágica.

E depois, minha querida?

As tardes de ninguém,

Ouviam-se-lhe as gargalhadas em despedida, mas o sono levou-a para os infinitos murmúrios da solidão, e dizem que hoje vagueia pelas ruas da cidade em busca de pincelados sorrisos.

Não sei, meu amor…

De tristeza?

Não minha querida, de alegria.

E nunca percebemos porque choram os pássaros; os pássaros da minha vida.

Alegria, meu amor?

E só quando as fotografias estão em silêncio é que percebemos que os pássaros, as árvores, os poemas, choram…

E os barcos, meu amor?

Esses, brincam nas minhas mãos…

 

 

Alijó, 16/10/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Dos livros estes livros

 Deixou cair as asas sobre o mar e adormeceu; no dia seguinte deu-se conta que todas as fotografias que tinha escondido dentro da pequena caixa de sapatos número trinta, rés-do-chão esquerdo, tinham desaparecido como anteriormente já tinham desaparecido dois livros de poesia de AL Berto, um livro do Pacheco e um outro de Lobo Antunes.

Com os livros de poesia de AL Berto, muitos anos antes de perder as asas, teve uma enorme discussão, pois estes quase sempre não gostavam de ser manuseados, folheados, quanto ao livro do Pacheco, esse, estava sempre com dor de cabeça.

O dia erguia-se entre os seios dela, da rua, regressavam aos poucos as loucas buzinas dos transeuntes em delírio, como regressam ao final da tarde os estorninhos parecendo uma orquestra de zumbis, mas quanto aos dois livros de poesia de AL Berto, hoje, e enquanto os folheava e manuseava, não se queixaram de tal, até que o livro do Lobo Antunes me questionou a razão do par de asas estar sentado sobre eles, quando poderiam muito bem estar na minúscula sala de jantar; e porque não suporto birras nocturnas, puxei de um cigarro e fui ver o maldito mar daquela última noite.

O mar estava chocho, a maré tinha acabado de deixar o quarto e nele deixou impregnado o invisível perfume que apenas as marés usam, junto à janela havia uma secretária onde dormiam pedaços de papel escritos no século passado e que ele já nem se recordava; que conste que tratava-se apenas de algumas cartas que nunca foram enviadas, portanto sem remetente, e duas ou três receitas de culinária que nunca se atreveu a experimentar.

O mar estava enjoado. Nos lençóis, uma pequena mancha de esperma, desenhava a manhã que mais tarde acordaria e ninguém saberia se ia terminar. Numa das paredes, pequenas frestas olhavam-no, e começou a acreditar que estava a ser observado pelo defeituoso silêncio que muitas vezes se alicerçava sobre o peito e, quase sempre não entendia a razão.

Sabia que um dia seria apelidado de anjo azul, de azul tinha o pulso pincelado, mas de anjo, de anjo nada tinha, apenas as asas que deixara cair sobre o mar.

Sabíamos que a noite trazia sempre uma pequena malga de sopa, uma sandes de nada e dois ou três cigarros, depois, acreditando que sabia voar, colocou as asas e lançou-se da clarabóia…

Estatelou-se no pavimento como se fosse um pássaro que acabasse de sofrer um AVC, até que do mar, em passo apressado, vieram em seu auxílio as fotografias que tinham desaparecido da pequena caixa de sapatos; ouviam-se os lobos que aos poucos se despediam da maré, e esta, partiu.

Ele, depois de acordar, abraçou-se aos pequenos lençóis e ainda hoje inventa o sono antes de regressar a noite às suas mãos.

 

 

Alijó, 26/09/2022

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 16 de agosto de 2022

Quando do sono emerge a triste pétala de saudade

 Carlota acordou triste. Enquanto se passeava nos lençóis nocturnos da insónia, e sempre que antes de se deitar tinha a oportunidade de olhar-se no espelho da saudade, quase nunca acordava de manhã ou tal como hoje, acordava embrulhada numa finíssima lâmina de saudade.

Descera ao rio durante a noite em pequenos voos rasantes, os barcos sombreados que o luar tinha desenhado sobre o imenso cais onde donzelas de charme dançavam a despedida das naus, aos poucos, começavam a zarpar em direcção à morte, tratando-se de barcos carregados pela idade, dir-se-ia que o fogo seria a melhor forma de desaparecer neste labirinto ténue de tristeza, caso Carlota tivesse aberto a janela para a solidão, todos estes barcos seriam salvos pelas rezas e mesinhas que na aldeia habitam junto às árvores.

Os cigarros chegavam e sobravam para a última viagem da tinta sobre a tela enlameada de lágrimas e, do outro lado do rio, junto à cabana, Carlota adivinhava um fim de tarde mergulhada nos braços de Rita, que sempre que podia, vinha à aldeia para estar junto daquela que conseguia rezar aos pássaros antes de estes poisarem na tela e adormecerem como adormecem as crianças no travesseiro da inocência. Rita percebia que aos poucos a tela lacrimar de Carlota se transformaria num negro enredo que apenas um pincel esquecido no atelier sabia transformar em palavras.

A janela para a solidão. Todos estes barcos seriam salvos pelas rezas e mesinhas que na aldeia habitam junto às árvores e caso um dia Rita trouxesse na pele húmida da manhã as pequenas gotículas do desejo, na aldeia todos seriam coniventes dos doirados beijos entre dois silenciados corpos, enquanto no atelier, uma pequena dança avançava para os lábios do medo, que depois da morte, argamassava os ossos na escuridão cansada das grandes tempestades de saliva, depois, entre as coxas da madrugada, a pedra envenenada desaparecia no rio.

Amas-me, Rita?

Ouvíamos as danças das coxas quando nos teus lábios se percebia que o poema aos poucos mergulhava entre os parenteses da insónia, quando sobre nós, entre lágrimas de silêncio, as vozes nocturnas entranhavam-se em nós, como se entranham na paisagem do loiro trigo as sílabas amorfas da loucura;

Desejo-te muito, Carlota…

Sempre que há luar na tua mão, sempre que tenho sobre o peito a invisível madrugada dos pinceis que apenas a tela absorve entre um círculo com olhos verdes descendo a Mutamba, o trigo percebe que em breve será poeira como o são todos os ossos das roseiras em flor.

Não sabíamos que o desejo era uma nuvem de fome em direcção às esplanadas do Baleizão, que à noite, recebia trapezistas, malabaristas e palhaços de vidro.

Porque me amas, Rita? Quando dentro de ti apenas existe um pedacinho de lua com sabor a chocolate, quando dentro de ti, eu, sou a princesa das noites voláteis sem perceber que já não sou eu, sem perceber que deixei de existir na noite dos tristes triângulos das luzes e cores, que sempre que nos beijávamos no Mussulo, se sentavam na fina areia do pôr-do-sol.

Não vens, Rita?

E sempre que Rita não descia à aldeia e se deitava junto à tristeza de Carlota, esta, acordava embrulhada em tristeza e lágrimas de incenso, que à medida que a manhã avançava em direcção ao bairro Madame Berman era absorvida pelo cheiro da terra queimada;

Assim dançávamos dentro dos pequenos charcos que circulavam as velhas sanzalas e que de vez em quando, junto à noite, ouviam-se os roncos dos velhos carros militares que pernoitavam no quarte do Grafanil.

Um dia, meu amor, todas as pétalas serão tuas e as minhas telas, apenas elas, servirão de poiso às tuas lágrimas.

Hoje acordei triste. Enquanto passeava nos lençóis nocturnos da insónia percebi que nas tuas mãos, doce Rita, brincam as palavras mais belas que só o teu corpo sabe declamar enquanto junto a mim oiço os mabecos em cio em alegres despedidas.

O Mussulo era um encanto quando sabíamos que tudo era apenas uma imagem desenhada num espelho que alguém apelidou de saudade, e eu, chamo de orgasmo.

 

 

 

Alijó, 16/08/2022

Francisco Luís Fontinha

sábado, 23 de julho de 2022

Os pássaros da madrugada

 Desciam as escadas enquanto mergulhávamos nas palavras escritas que só o velho mendigo conhecia e depois acordávamos entre os pássaros da madrugada e depois olhávamos a maré em tons de cinzento sem percebermos que a noite é a morte vestida de estrelas abraçada à dor que apenas o corpo consegue desenhar na madrugada porque de luas e percebes estávamos fartos de desenhar na alvorada ora porque diziam que estávamos mortos se ainda conseguíamos escrever na areia molhada dos teus seios suspensos as canções de revolta enquanto uma enxada brincava no silêncio do deserto antes de acordarem os pássaros da madrugada?

 

És flor deste jardim construído nos socalcos do desejo. Abro a janela do medo enquanto oiço as acácias que brincam no teu corpo, depois, percebo que ninguém habita a tua mão onde deixo ficar as minhas palavras como se estas fossem a despedida; o poeta vai partir em direcção ao mar, porque neste porto apenas vagueiam barcos em papel e fotografias da tua dor.

Desciam as escadas enquanto mergulhávamos nas palavras escritas que só o velho mendigo conhecia e depois acordávamos entre os pássaros da madrugada, sem percebermos que dentro do círculo com olhos verdes, as palavras semeiam-se como se semeia o medo de acordar junto ao velho plátano de uma infinita infância entre montanhas e socalcos e seios de luz e lágrimas de luar; e aos poucos percebia da tua respiração que em breve voarias como voam os pássaros quando percebem que o silêncio é uma equação sem resolução. E que ainda hoje voas.

Diziam que estávamos mortos se ainda conseguíamos escrever na areia molhada dos teus seios suspensos as canções de revolta enquanto uma enxada brincava no silêncio do deserto antes de acordarem os pássaros da madrugada, depois, ouviam-se as canções de despedida embrulhada nas lágrimas que apenas o poema consegue descrever, quando sentado num qualquer banco de jardim…

À dor que apenas o corpo consegue desenhar na madrugada.

Nada mais.

E que ainda hoje voas.

 

 

 

Alijó, 23/07/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 10 de abril de 2022

Querido imbecil

 

Quando um imbecil cortas as asas a um pássaro,

Ele,

Não voa,

Mas um pássaro sem asas, sonha e,

Voa.

 

Quando um imbecil corta o sorriso às tuas flores,

Elas, choram, elas ficam tristes,

Mas uma flor sem sorriso,

Sonha e,

Alegra o dia de uma criança…

 

Quando um imbecil diz que as tuas palavras são nadas,

Que as tuas palavras são asas cortadas,

Quando as tuas palavras são tempestades…

Quando um imbecil diz que és apenas uma montanha,

Um pássaro de asas cansadas.

 

 

Alijó, 10/04/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Nuvem granítica da saudade

 

Às vezes, o sol parece uma nuvem escura,

Fria,

Às vezes, o sol parece um sonho,

Um jardim florido.

Às vezes, as palavras parecem uma tempestade,

Um dia estupidamente feio.

Às vezes, o mar é uma ilha,

Outras,

Um corpo cansado,

Às vezes, o sol parece uma fogueira,

Ou um poema recheado de nadas.

Às vezes, eu sou o sol,

Outras,

Sou a nuvem granítica da saudade…

Às vezes, temos o sol pincelado de noite.

Às vezes, temos a noite pincelada de sol…

Às vezes, o sol parece uma nuvem escura,

Fria e cinzenta.

Às vezes, o sol é um pássaro,

Uma flor esquecida na avenida.

Às vezes, temos o sol,

Às vezes, o sol tem-nos a nós.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21/02/2022

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

O menino dos calções

 

Uma sílaba de silêncio desce a calçada, do outro lado da rua, em frente ao mar, dorme a saudade abraçada aos peixes inventados por um miúdo, apenas retractei os descosidos calções, porque quanto à restante vestimenta, nada mais a acrescentar, talvez uns sapatos rotos ou uma camisa descolorida, que para quem como eu, não sabe as cores, é indiferente.

Quando eu tinha a idade deste miúdo, construí um pássaro em cartão prensado. Passei três dias e três noites debaixo de uma mangueira, árduo trabalho para uma criança da minha idade e, depois de pronto, libertei-o; ao contrário de Ícaro, a minha obra de arte nem sequer conseguiu atravessar o musseque, despenhando-se junto a um pequeno charco de saudade. Mais tarde, percebi que precisava de aulas de Física, Matemática e Aerodinâmica.

Hoje, passo os dias a desenhar pássaros num pequeno caderno adquirido em Paris, no Louvre. Os pássaros são poemas envenenados pela tempestade, são pequenos silêncios na madrugada, mesmo assim, sabendo que após os ter desenhado eles levantam-se e vão para muito longe, é um dos meus prazeres; dar vida a rabiscos.

Deitava-me sobre a terra húmida. Olhava as estrelas e não percebia que o Universo é infinito, ou talvez não o seja, ou talvez quase finito, mas sabia que os pássaros que hoje desenho e as estrelas que olhava em menino, dormiam juntos.

Da terra, aos poucos, começaram a emergir pequenas bolas de fogo. Os meus pássaros, os primeiros que desenhei, começaram a voar em direcção ao mar. Fui ao galinheiro e libertei todas as pombas e galinhas, acabando por salvá-los da fogueira enviada por Deus: os pássaros, esses, arderam um pouco mais tarde. Cinzas que ainda hoje brincam nas ruas de uma cidade morta, desejosa por que acorde a madrugada.

Um dia acordará a madrugada e os meus pássaros serão livres como as flores que a minha mãe tinha no jardim. Como todos nós, deveríamos ser livres.

Ao pássaro que acabei de desenhar, vou apelidá-lo de “menino dos calções”.

 

 

 

Alijó, 03/02/2022

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Os uivos apitos da saudade

 

Deixei de escrever

Nos lábios da floresta.

Dos pássaros,

Regressam a mim

Os uivos apitos da saudade,

Como se eu fosse uma rocha indomável,

 

Disperso na manhã deserta das gaivotas.

Sei que há nas palavras

Verdadeiras equações de sono,

Versos invisíveis

Que durante a noite se transformam em sílabas,

No poema envenenado.

 

Deixei de escrever

Nos lábios amargos da floresta,

Os beijos nocturnos da insónia;

- Adoráveis submundos nas engrenagens da vida,

Ama-se. Mata-se.

Como se a vaidade fosse um pressuposto

 

Infinito do homem.

Ama-se e inverte-se a claridade lunar,

(e caso seja possível)

Ergue-se na humidade do silêncio,

Entre beijos

E abraços aprisionados.

 

Almoça o sono

Uma sanduiche de medo,

Na companhia dos beijos alicerçados à montanha do Adeus…

Ergue-se de mim e, deita-se na sombra tristeza da cidade,

Todos os automóveis e todas as rodas dentadas do passado,

Morrem de tédio; quantos aos pássaros,

 

Construídos em papel,

Dançam as cantigas desta triste caligrafia,

Que sublime e infinita,

Foge em direcção ao rio.

Deixei de escrever

Nos lábios da floresta,

 

E começo a guardar retractos de sombras,

Que a memória vai apagando,

Dia após dia,

Noite após noite;

E assim, vivo neste habitáculo de espuma,

Esperando que dos pássaros regressem a mim os uivos apitos da saudade.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 13/01/2022

sábado, 20 de novembro de 2021

O amor é um verso

 

Se me imagino sentado nas tuas coxas de incenso?

Imagino-o enquanto as palavras envenenadas pelo desejo,

Quando se suicida a tarde junto ao mar,

E oiço o silêncio de um beijo,

Um beijo de amar.

Pode ser também um beijo de beijar,

Pois no meu jardim,

Junto a mim,

Habitam flores em delírio,

Flores com sombra de Luar.

Se me imagino?

Imagino-me sentado

Nas sílabas imbecis do poema escrito por mim,

Quando na minha mão,

Números e equações de miséria,

Acreditam que as palavras de uma canção,

A minha canção,

São apenas nadas, artéria

Ensanguentada dentro desta cidade,

Dentro deste cubo de vidro martelado.

Sinto-me prisioneiro às árvores da madrugada,

Árvores habitadas por pássaros que infelizmente, não sabem nada,

Não sabem que as pedras amam outras pedras,

Que outras pedras podem amar as flores,

E estas, amar outras flores,

E outras flores, amarem outras manhãs,

Manhãs que amam outras noites,

Noites que amam as pedras:

Poemas meus, que não amam,

Desenhos que me amam,

E,

Palavras que me odeiam.

Que todos amam a Lua e o Luar,

Que a Lua não ama nada,

Ninguém,

Nem ao primeiro astronauta que lá poisou,

As flores também amam a Lua e o Luar,

Os pássaros amam a noite,

Porque dormem e sonham,

Porque o amor é um verso,

Um poema enorme,

Que vive junto ao mar.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 20/11/2021

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Os pássaros de viver

 

Onde habitam os pássaros

Dos teus lábios

Que voavam nas árvores da minha boca,

Meu amor!

O que fazem os pássaros

Dos teus lábios

Quando na minha boca, meu amor,

Habitam as flores do teu sorriso!

Como se sentem, meu amor,

Os pássaros do teu cabelo,

Quando nos meus braços,

Habitam o silêncio e o desejo!

O que sentem os pássaros

Dos teus seios,

Quando nas minhas mãos,

Habitam os pássaros de escrever!

E dos pássaros das tuas coxas,

Quando se abraçam

Aos pássaros da minha noite,

Sabendo que os pássaros

Do meu silêncio,

São os pássaros de amar,

São os pássaros de beijar…

Como serão os pássaros

Do teu olhar,

Quando os pássaros do meu escrever,

Se sentam junto ao mar,

E, se abraçam até que acorde o luar,

E nasçam os pássaros de viver.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 11/11/2021

domingo, 31 de outubro de 2021

A enxada da vida

 

Descia a calçada de cigarro na mão.

Empunhava a espingarda

Como se ela fosse uma canção,

Ou apenas o nascer da alvorada.

 

Sentava-se no chão. Desenhava na algibeira

Lágrimas com a enxada da vida adormecida,

Subia aos montes e às montanhas e à ribeira…

A ribeira da vida.

 

Sentado no chão.

Cruzava as pernas em direcção ao mar,

Mas o mar era apenas uma canção,

Uma canção de embalar.

 

Descia a calçada de cigarro na mão.

Sentia na garganta a lampejou-lha dos pássaros envenenados,

Alguém lhe gritava; Alto. No ar a sua mão.

A sua mão dos dias envergonhados.

 

Descia.

A calçada em demanda.

E, escrevia

Com a mão que não anda.

 

Descia a calçada em construção.

Puxava de um cigarro que se alimentava do desejo,

Descia a calçada de cigarro na mão,

E com a mão se constrói o beijo…

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 31/10/2021

sábado, 30 de outubro de 2021

Os pássaros adormecidos

 

Tínhamos na mão

O silêncio dos pássaros adormecidos,

Sentiam a fome no coração,

O coração dos poemas perdidos.

 

Eram palavras que se semeavam na tempestade,

Enquanto no mar,

Havia barcos com saudade,

Na saudade de abraçar.

 

Tínhamos beijos em pedacinho adormecer,

Tínhamos barcos em revolta,

Tínhamos palavras para escrever,

 

Palavras sem nome.

Palavras que andavam à volta,

À volta da fome.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 30/10/2021

sábado, 24 de julho de 2021

O pássaro que não sabia voar

 

Das asas pigmentadas de silêncio, ouviam-se os uivos apitos que voavam sobre os socalcos pincelados de sombras e sonoras alegrias, que de vez em quando, ao longe, de um barco, às vezes assombrado, alicerçava a tristeza da partida,

Começa o dia na mão dele, de entre os dedos carrancudos, o cigarro avermelhava-se entre cinzas e lágrimas, chamavam-lhe; a saudade.

Partiu sem dizer adeus, nem um beijo, nenhum amigo presente na fala da sua sombra, quando se adivinhava que a morte é apenas uma viagem até ao infinito, de voos baixos, de ziguezague em ziguezague, de socalco a socalco, uma mísera nuvem de espuma brincava na sua mão,

Tinha medo,

Às vezes travestia-se de homem, outras, nem muitas, aparecia nas estantes amorfas dos livros de poesia,

O poema morrer e, ele nem sempre sabia o que significava a morte.

A morte é uma merda, dizia-lhe o pai pássaro, outro, o espantalho, costumava escrever nas rochas do Douro, sabes, meu filho, o cancro é uma merda,

A viagem, o vento levava-o pelas sanzalas da infância, num orgulho que só ele sabia descrever, sentava-se junto ao mar, puxava de um cigarro reutilizado do dia anterior e, em pequenos silêncios segredava ao pássaro alegria; sabes? Sou a criança mais feliz de Luanda.

Todos tínhamos nas mãos o cansaço das equações, das ínfimas matrizes que sobre o caderno adormeciam como crianças pintadas na tela da Mutamba,

Às vezes dá-me sono as palavras tuas,

Nunca soube voar.

Vestia uns calções, sentava-se nas sandálias de couro e, começava a correr até ao Mussulo, desagregado da saliva entre apitos e rumores; um dia vou regressar, um dia,

Nunca regressei.

Hoje, acordei abraçado à mangueira da minha infância, junto a mim, o triciclo da saudade e, mais além, as cartas que nunca tive coragem de te escrever, sabes, meu amor, as palavras parecem-me falsas alegrias, arrotos anónimos nas mãos do carrasco.

As espingardas vomitavam sílabas de azoto, o soldado-menino, escondia-se debaixo do embondeiro mais velho da planície, algures, outro menino-soldado, deslaço devido à preguiça, rebolava-se ribanceira abaixo, até que alguém lhe dizia; oh menino, a espingarda? E, ele, timidamente, respondia,

Fugiu, meu senhor, fugiu como uma bala em direcção ao nada.

Nunca soube voar. Aprendi as primeiras letras e números debaixo de um zincado telho telhado, talvez hoje, seja apenas uma igreja imaginária, apenas sombra, apenas nada.

O poema voava na sua mão. Entre os dedos, desenhava-lhe os seios colocando-lhes pequenas aspas, ou inúmeras saliências, ou apenas nada.

Nada tudo dentro de uma louca equação de areia. O barco recheado de fumo, levante e de um outro adeus; amanhã saberei o seu nome.

Amanhã, meu amor.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24/07/2021

quarta-feira, 11 de março de 2020

Os pássaros do amor


O tempo silencia os teus lábios de cereja adormecida,
Quando a nuvem da manhã,
Poisa docemente no teu sorriso;
Há palavras na tua boca,
Que absorvo com saudade,
E, nada me diz, que amanhã será uma manhã enfurecida pela tempestade.
Subo à sombra do teu olhar,
E, meu amor,
O cansaço da solidão deixou de acordar todas as manhãs.
Fumamos cigarros à janela,
Dentro de nós um volante de desejo,
Virado para a clarabóia entre muitas janelas,
Portas de entrada,
Escadas de acesso ao céu,
E, no entanto, o fumo alimenta-nos a saudade,
Porque lá longe,
Um barco de sofrimento, ruma em direcção ao mar.
É tarde,
A noite desce,
O holofote do silêncio, quase imparável, minúsculo, visto lá de cima,
Ruas, caminhos sem transeuntes, mendigos apressados,
Vagueando na memória.
STOP. O encarnado semáforo, cansado dos automóveis em fúria,
Correm apressadamente para Leste,
Nós, caminhamos para Oeste,
E, nunca percebemos as palavras que as gaivotas pronunciam,
Em voz baixa,
Com os filhos ao colo,
Sabes, meu amor?
Não.
Amanhã há palavras com mel para o almoço,
Dieta para o jantar,
E beijos ao pequeno-almoço;
Gostas?
Das nuvens da manhã?
Ou… dos pilares de areia que assombram a clarabóia?
Nunca percebi o silêncio quando passeia de mão dada com a ternura,
De uma tarde junto ao rio,
Ele, folheia um livro,
Ela, tira retractos aos pássaros,
E, porque te amo,
Também vagueio,
Junto ao rio,
Sem perceber o meu nome,
Que a noite me apelidou,
Depois do jantar,
Numa esplanada de gelo.
O ácido come-me, a mim, às palavras, como a Primavera,
Num pequeno quarto de hote,
Entre vidros,
Livros,
Palavras,
E, desenhos.
(aos depois)
Nada.
Brutal.
Os comprimidos ao pequeno-almoço.
Fim.
Amanhã, novo dia, nova morada, beijos,
Cansaços,
Abraços,
E, portas de entrada.
O amor é luz.
O amor são flores, árvores e, pássaros.
E pássaros disfarçados de beijos.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
11/03/2020

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

A paixão dos mortos


Jazem na minha mão as palavras da saudade.
O mar alicerça-se no quadriculado caderno da madrugada,
Sílabas loucas,
Corações abandonados, numa esplanada de areia,
Esqueletos vadios,
Cansados de viver,
A luz traz as amoreiras em flor,
Mártir silêncio dos poemas adormecidos,
A paixão dos mortos,
Quando um barco se perde no Oceano,
O marinheiro afoga-se no poema,
Lê em voz alta, para todos ouvirem, os mandamentos das gaivotas,
E, sem regressar, procura o sexo na escuridão.
Salta da maré um pequeno veleiro adormecido,
De lágrimas nos olhos, grita pelas almas que partiram,
Ninguém o ouve; a luz.
Todas as manhãs, antes de acordar, o marinheiro chora pelos que partiram,
Ao longe, uma bandeira em demanda,
Sofre, grita,
Mas… não adianta.
Pelos vistos, os mortos não regressam nunca ao local de partida.
O corpo escurece,
Derrete nas pálidas madrugadas, quando do silêncio, uma criança brinca no convés do navio,
Todos os barcos, loucos,
Internados em Psiquiatria,
Enfermaria azul, cama vinte e cinco,
Drageias para todos os navios,
Não dormem,
Mas… sofrem.
Sofrem de quê?
Do silêncio,
Da solidão que provoca o silêncio.
O amor nasce entre os cortinados do camarote,
Na enfermaria, um dos barcos internado, grita pelo enfermeiro;
SOCORRO!
E, ninguém. Ninguém o ouve.
Apenas o comandante está autorizado nas visitas, poucos minutos, servem para acariciar-lhe as âncoras da tristeza,
QUERO SAIR DAQUI.
Todos o queremos.
Uns, mais, outros, menos.
Mas os barcos são teimosos, e, firmemente, alegremente, fogem…
E, só a paixão dos mortos consegue sobreviver ao destino.
Sofre. Grita.
Zurra nas amêndoas em flor, descendo socalcos,
Subindo rochedos,
E outros demais silêncios.
A loucura pertence aos pássaros,
E, aos barcos.
Torna-se na viagem mais inclinada do Universo,
Quando todos sabemos, que o mar, os pássaros e, os barcos,
Morrem.
Morrem nas clandestinas sanzalas do silêncio.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
24/01/2020