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sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Os meus poetas

 Encurralado entre vírgulas e parêntesis

Este corpo encostado à marginal

Sou espiado por um barco

Que pincela os olhos de encarnado

E nas unhas

O invisível verniz da paixão

 

O vento me leva

O vento nunca mais me vai trazer

 

E no entanto

Bebo

Fumo

Escrevo

 

O que importa se vou e não regresso?

 

Se tantos barcos da minha vida

Partiram

Fundearam

E hoje

São sucata no fundo do mar

 

Depois

Gosto da noite

Amo os meus poetas

Ouvi-los

Lê-los

 

E às vezes

Converso com eles

 

Adoro conversar com o AL BERTO

Com Cesariny

Cruzeiro Seixas

Alexandre O'neill

 

Sentar-me lado a lado com o Pacheco…

Depois ele pede-me vinte paus

Mas como ando sempre teso

Ficamos apenas pela conversa

 

E quando dou conta

A noite já não é noite

A noite acordou

Eu não dormi

A noite deixou de me pertencer

Mas como eu amo a noite

Fico como se tive morrido

E se me perguntarem (morreu de quê?)

Alguém dirá

Morreu

 

O vento me leva

O vento nunca mais me vai trazer

 

E eu acordo

E eu adormeço

E eu caio

E eu me levanto

 

E o vento me leva

E o vento nunca mais me vai trazer

 

Escrevo-lhes

Oiço-os

 

E habito neste pequeno silêncio de asas.

 

 

 

 

 

Alijó, 02/12/202

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Deixei de ter sono

 Leio-te e oiço-te,

E delicio-me com as tuas palavras,

E delicio-me com a tua voz,

E quando dizes “digo mar e o mar entra todo pela janela”, (AL BERTO)

Vejo-o entrar no meu quarto e deitar-se no meu colo.

 

E se fosses tu, caravela das minhas noites de insónia,

Que te deitasses no meu colo

E me declamasses todos os poemas,

E todas as palavras,

Invisíveis e possíveis,

 

Eu, o poeta dos teus olhos,

Era um barco em pequenos silêncios de papel.

 

Tinha flores e árvores no meu jardim,

De saudade,

Morreram numa tarde de Setembro,

E hoje, tenho as tuas palavras e a tua voz

Para recordar as minhas flores e as minhas árvores; e tenho o sono que deixou de dormir em mim.

 

Eu, o poeta dos teus olhos,

Era um barco em pequenos silêncios de papel.

 

Leio-te e oiço-te,

Enquanto esta lareira de insónia me transporta

Para os teus braços e percebo que habito numa cidade sem nome.

E um dia serei o vento

Que brinca nos teus lábios de Outono,

 

Como eu brinquei nos lábios de um rio,

E quando lhe tocava, ele, começava a arder

Com ardem todos os corpos mergulhados na paixão.

 

 

 

 

Alijó, 30/11/2022

Francisco Luís Fontinha

sábado, 22 de outubro de 2022

Instantes num quarto de vento

 Meu querido,

 

Não sei como serias hoje, tão pouco se gostavas de Proust, e se mergulhaste “Em Busca do Tempo Perdido” ou “À sombra das Raparigas em Flor”, não sei, se tal como eu, enquanto a noite desce sobre mim, pensas como seria adormecer no colo de AL Berto ou estares uma tarde inteira a fumar cigarros com o Lobo Antunes ou como seria o rosto do Pacheco enquanto esgalhava uma.

Não sei, nem quero saber. Também não espero pedir-te perdão, porque o que está feito está feito e, se tivesse de pedir perdão a alguém, pedia-o certamente a mim, evidentemente.

Cansei-me muito, foram noites intermináveis e sem dormir, foram noites de ti enquanto eu pensava em mim, e quando percebi que jamais voltaria a ver os pássaros em pequenos voos de miséria, eis que esses mesmos pássaros voltaram para me atormentar e invadir novamente as minhas noites; não, meu querido, tu não tens culpa que as nuvens tenham regressado novamente.

Não sei o que pensaria Albertine de tudo isto, mas certamente pensaria o mesmo que eu, isto é, não pensava; talvez um dia percebas porque morreram os jardins da minha vida.

Naquela altura, meu querido, desconhecia o poder do fogo, porque a lareira onde me abrigava pertencia às manhãs submersas dos encalhados campos de milho de Carvalhais, e se pudesse estar sentado naquela pedra cinzenta, e se pudesse enquanto sentado fumar os meus últimos cigarros da tarde, e se pudesse olhar o Pacheco a esgalhar uma, à porta de uma qualquer casa de banho de um qualquer bar, acredita meu querido, fazia-o, mas não o posso fazer.

E como já te disse anteriormente, sim, cansei-me muito. Sim, chorei imenso. E sim, fui energúmeno para ti.

Mas… meu querido, como seria a madrugada se o vento tivesse morrido naquela noite fatídica em que voaste para o infinito; e talvez um dia, e talvez agora, te diga que foi melhor o vento não morrer.

Enquanto converso com a Adelina ou com a Maria Clara, percebo que fui um sacana para ti, mas depois regressam a mim as lágrimas infindáveis das três tristes serpentes sem cabeça, e quando converso com a Albertine penso como seriam os teus olhos; possivelmente iguais aos meus.

Mas os teus olhos um dia pertencerão às flores em cadáver que brincam no meu jardim, e pensando melhor, também não quero saber dos teus olhos, nem a cor dos mesmos.

Sabes Swann, tanta gente a quem tinha de pedir perdão, mas o tempo escoa-se pelas frestas da noite, e quando percebo que tenho sobre o corpo a espada da tristeza, oiço as vozes alegres dos monstros das noites em que te sentavas no meu colo enquanto te lia um poema de AL Berto, e do 14 de Janeiro, hoje, apenas tenho saudade de quando o mar entrava pela janela, e tu, sonhavas com as marés de silêncio que caiam sobre a mesa da sala de jantar.

Na algibeira levávamos os pregos sem cabeça, sem braços, apenas um corpo mortificado e doente, depois, tínhamos as Pachecadas que alimentavam as nossas tardes depois de voarmos sobre uma cama de nódoas num qualquer segundo andar, num qualquer quarto, de uma qualquer cidade.

E sabes, Albertine, depois da morte apenas ficam as fotografias.

Mas tu não percebes, claro que nunca vais perceber porque o fizeram; acredita que nem eu percebo porque não mataram o vento naquela triste madrugada.

Pertenço-te e não te peço perdão, de qualquer forma, o vento ainda ronda pelos campos de milho de Carvalhais.

E depois de levar o almoço à tia Adosinda, ela carinhosamente, dava-me dois e quinhentos ou cinco escudos, descia a rua, estacionava no Sr. Grifo e mergulhava nas carteiras de cromos ou nos chocolates.

A tarde separa-se das tuas mãos e da janela ouvem-se as crianças em pequenas brincadeiras, sobre o meu peito, poisas a cabeça, e num ápice, tal como o vento que não morreu naquela madrugada, percebemos que somos instantes, instantes num quarto de vento.

E não, não te peço perdão.

Nunca te vou pedir perdão.

 

 

 

 

Alijó, 22/10/2022

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

O crucifixo das lágrimas

 Quando acordavam, o crucifixo suspenso na parede, que tinha como única finalidade, esconder as fendas que abundavam no gesso em ruínas, lacrimejava todas as palavras ouvidas durante a noite.

Esta noite devíamos ter conversado muito, ele não pára de lançar palavras contra os tristes lençóis e cobertores que sobre nós poisaram, lamentava-se ela enquanto ele escondia o olhar no cortinado, velho, que mais parecia um campo de milho quando maduro,

E claro, vinha-me à memória os campos de milho de Carvalhais, da amarela, do velhinho que contava estórias mirabolantes sobre a primeira grande guerra, dos uivos do carro de bois e das manias que eu tinha de andar sempre só; como as cabras em pleno monte.

Descia a noite e quando o Branco ligava o moinho ecléctico, modernices, pois tinham um movido a água, enquanto o cereal dançava, a lâmpada do meu quarto, o quarto do meio, começava a cambalear, até que momentos depois, desmaiava por completo e só depois do tio Branco desligar o dito é que voltava a ter luz para ler os poemas do Pessoa; e quando a noite já levantava voo sobre o sino de Carvalhais é que eu começava a escrever a um remetente inventado, pois quase nunca tive ninguém a quem escrever, a não ser, no serviço militar, a cravar dinheiro à minha mãe. Um dia perguntou-me quantas vezes eu era assaltado por semana, pois a razão de eu pedir dinheiro era sempre a mesma. Mãe, fui assaltado.

Conversamos muito, disse eu. Pois também estava de acordo com ela, à quantidade de palavras que o crucifixo lacrimejava dava para perceber que tinham sido muitas. Ergui-me, procurei um cigarro sobre a mesinha-de-cabeceira, e comecei a vomitar sinais de fumo à janela com fotografia para o mar. Do segundo andar via uma réstia de mar, a sombra de um barco e o uivo de uma gaivota, nada mais, em Carvalhais, já noite dentro, ele escrevia em pequenos papeis que ainda hoje continuam acorrentados aos quatro cantos de cartão, onde poisam, e quase nunca saem para passear no jardim ou descer a calçada com acesso ao rio.

Quando ele olha em direcção ao leito dos lençóis e cobertores poeirentos, ela já dormia novamente, e ele, suspenso entre dois segundos, olhava-a, olhava o crucifixo que não parava de lacrimejar as ditas palavras nocturnas do desejo e a velha espingarda que apenas disparava às terças e quintas, durante a tarde; não ligou e esperou que o cigarro terminasse o seu prazer, isto é, foder um gajo que acaba de acordar. E diga-se, sou fodido por estes gajos há mais de trinta anos.

A noite estava calma. As palavras fluíam nas rasuradas folhas que encontrei numa qualquer gaveta do avô Domingos, naquela noite não me apetecia escrever no caderno, e os sons da noite entravam-me quarto adentro; ouviam-se as lágrimas das sombras que eu sabia que habitavam no campo de milho semeado junto à janela. Deixei de ouvir o avô velhote, um dia finou-se.

Peguei na espingarda, e percebi que ela jamais poderia acordar, depois soube que tinha ido para outro aposento, mais limpo, onde não havia crucifixos a tapar frestas e dos papeis escritos por mim, apenas algumas cinzas restavam junto ao cinzeiro em granito que um grande amigo me tinha oferecido. Nunca mais fui assaltado.

O tio Serafim animava a adega. Artista conceituado por aquelas bandas, brindava-nos com o vinho morangueiro, confesso que nunca o bebi, porque detesto vinho, mas fazia-me acompanhar por umas Cucas, o famoso presunto, a linguiça, e claro, o melhor pão de milho que comi até hoje; o pão de milho da tia clementina.

O Serafim além de cantar o fado, ser barbeiro nas horas vagas, cuidar das terras e do gado na companhia da tia Clementina, ainda na juventude, tinha feito crer a muita gente que tinha regressado do Brasil, sem que nunca tenha saído do Bairro Alto em Lisboa. Um verdadeiro artista. Um homem galante, de fato, bengala e nunca deixava de se acompanhar pelo famoso palhinhas e do respectivo sotaque.

E Carvalhais, aos poucos, começou a ficar sem graça. Uns foram para ali, outros foram para acolá, ela começou a ler umas coisas de AL Berto, e basicamente, todos eles mortos, desaparecidos do combate da vida.

Às vezes, durante a noite, oiço o velho moinho do tio Serafim, vou à janela e chegam a mim as silenciadas sombras que brincam no campo de milho, mesmo por baixo dos meus pés. Quanto à espingarda, também ela, morreu numa manhã de neblina…

Que assim seja.

 

 

 

Alijó, 10/10/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Dos livros estes livros

 Deixou cair as asas sobre o mar e adormeceu; no dia seguinte deu-se conta que todas as fotografias que tinha escondido dentro da pequena caixa de sapatos número trinta, rés-do-chão esquerdo, tinham desaparecido como anteriormente já tinham desaparecido dois livros de poesia de AL Berto, um livro do Pacheco e um outro de Lobo Antunes.

Com os livros de poesia de AL Berto, muitos anos antes de perder as asas, teve uma enorme discussão, pois estes quase sempre não gostavam de ser manuseados, folheados, quanto ao livro do Pacheco, esse, estava sempre com dor de cabeça.

O dia erguia-se entre os seios dela, da rua, regressavam aos poucos as loucas buzinas dos transeuntes em delírio, como regressam ao final da tarde os estorninhos parecendo uma orquestra de zumbis, mas quanto aos dois livros de poesia de AL Berto, hoje, e enquanto os folheava e manuseava, não se queixaram de tal, até que o livro do Lobo Antunes me questionou a razão do par de asas estar sentado sobre eles, quando poderiam muito bem estar na minúscula sala de jantar; e porque não suporto birras nocturnas, puxei de um cigarro e fui ver o maldito mar daquela última noite.

O mar estava chocho, a maré tinha acabado de deixar o quarto e nele deixou impregnado o invisível perfume que apenas as marés usam, junto à janela havia uma secretária onde dormiam pedaços de papel escritos no século passado e que ele já nem se recordava; que conste que tratava-se apenas de algumas cartas que nunca foram enviadas, portanto sem remetente, e duas ou três receitas de culinária que nunca se atreveu a experimentar.

O mar estava enjoado. Nos lençóis, uma pequena mancha de esperma, desenhava a manhã que mais tarde acordaria e ninguém saberia se ia terminar. Numa das paredes, pequenas frestas olhavam-no, e começou a acreditar que estava a ser observado pelo defeituoso silêncio que muitas vezes se alicerçava sobre o peito e, quase sempre não entendia a razão.

Sabia que um dia seria apelidado de anjo azul, de azul tinha o pulso pincelado, mas de anjo, de anjo nada tinha, apenas as asas que deixara cair sobre o mar.

Sabíamos que a noite trazia sempre uma pequena malga de sopa, uma sandes de nada e dois ou três cigarros, depois, acreditando que sabia voar, colocou as asas e lançou-se da clarabóia…

Estatelou-se no pavimento como se fosse um pássaro que acabasse de sofrer um AVC, até que do mar, em passo apressado, vieram em seu auxílio as fotografias que tinham desaparecido da pequena caixa de sapatos; ouviam-se os lobos que aos poucos se despediam da maré, e esta, partiu.

Ele, depois de acordar, abraçou-se aos pequenos lençóis e ainda hoje inventa o sono antes de regressar a noite às suas mãos.

 

 

Alijó, 26/09/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 4 de julho de 2022

As tulipas negras do Inverno nosso

 

Perdidas, cansadas de habitar a prateleira superior dos sonhos, as tulipas negras antes de adormecer, lêem um poema de AL Berto. Sob o sonâmbulo tecto da alvorada e, após o silenciar de todas as sílabas, começam a ouvir, aos poucos, os pedacinhos em desejo que a madrugada transporta até ao luar que acaba de se deitar na almofada do sono.

As tulipas, alicerçam-se ao fim-de-tarde que voa em direcção ao abismo, porque em cada mão, elas, aprisionam o feitiço de uma cidade em ruínas. Das janelas, ouvem-se as silenciadas vozes dos espantalhos em passos apressados que de pé-ante-pé voam pelos campos de milho nas paisagens de Carvalhais.

Sabíamos que podíamos confiar nos poemas de AL Berto, mas quanto a confiarmos nas tulipas negras, já não estávamos tão certos, pior ainda, estas são pequenos esqueletos em papel, com desejos, que amam, que beijam, que gemem quando a noite entra pela algibeira do púbis envenenado na inocente luz escolar.

Perdidas, cansadas de habitar a prateleira superior dos sonhos, ouviam-se-lhes os outros poemas que em finas lâminas de maré corriam em direcção ao mar, depois, um velho pedaço em madeira, sem perceber a razão, levantava os braços apontados para o céu, e

Que assim seja, meu amor; todos percebíamos porque dormiam as acácias dos teus lábios.

E numa conversa de desespero, sempre antes do almoço, a pequenina madrugada sabia que também ela acabaria por morrer contra os rochedos da dor, como morrem os pássaros antes de bater as dozes horas nocturnas na torre da igreja; Deus queira que sim,

porque se não o for, salvamos-mos com os outros poemas de AL Berto, que muitos anos antes, líamos na companhia de uma esplanada envenenada pela nortada das abelhas em delírio quando alguma das pétalas envergava um fato e gravata e sapatos bicudos e engraxados pelo velho Armando e que no Café da Paz adormecia sem perceber que o sono e que diziam que adivinhava as horas antes de olhar o relógio e que cada vez que dormia e como um zumbi desenhava gargalhadas nas paredes e,

regressava o Medo; finalmente AL Berto se levantava das nossas coxas de incenso que quando vomitava labaredas de sono, ele, ela, nós,

o velho engraxador,

voava como um cargueiro esquecido em alto mar.

Hoje, percebo que as tulipas negras escondiam dentro do peito uma finíssima folha em papel, que dos sapatos bicudos, hoje, são apenas um pedaço de sola à venda no OLX. Pudera, pois sabíamos que as lágrimas de crocodilo que saltitavam de cadeira em cadeira eram apenas pedacinhos de lenço que quando sabujava algum tempo, deixava algumas letras e outros tantos riscos, que hoje ninguém consegue decifrar; apenas o Medo.

A boca abria-se-lhe e, num ronco desproporcional, lançava-se à conquista de almas gémeas e rezas de açafrão. Também diziam que ele inventara o sono numa noite de neblina, que depois, nunca mais foi o mesmo após provar as ditas sílabas negras das tulipas em flor.

Cansado, vossemecê?

Pudera.

Os sapatos envelheceram. E todas as gargantas hoje são apenas espojas que dizem absorver os poemas de AL Berto.

Diga-se; que delícia.

Comíamos-mos como se comem as borboletas antes do nascer do sol, e no entanto, a gabardine de tom escurecido devido ao surro, poisa hoje sobre uma sepultura em mármore e recheada com flores de trevo.

Dizem que dá sorte…

E que sorte terá um tipo que morreu antes da puberdade desenhar-lhe nas costas rebaixadas pela enxada do sono, que depois de partir, esfumou-se numa bandeira apátrida, a infância adormecida.

Provavelmente, nenhuma. E obviamente, demito-o, como se demitem os anjos antes do toque do clarim que se fazia ouvir numa Belém recheada de magalas em delírio por um estacionamento numa qualquer esplanada junto ao rio; estacionávamos as botas pesadas que transportávamos como se fossem ferraduras invisíveis…

E voávamos até ao pôr-do-sol.

 

 

 

Alijó, 04/07/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

A derivada da saudade

 

Quando o beijo

Se abraça à derivada

Da saudade,

Integra-se o desejo,

Liberta-se a madrugada…

E acorda a verdade.

Depois de integrado,

O desejo voa em direcção ao mar,

Senta-se no chão molhado,

Senta-se, senta-se para conversar.

E conversa com o menino,

E brinca com a sombra desse menino,

Depois, aparece a equação do silêncio desesperado,

Triste,

Triste e cansado;

Triste, triste como o sino.

Na igreja deitado,

Entre parêntesis e vossemecês e excelências…

Menino traquino,

Menino das ciências.

Quando o beijo

Se abraça à derivada

Da saudade,

E da saudade,

Ouvem-se as palavras da despedida.

São versos, são prosas, são pedaços sem medida…

São beijos, são esqueletos de lata,

Que correm, correm, correm para o mar;

Para o mar que mata.

E esta equação

É tão preguiçosa,

Senta-se junto ao mar,

Lê AL Berto, Pachecadas e afins…

Afins de matar.

Puxa da espingarda,

Fuma um cigarro envenenado,

Escreve na ardósia: abaixo a guarda,

Abaixo o enforcado.

Somos corpos enlatados,

Somos papeis descartáveis nesta pobre cidade,

Abaixo os enforcados,

Abaixo a maldade.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 22/11/2021

terça-feira, 23 de abril de 2019

O amor é fumo, pedaços de cinza, morrão, papel queimado.


As rosas são como o amor.

As de papel, claro,

Secam,

Folheio cada pétala,

E em pedacinhos de nada,

Fumo-as.

O amor arde,

Será que depois fico apaixonado?

Ou louco?

Será a loucura clonagem da saudade?

Ou será a saudade apenas o fingir que se ama…

Fico estonteante,

As rosas, em papel, depois de fumadas… enlouquecem as mãos do poeta.

A caneta de tinta permanente começa a lançar borrões sobre as palavras,

O resto das pétalas das rosas, como-as…

Como se fossem uvas,

Ou laranjas,

Ou tâmaras…

(fofam-se as tâmaras)

O amor é fumo, pedaços de cinza, morrão, papel queimado.

E no fim do dia, acabará o amor?

E se eu fumar o poema?

A cidade comer-me-á?

As rosas são como o amor.

As de papel, claro,

Secam,

Emagrecem,

E morrem.

Se as rosas morrem! O que acontecerá ao amor que é uma rosa em papel?

Os cromossomas,

As células loucas no pulmão da minha mãe…

Mas o amor… esse… vive… está lá…

Sentado sobre a mesa-de-cabeceira.

Ao lado tenho um livro de AL Berto…

Que mais poderia ser…

AL Berto.

O Pacheco é mais livro de secretária, de café,

Adoro tomar café com o Pacheco.

Sabes… puta que os pariu.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

23/04/2019

sábado, 25 de julho de 2015

Fogueiras madrugas


Digam-me o que é o amor?

Este corredor de esqueletos em papel,

Por favor… AL Berto!

Ama-me como amaste as palavras,

A cidade,

O silêncio em falsas telas,

As cores,

Enigmáticas,

Fantasmas sombras nos meus lábios embrulhados nas ruelas sem saída,

O teu corpo adormecido nas minhas mãos,

O amor,

A morte do amor,

Os tristes dias do amor…

Que eu perdi na infância,

Desenha-me meu amor

Nas tuas coxas nocturnas das fotografias embalsamadas,

Perdi o nome,

Sou um pedaço de cartão em fogueiras madrugadas,

Um falhado engate…

Que só tu consegues suicidar-me.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

25-07-2015

domingo, 19 de julho de 2015

A vida é uma corrente em aço sonolento

Nunca soube quem eras, pertencias às tardes de espuma que brincavam no meu imaginado Oceano, a planície recheada de sombras e infindáveis gritos de geada contra os pinheiros em cartão, os corpos suspensos numa corda invisível, triste, nunca soube porque pertencias às fotografias poeirentas quando regressava o sonho, embrulhavas-te nos finos silêncios da vida, desenhavas a dor no esquecimento da alegria,
- A vida é uma corrente em aço sonolento, dizias-me enquanto eu lia AL Berto, pensava que me mentias apenas para me confortares, admiro a força das tuas palavras, as esplanadas junto ao Tejo, e eu
Mentia-te como te minto neste momento, sei que não acreditas em mim nem nos meus barcos embalsamados, querias a noite, e eu
- Desenhava a noite no teu peito,
Fugias de mim,
Acreditavas nas cidades incógnitas, não dormias porque não sabias se eu acordaria mais, acordei, chorei, amei, e caguei nas tuas mãos,
Fugias de mim, meu amor,
A noite levava-te para outro continente, vestias-te de chuva, na cabeça o sorriso da pura inocência que a madrugada deixava em ti, desenhavas a noite no meu peito, saltitavas nos meus lábios cerâmicos, enquanto te escrevo oiço o poema de AL Berto dedicado a Cesariny, “tão triste,
Mário!”,
- Tão triste esta alvorada sem identificação, e novamente, tu, a vida é uma corrente em aço sonolento, uma gaivota, um pedaço de maré assassinada pela ausência, a partida, sempre sem regresso, sempre tão simpática…
Boa noite…
- A vida…
Pode ser, qualquer coisa que me faça esquecer os dias, as noites e as máscaras do meu rosto.
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 19 de Julho de 2015



domingo, 5 de abril de 2015

Para ti meu amor


Desce a noite pelos teus ombros de silício

Percebo na tua voz

O silêncio poema da paixão

O falso livro

Embrulhando-se nos teus seios

Em prata

A sombra

O prateado fugitivo

Descansando o olhar numa livraria

Livros

AL Berto

Lobo Antunes

 

Saramago

Pacheco

Livros

Estórias

Cesariny

A sombra

Lapidando o teu corpo

Oceano de palavras

Mergulhadas no teu púbis

A madrugada

Livros

Perdidos

 

E achados

O amor

Meu amor

O significado verdadeiro da saudade

Nos dardos envenenados da solidão

A fala

Não

A sanzala mergulhada em lágrimas de cartão

O vento trazendo as coxas do capim

Oiço-a enquanto durmo

Os seios minúsculos

Masturbados na poesia nocturna da alegria

 

A noite

Não

A fala

Os lábios incinerados na lareira do prazer

O suor alicerçado à tua pele

A húmida vagina em imagens tridimensionais

O PET

O maldito PET

O juízo

A mentira

A insónia

Novamente

 

Triste


As ruas do teu sofrimento

A lotaria da vida

Morres

Não morres

Vives

Em mim

Meu amor

Vives nas minhas veias semeadas de tempestade

A saudade

Novamente

 

No meu corpo

O pénis encarcerado numa estrofe

O enjoo da solidão

Quando à nossa volta gravitam

Sombras…!

A penumbra tarde de Novembro

Nas janelas do Hotel da Torre

Belém

A vagina procurando cacilheiros de luz

Um cigarro

Dentro de mim

Aso beijos

 

E eu sabia que a carta

Sem destino

Morreu

O amor das sílabas encarnadas…

Travestis amigos numa mesa

A vertigem do amanhecer

Acariciando pássaros e cavernas de medo

Não tenho morada

Cidade

Casa

Rua…

Mas tenho um poema para ti meu amor.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 5 de Abril de 2015

sexta-feira, 20 de março de 2015

Não, não amanhã, amanhã vou à cidade, deixar o meu cadáver para ser enviado para a Metrópole, uma ardósia no peito, 123768979/66,
Só isso, pai?
Só isso, quando chegamos,nada tínhamos, apenas um caixote de nada, um rio nas veias... e tu
O mar, pai?
Morreu, disseram-me..., não percebi, morte!!!!!
O que é a morte, pai?
Voar, 123768979/66... em combate, o silêncio do Grafanil, os sorrisos das mangueiras nos meus lábios,
E...
Pai?
Sim, filho, Margarida reaparece da escuridão, tinha como hábito brincar na areia branca da praia dos sonhos,
Mãe, o pai?
Ficção, tudo isto, nada, a dor, acordava de madrugada a gritar por granadas, G3 e literatura, literatura, mãe?
Poesia, textos, trazia na algibeira da farda...
Farda, mãe?
Poesia, textos, trazia na algibeira da farda... toda a sua estória, as canções de menino, os primeiros beijos,
Margarida?
Sim António...
Viste os meus livros de “AL Berto”?
Talvez no chão, a carta, o sorteio
Três milhões de mortos,
Mortos?
Não, mortos não, Euros
Três milhões de Euros, meu filho?
Sim, mãe, sim...


(Ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 20 de Março de 2015