sexta-feira, 30 de novembro de 2012

morte inventada de ti em pedacinhos de amêndoa


a minha morte inventa-se dos papeis emagrecidos da poesia não escrita
a fogueira alimenta-se indecisamente como se eu fosse uma árvore
uma simples palavra
ou uma erva daninha
que brinca no recreio da escola,

metes-me medo
quando apareces no espelho do tecto da insónia
oiço-te chamares-me gritando para as flores verdes
e castanhas
e não esquecendo as cinzentas que colocaram sobre o meu peito,

e eu não vou
nunca irei
a minha morte entre três pedacinhos de vidro
obrigam-te a desceres as tuas lágrimas
e nunca mais gritarás o meu nome,

e dos teus olhos de purpura manhã engasgada no oceano
renascerá a voz melódica do uivo circular em medos negros
castanhos
as raízes do teu coração
vagueando na areia desgovernada da solidão.

(poema não revisto)

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

os barcos de esferovite

a velha máquina de escrever sussurrava sílabas contra os vidros indefesos da janela com vista para o jardim, nua, a candeia zarolha e com um dos bracinhos engessados devido à estrondosa queda sobre o soalho sem tempo para escrever os ais e os uis no tecto da cozinha, nua, a candeia zarolha que comia as sílabas vomitadas pela velha máquina de escrever, comunista, ela, a máquina, fabricada na ex-URSS com a impressão a quente das inicias CCCP, das poucas caricias ouviam-se na lareira os estilhaços doentios do meu pai

- tem cuidado que as gajas

embriagado, sempre dentro do taparuer metálico onde escondia os cigarros e o álcool e em pequenas porções de saliva misturava na mão trémula pedacinhos de areia branca, snifava o açúcar desperdiçado nas chávenas do café e do chá e dizia que o excesso de açúcar

- tem cuidado com as gajas porque o excesso de açúcar provoca a diabetes e tem de ser snifado, se o engoles juntamente com o café ou com o leite, tem cuidado, com as gajas em voos sobre as oliveiras entre sombras e prostitutas do passeio com ardósias encarnadas e bâton labial, estavas linda,

hoje ouvi dizer que ia ser proibido ser louco, e que os loucos semeados nas jangadas de deus, iam deixar de serem loucos, por Decreto-Lei termine-se a loucura e a pobreza, felizmente pertenço aos dois e passarei a ser livre, Ouvia-o murmurar no quarto agarrado à porta do guarda-fato,

- está bem pai?
respondia-me que sim Na boa, mais feliz não posso, mas olha, tem cuidado com as gajas nascidas em Janeiro, as pessoas olham-te como se fosses um monstro porque és meu filho, pertences-me, tal como eu pertenço-lhes, nasci louco, irei morrer louco, e é tão lindo o mar quando desce do tecto, quando juntamente com a candeia zarolha me vêm visitar, dou-lhes um simplificado beijo cambaleado em palavras de merda, hoje não me apetece ver-te, hoje não me apetece falar-te, e no entanto, e no entanto gosto muito de ti,

e claro nada bem, não estava e nunca esteve bem, via-se quando se pegava na fotografia tirada momentos antes de começar a envelhecer, o cabelo fervilhava no cacimbo em camisola de alças e das barbas pergaminhos suores da chuva miudinha quando se ausentavam as gaivotas dos mastros moribundos, aos poucos começou a tropeçar na sombra das mangueiras, raramente sonhava, gritava pelo meu nome sem perceber que eu já não vivia ali, eu uma múmia enrolada nas páginas de uma lista telefónica, aproveitava para telefonar à Arminda, folheava a lista, nada, perdia-me completamente nas sombras das malditas mangueiras, tal como ele, desisti

- tem cuidado com as gajas porque o excesso de açúcar provoca a diabetes,

desisti de deambular pela cidade embrulhado em paginas de uma lista telefónica, folheava, folheava, e quando chegava ao ARM saltava para o BR, faltavam-me páginas, sempre, nunca percebi a ausências de algumas páginas que durante a minha vida desapareceram, umas em Angola, outras, outras em Lisboa, e outras..., entre parêntesis do vento loiro que às vezes beijava loucamente a candeia zarolha,

- nascidas em Janeiro, os destroços do mármores que alguns constroem sobre a sepultura da alegria, cuidado com elas, as gajas nascidas em Janeiro e com flores esdrúxulas na lapela, cuidado com as gajas com o coração de xisto e pedaços de socalco nos seios, Está bem pai?, e não estava, e nunca esteve desde que ouvia-o murmurar no quarto agarrado à porta do guarda-fato, olhava-se no espelho e do outro lado um palhaço com uma cabeça de xisto, e cuidado com as gajas, com elas, e pedaços de socalco nos seios, amanhece, é dia, a candeia transparente habita sobriamente no soalho da casa louca habitada por loucos, e por Decreto-Lei acabe-se com a loucura e com a pobreza, e serei livre como os pássaros que brincam nos plátanos das traseiras, as janelas sem grades, o almoço despido de drágeas, menino Francisco a mãozinha, coitado de mim, ausente, perdido entre páginas de uma lista telefónica, abro a mãozinha e o velho com a barba mergulhada no suor do capim grita-me FRANCISCO POR DESCRETO-LEI FOI BANIDA A LOUCURA E A PROBREZA, não acredito, é impossível, é verdade rapaz, e claro que não era verdade porque à minha volta existiam grades de finíssimos fios de luz, cambaleados os medos desenhados pela tua mão enquanto beijavas a candeia zarolha,

tão longe a tua mão de velho marinheiro sentado no cais imaginário dos barcos de esferovite, éramos novos, crianças, e era a primeira vez que víamos um barco com motor, e às voltas no tanque onde as mulheres passavam as tardes a pentear a roupa suja da semana, metias a mão na algibeira, tiravas duas pilhas, colocavas-as na parte traseira e ele desaparecia na neblina do sabão esbranquiçado que a pobreza construía nas tardes de Inverno, e ele

- tem cuidado que as gajas,

em círculos de revolta em revolta até pegares nele, retirares-lhe as duas pilhas e ele adormecia enquanto tu ias docemente encontrares-te com a candeia zarolha com os bracinhos engessados, nos lábios o bâton silábico das manhãs de ausência, cambaleados todos os desejos da infância, ao teu lado, o meu pai

- tem cuidado com as gajas nascidas em Janeiro,

porquê pai pergaminho rasurado embebido em fotografias completamente abandonadas no alpendre de madeira mutilada pelas balas transparentes da húmida vila transmontana, e sabia que a minha mãe

- a brincar às escondidas com uma criança que eu nunca conheci,

endoideceram as acácias e as amoreiras e todas as mangueiras que os meus olhos viram durante as tardes, porquê pai?

- FRANCISCO POR DESCRETO-LEI FOI BANIDA A LOUCURA E A PROBREZA,

e nunca mais voltamos a brincar com os barcos de esferovite.

(texto de ficção não revisto)

Livremente eu em voos telegráficos aos teus braços


Verdes olhos que o espelho da noite constrói
os meus
nas cinzentas fitas de mel
sobre as árvores cansadas e teus
braços o fogo destrói
as finíssimas estrelas de papel

malvadas distâncias entre as duas margens encalhadas no vento
não pontes nem barcos nem as palavras badaladas
debaixo do céu
não me oiças quando descem as madrugadas
e as janelas mergulham no salgado sofrimento
da leitura Cartas Ao Léu (Luiz Pacheco)

verdes olhos que o espelho da noite constrói
no momento vácuo dos versos a dois
em teu corpo desenho a manhã penhorada
pois
que nas pedras a dor se mói
e o mar se esconde na tua boca doirada...

(poema não revisto)

8 milímetros de tédio entre quatro paredes de vidro


A cena passa-se dentro de um carro
uma avenida despida
duas miúdas giras
e um charro
o charro come o carro
e sem roupa
a avenida
finge orgasmos no rosto das miúdas giras
eu estou sentado
na pastelaria
à janela
à deriva
espero espero e espero
e ela não vem
e ela sentada invisível na minha mesa
choram choram choram as luzes cansadas do silêncio meu destino
as duas miúdas giras
e um charro
dentro de um carro
à deriva na avenida
sem roupa
despida
que puta a minha vida
sem carro
sem miúdas giras
que fingem orgasmos no rosto do charro
que puta
a minha
que puta de vida esta de estar sentado na pastelaria
abandonado
nos cornos da avenida...
nua
tua
perdidamente despida
a avenida Sá Carneiro.

(poema não revisto)

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Longínquas sombras amnésias que constroem a cidade


Gostavas de regressar das longínquas sombras
amnésias que constroem a cidade
dentro da cidade invisível do sono
e chegavas tardíssimo às pálpebras húmidas do sorriso de uma rosa
e chegavas
aos meus braços eternos do amanhecer doirado tua língua de silêncios,

acendias timidamente o candeeiro das palavras de ontem
como se eu fosse um dos teus livros parvos
insignificantes
abandonados
sobre uma mesa de cartão deixada nas traseiras da casa sem janelas
e nunca te ouvi um gemido,

e nunca prenunciaste um lamento
nas ardósias da insónia
gostavas de regressar das longínquas sombras
amnésias que constroem a cidade
e a cidade meu amor é toda nossa
e vive dentro da algibeira dos sonhos,

e chegavas e dentro de mim poisavas os medos
e os abismos de luz que carregavas nos ombros da vida
vivias numa rua destruída hoje pelo amanhecer que as gaivotas de aço
deixam ficar no térreo pavimento da solidão
e vive dentro da algibeira dos sonhos,

e vive
gostavas de mim
insignificantes
abandonados
os olhos da claridade clandestina que a morte
tua mão em mim semeava.

(poema não revisto)

terça-feira, 27 de novembro de 2012

noite melancólica

bem-vinda saborosa noite melancólica do infinito inferno silêncio da luz construída entre dois orifícios, que a fechadura nocturna da mini-saia depravada voz inventa nas flores e limita limitadamente as palavras murmuradas, os cereais e o leite com chocolate, bem-vinda saborosa noite, internada num livro apavorado no medo clandestino das janelas suspensas no lençol equilátero semeado na ardósia de papel às árvores aventuras de uma esplanada em ruínas, procuras

- os fósforos, filtros, mortalhas, coisas poucas e comuns que procuro na algibeira e dou voltas circulares dentro da cidade, tenho vómitos, talvez excesso de palavras, talvez excesso de cachimbos vazios, sozinhos, cansados de mim para mim, ao cair a noite nas traseiras da semana tristemente cansada dos suspiros madrugadores que o palhaço e a trapezista desenham debaixo da tenda do circo invisível, os holofotes de tinta nos pedaços de aço que sobejam na calçada das abelhas singelas migalhas de desejo, ouvem-se triângulos de sombras nas paredes das patogénicos meninos de porcelana, bem-vinda, madrugada sem destino, descuradamente feliz nas mãos do Outono, ela dizia-se senhora dona da rua das flores e largo das eiras campestres dos dias passados à lareira, dizias-me, dizias-me, sussurravas-me

não venhas tarde, e

- e eu, perdia-me semanas a fio até desaguar no cais das âncora de papel e chocolates em amêndoa que a pastelaria azul servia nos intervalos da poesia nojenta que eu, e eu, eu escrevia amedrontado que as minhas palavras mergulhassem na ferrugem dos barcos apaixonados, e eu, eu ficaria também apaixonado loucamente perdido em ti, em ti às vezes eu sobejo os fios de sémen estupidecidos num qualquer banco do jardim, não me sento em ti, não me abraço a ti

porquê eu?

- abraçado a ti, e dentro de ti vive um poço infindável de luz com cerejas e mel, porquê eu, não me abraço a ti acreditando que na ardósia de papel existem números complexos, matrizes, equações diferenciais, porquê eu vestido com cetim e fitas encarnadas no cabelo loiro indesejado pelos homens dos desertos bares da escuridão,

de que tens medo Perguntas-me todas as alvoradas quando regressas com os cereais e o leite com chocolate, olho pela janela a verdadeira vida vivida vivendo eu nas tuas mãos de manhã ensonada, os sexos orgulhosamente felizes, também eles, nós, os sonhos

- porquê os sonhos?

se amanhã é sábado, e os rios estão encerrados para descanso do pessoal.

(texto de ficção não revisto)

As mortas mãos da paixão


As mortas mãos da insónia
prisioneiras do meu silenciado peito
da dor
o odor suspeito
de uma flor em decomposição,

As mortas mãos
coitadas em esqueletos coração
da flor
o amor
que o desejo tece no tecto da paixão.

(poema não revisto)

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Só cinco minutos

Tínhamos acabado de perder todas as janelas da nossa misera casa e o meu pai cambaleando dentro dos suspensórios da tempestade murmurava

- paciência é da maneira que não vai faltar-nos o ar, e a ventilação funcionará perfeitamente sem o constante medo da lareira acesa, da porcaria da braseira, assim, assim não nos faltará o ar,

murmuradas as listras do avental, a pobre mulher estritamente ausente na minha presença a quem eu chamava de mãe, chegava-se a mim, colocava um dos braços na minha cintura e perguntava-me Então filho como vão as coisas? Quais coisas nunca eu percebi a que se referia ela, mas respondia-lhe que mal, as coisas, as suas coisas, as coisas vão muito mal, E como mal?, Mal, Mal, Tudo vai mal, até as janelas acabamos de perder com o maldito vento, e às vezes, e às vezes ainda tenho coragem de fazer poemas ao vento,

- puta que o pariu

cambaleando nos alforges malignos do intestino grosso, a cidade corria dentro da algibeira e quando chovia, uma fina película de incenso aparecia junto ao soalho, ajoelhava-se e eu pacientemente esperava que ela terminasse de rezar o terço, Questionar-me porquê? Nunca tive coragem de lhe dizer o que pensava sobre isso, Isso o quê? Nada meu filho, coisas, coisas minhas, Amo-te sabias, Sim mãe, sei sempre soube, cambaleando dentro dos suspensórios da tempestade murmuradas as páginas perdidas que fui escrevendo quando dentro de minha casa era noite, porque nem todos os dias era noite dentro de casa, umas vezes

- paciência é da maneira que não vai faltar-nos o ar, e a ventilação funcionará perfeitamente sem o constante medo da lareira acesa, da porcaria da braseira, assim, assim não nos faltará o ar, puta que o pariu,

umas vezes era noite dentro de casa e lá fora estava sol, lembrava-me de Carvalhais quando me deitava sobre as lajes maciças da preguiça e olhava o sol radiante, outras vezes, dentro de casa brincava o mar e a maré de Março, cresciam as flores, sorriam os pássaros acabados de acordar, e chovia torrencialmente e na rua, chovia torrencialmente na rua, e os candeeiros de néon aprisionados ao cais de engate, ficava confuso, muitas vezes, era noite dentro de casa, e ou devia estar com atenção ao jorro urinário no mictório ou a guardar os olhos do vizinho do lado, Belém era assim, estranha, bela, com um rio deslumbrante que só voltei a encontrar dentro de casa quando comecei a folhear as fotografias da infância, havia barcos com pernas de marfim e olhos de diamante, e eu pensava ser a criança mais rica do universo, afinal sem janelas a misera casa, docemente me abraçava e ao ouvido sussurrava-me Amo-te meu filho, e eu, e eu sei que sim,

que as coisas iam de mal a pior, o vento não cessava, as árvores todos os dias tombavam sobre nós, nós refiro-me a mim e aos meus três irmãos, dois rapazes e uma rapariga e um que era rapaz e rapariga ao mesmo tempo, começou a chamar-me de mestre e quando lhe ensinei as primeiras letras escrevia nas paredes do quarto, desenhava, desenhava muito, e eu sentia-me triste porque não percebia as suas palavras nem os seus desenhos, olhava-o, e ele era tão frágil, débil, tão..., tão lindo queixava-se a minha mãe a chorar quando adormeceu em pé com ele ao colo e só acordou quando o miúdo/miúda devido às leis da gravidade... pum, pavimento, tão duro o gajo, paciência é da maneira que não vai faltar-nos o ar,

- assim, assim não nos faltará o ar, puta que o pariu

eras loiro,

- os gajos e as gajas com alicerces de silêncio nos lábios,

eras loiro das minhas mãos verdejantes quando lacrimejava o teu rosto de papel vegetal, a chuva espessamente dentro de um cubo de vidro, tu ausente de mim, dentro de mim, aos poemas imaginados pelos penhascos vadios da dor, amava-te e aprendi que os poemas são rosas com muitas cores, amava-te e aprendi que os poemas são rosas vestidas de noite, quando dentro de casa, sem janelas, as lâminas das estrelas caiem sobre os timbres morfológicos do medo, o medo eterno de perder-te e de nunca mais encontrar a tua cidade dos sonhos, a cidade onde passeávamos antes de se despir a madrugada

- os gajos e as gajas com alicerces de silêncio nos lábios, havia uivos, havia literatura em todas as paragens do autocarro, lambia-te docemente as mãos de seda com que me tocavas quando líamos qualquer coisa de AL Berto, e no entanto, e outras vezes apenas ficávamos a contemplar a noite que só existia dentro de casa, a noite da casa que vivia na cidade dos sonhos,

acordava tarde, só cinco minutos, e os amantes nocturnos viajavam rio adentro até desaparecerem na neblina, a cidade onde passeávamos antes de se despir a madrugada, cerrava os olhos e tínhamos acabado de perder todas as janelas da nossa misera casa.

(texto de ficção não revisto)

Juro, Juro que eu trocava.


Trocava as minhas asas
pelos teus lábios
doce madrugada
trocava o silêncio do mar
quando a chuva em gotinhas de amanhecer
poisa nos jardins do prazer,

juro,
juro que eu tocava,

trocava a doce madrugada
às minhas asas
proibia-me de voar
proibia-me de sonhar
só para te ver sorrir
sem sofrer,

juro,
juro que eu tocava,

a doce madrugada
trocava as minhas asas
com o vento que acorda na janela do teu amor
a doce maré em sílabas de amar
eu trocava
as minhas asas com o mar,

juro,
juro que eu tocava...

(poema não revisto)

Blogue Cachimbo de Água em destaque – Sapo Angola


domingo, 25 de novembro de 2012

O bisturi entre os gemidos da alvorada

Parecias-me cansado e raramente entraste no quarto escuro, não chovia, dormitava às vezes, e ouvia através das fendas das paredes caquécticas os uivos do mar, raramente entraste no quarto escuro e encostavas a cabecinha loira no ouvido de gesso e ao longe ouvia-se o mar a descer as escadas da noite, pensava em ri, raramente me vinhas visitar, frágil o meu corpo retalhado e ausentado das manhãs chuvosas de Outubro, raramente, oiço-te em sombras tracejadas e caminhavas no passeio junto à paragem do autocarro, queria tocar-te e tu escondias-te dentro de um silêncio de luz, não, juro que não me importo, nunca, me importei ou importarei com o teu corpo retalhado pelo bisturi entre os gemidos da alvorada,

- o teu corpo meus deus, o que fizeram ao meu corpo flor dissimilada que o rio transporta para longe, para longe onde fica o cais de desembarque, e todos os destinos regressam da viagem, é terça-feira e reconheço que hoje, hoje esperava um abraço teu, hoje apetece-me mostraste as costuras do bisturi entre os gemidos da alvorada, e hoje, hoje percebi que perdi o medo do meu corpo, que é teu, nosso, como se um poema esteja a crescer nas minhas coxas húmidas que os sons nocturnos desenham nos candeeiros semeados na seara do medo, perdi o medo, e hoje, hoje tua, eternamente tua

parecias-me cansado

- posso tocar-te?

a cabecinha loira no ouvido de gesso e ao longe ouvia-se o mar a descer as escadas da noite, pensava em ri, com a tesoura da costura recortava as estrelas de papel e colava-as no tecto da saudade, olhava incessantemente a janela, desenhava-te nos vidros opacos e sujos do hospital, inventava beijos e carícias, e tu não deixavas que me aproximasse dos loiros ouvidos de gesso onde se percebia os gemidos do mar, ao longe, inquietantemente do outro lado do túnel de luz, os barcos em pequenos orvalhos transportavam as dores que entravam no meu corpo e raramente, raramente entraste no quarto escuro, não chovia, dormitava às vezes, e ouvia através das fendas das paredes caquécticas os uivos do mar,parecias-me cansado,

- posso tocar-te? E nunca percebi o teu mau humor, e eu, eu não percebia que cada pedacinho do corpo de uma mulher tem significado, existe, e não percebia o teu medo, repulsa, ausência, o medo que nunca existiu em mim, posso tocar-te? Não, e escondias-te dentro do guarda-fato e eu ficava a imaginar os teus lábios no sofrimento das madrugadas sem dormir, trocava o sono pela insónia, revolta-me comigo, contigo, com deus, com o caralho que me foda..., porquê tu? E não percebia, não percebo, olho-te e oiço-te, e nunca percebi o bisturi entre os gemidos da alvorada,

frágil, cuidado, não inverter, os lençóis enganchavam-se nos orgasmos das avenidas que terminavam no rio, fumava, adormecia sonhando sentir-te sentada sobre os meus joelhos de vidro, pensava para que me serve um cachimbo de água se eu deixei de fumar, Posso tocar-te?

- às vezes,

e tinhas medo das minhas mãos, o teu corpo meus deus, o que fizeram ao meu corpo flor dissimilada que o rio transporta para longe, para longe onde fica o cais de desembarque, e todos os destinos regressam da viagem, é terça-feira e reconheço que hoje

- às vezes,

que hoje percebo os teus medos, e que hoje, às vezes, os barcos sentados no estuário das garrafas de vodka mergulhadas em qualquer rua em Cais do Sodré, o teu silêncio, desaparecias e via-te nas paredes invisíveis do meu medo, perder-te, não tocar-te sabendo eu que não era importante tocar-te, para mim não, talvez o fosse para ti, e sabes, sou simples, humilde, também frágil, e às vezes, preciso de ver os barcos a regressarem do longínquo que só tu percebes, parecias-me tão cansada, moribunda, e construías sorrisos nas lágrimas doces das abelhas em flor,

- e às vezes, às vezes acreditei que nunca me ias tocar, perdi o medo, tocaste-me, e como é bom ser tocada pela tua finíssima pele de Outono, hoje, ontem, não chove, talvez amanhã, mas hoje sei que nunca tiveste medo do meu corpo...

Sei que sim.

(texto não revisto)

sábado, 24 de novembro de 2012

Os gemidos cansados da geada quando ligava a torradeira


Tinham-nas coberto com uma fina película de prata, as casas e as ruas e as poucas árvores livres da cidade, os relógios cessaram os movimentos pendulares após o sorriso tracejante das balas invisíveis que caminhavam na esplanada da noite, eu acendia os cigarros com um pedacinho de silêncio, quando existia, e sonhava transformar-me em sombra e acordar um dia distante nas profundezas do oceano, tinham-nas coberto, as casas e as ruas e as poucas árvores amigas que me restavam naquela noite invernal esquecida nos penhascos moliceiros mendigos de Janeiro, e eu recordo-me do primeiro berro que escrevi numa parede de Luanda, e eu, nos penhascos e as poucas árvores amigas que me restavam, talvez um dia tu percebas o que é a pobreza e a miséria,

- talvez um dia eu compreenda os gemidos cansados da geada quando ligava a torradeira para aquecer as mãos, finas e compridas, dizias-me que lá foram os jardins eram de areia, e eu não, nunca mais toquei nas lágrimas da areia, apenas uma fina película de prata, as casas e as ruas e as poucas árvores livres da cidade tilintavam os parafusos metálicos quando o comboio em direcção a Cais do Sodré atravessava a cidade acabada de ser engolida pela solidão, tu dizias-me que um dia ia perceber o que era a pobreza e ser miserável, e um dia as poucas árvores amigas livres da cidade, tinham-nas, tinham-nas coberto com uma fina película de fome, e tu dizias-me que um dia eu ia perceber, e percebi, hoje, ontem percebi que me fazes falta quando cai sobre mim a fina película de prata,

as balas invisíveis tracejantes em círculos nos cigarros, escrevi numa parede de Luanda, e eu, nos penhascos e as poucas árvores amigas que me restavam, talvez um dia tu percebas o que é a pobreza e a miséria, e estupidamente ligava a torradeira para aquecer as mãos de mármore, e ouvia-te dizeres-me, tão grandes e finas, as árvores amigas que vivem na cidade dos sonhos, ouvia-te

- não temos nada para comer,

ouvia-te chorar dentro do silêncio da chita imitando os cortinados com flores das ruas de Luanda, e a primeira palavra que gritei numa parede de vidro Tenho fome, e nunca terás fome, prometo, e escrevi nas paredes livres da cidade, antes das balas tracejantes desenharem árvores com fome e as casas e as ruas finas com uma película de prata, Leva-me ao jardim

- não temos nada para comer, e levava-te a passear até ao mar e ficavas-te a dormir juntamente com a cidade, juntamente com os barcos, e juntamente com os movimentos pendulares das semanas, desapareceste entre as minhas mãos, perdi-te na torradeira enquanto aquecias, tão grandes e finas, as árvores, e as ruas,

antes das balas tracejantes desenharem árvores com fome e as casas e as ruas finas, eu não percebia que um dia vinhas ao meu encontro, te sentavas nas minhas pernas e inventavas o apito dos cacilheiros antes de eu perceber que o Tejo engole os meninos regressados de Luanda, e que eles tinham-nas coberto com uma fina película de prata, as casas e as ruas e as poucas árvores livres da cidade, os relógios cessaram os movimentos pendulares após o sorriso tracejante das balas invisíveis que caminhavam na esplanada da noite, eu acendia os cigarros com um pedacinho de silêncio, quando existia, e sonhava beijar-te de costas para o rio, e escondia-me depois dentro do teu corpo pintado nos carris paralelos abraçados no infinito, perguntavas-me

- falta muito,

respondia-te que não, mentia-te, inventava sombras e homens que te diziam andar eu a passear junto ao rio, e não sabias, não percebias, que a fome quando se alicerça em nós é como as algas, dificilmente nos deixam caminhar livremente, nos penhascos moliceiros mendigos de Janeiro, e eu recordo-me do primeiro berro que escrevi numa parede de Luanda, e eu, nos penhascos e as poucas árvores amigas que me restavam, talvez um dia tu percebas o que é a pobreza e a miséria, mentia-te, e tu acreditavas nas nuvens que regressavam do outro lado do rio, a ponte dormia, tu dançavas sobre a mesa espessa com garrafas de vodka e pequeníssimos papeis escritos com as memórias mentiras de ontem, falta muito?

- Quase lá, o cabelo descia a Almirante Reis e numa transversal perdia-se numa noite de sexo, compreenda-se, compreenda-me, dizias-me tu antes de chegares aos lençóis mergulhados na infância com as paredes de vidro recheadas com os gritos de um miserável doentio navio desgovernado,

espessas com as garrafas de vodka pintadas nos lábios encarnados da cave nua, triste, e as balas invisíveis tracejantes em círculos nos cigarros, escrevi numa parede de Luanda, e eu, nos penhascos e as poucas árvores amigas que me restavam, talvez um dia tu percebas o que é a pobreza e a miséria, e estupidamente ligava a torradeira para aquecer as mãos de mármore, e ouvia-te dizeres-me, tão grandes e finas, as árvores amigas que vivem na cidade dos sonhos, ouvia-te, dizias-me que as mentiras são eternas, como as palavras, e as tuas mãos desapareceram na torradeira numa qualquer noite de Janeiro,

- falta muito Perguntavas-me de segundo em segundo, tanta curva meus grande deus, e nunca mais terminava a montanha, crescia e descia a Almirante Reis para estacionar-me nas tuas mamas de socalco frente ao douro

hoje não me apetece,

- socalco frente ao douro, dizias-me baixinho a virar para a transversal dos prazeres e dos gemidos, é hoje, e não foi hoje que as lágrimas de seda mergulharam nas tuas coxas de marfim, ao longe, infinitamente abraçados ouvia os carris da infância à procura do rio, a ponte,

hoje não me apetece Dizias-me quando te perguntava o que tinha acontecido às árvores amigas que durante a noite deambulavam pela cidade, vestidas de mendigo, hoje não, ouvia-te lá fora, hoje não me apetece ouvir o rio no púbis dos socalcos,
oiço-te, ouvia-te os gemidos do infernal inverno quando abria a torradeira e aquecia as minhas mãos gélidas pergaminho em palavras miseras, hoje vi-te, oiço-te nos gemidos gritos das paredes de vidro,

- não me apetece,

e no entanto o rio está lá, e no entanto os socalcos estão lá, findos, húmidos desejos das montanhas em corridas loucas avenidas, saboreio o café e delicio-me com o novo livro de A. Lobo Antunes “Não É Meia Noite Quem Quer” e não me apetece, e o empregado do Jeronymo sorri-nos enquanto tu

- hoje não me apetece Dizias-me quando te perguntava o que tinha acontecido às árvores amigas que durante a noite deambulavam pela cidade, vestidas de mendigo, hoje não, ouvia-te lá fora, hoje não me apetece ouvir o rio no púbis dos socalcos, oiço-te, ouvia-te, sussurrar ao meu ouvido

enquanto tu pegavas na minha mão suspensa na torradeira da infância...

(texto de ficção não revisto)

E se suicidam nas janelas da saudade os barcos invisíveis


Há-de crescer um narciso
nas lágrimas de xisto
suspensas no silêncio teu rosto mergulhado em ti
vulcão apaixonado
que da ilha supérflua em círculos de luz
vivem nas ardósias tuas bocas deliberadamente loucas
dos cortinados da melancolia
e eu eu sentia,

as palavras tontas
dos oceanos regressos em pedacinhos de nada
amanhece em mim
as ervas daninhas do sofrimento
em dor
ou não
o teu corpo dilacerado entre as mandíbulas assassinas
que a madrugada desenha na areia fina,

há-de crescer um narciso
nas lágrimas de xisto
há-de crescer um rio que dentro de ti infinitamente ausente
nas palavras suspensas no silêncio teu rosto mergulhado em ti
e eu eu sentado nas escadas da cidade
contando os barcos invisíveis
que descem a calçada
e se suicidam nas janelas da saudade.

(poema não revisto)

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Aços abraços em paixões de aço

Quando me tocas sinto-o como se acordasse no meu interior uma mão cheia de plumas com gotinhas rosas de pequeníssimos silêncios, me tocas, quando oiço o desenfreado uivo da maçã juntamente com duas ou três laranjas e algumas nozes, quando oiço a locomotiva da tarde a despenhar-se contra os rochedos da noite, choras, metes-te na cama e colocas sobre ti uma laje maciça de aço inoxidável com parafusos de solidão e dizes baixinho, oiço-o, e dizes baixinho

- Amo-te

E dizes baixinho dentro das profundezas terrestres do centro da cidade que ontem choveram lágrimas de luz sobre as árvores infelizes do Outono, oiço-o, Amo-te prenuncias entre plumas e pedacinhos de papel encarnado com bolinhas cinza, e hoje não tenho cigarros, digo-o, oiço-te com o medo da morte desejada pelas janelas do sótão virado a sul, o telhado amuado como duas crianças antes do lanche, servem-se na esplanada de Belém torradas e café com leite e sinto-o, sinto-o sentado nos meus joelhos de vidro,

- E digo baixinho que ontem, uma semana qualquer do passado longínquo ouvi pela primeira vez a palavra amor prenunciada pela gaivota de quatro ventos e três sandálias de couro, o papagaio de papel alimenta-se da tua misera mão de criança recheada de sonhos e sílabas de capim, o doirado sôfrego dos sargaços abraços nas trapalhices escuras que o metropolitano inventa quando caminhas nos meus olhos de pássaro sem destino, Amo-te Ouvi-o e deixei de ver as marés quando me sentava nos finais de Janeiro e ao fundo da Calçada aparecias vestido de palhaço e trazias um chapéu de xisto, e eu, sozinha sentada nas ardósias das palavras inventadas por ti, e eu dizia-te baixinho, e eu acreditava que as tuas mãos eram de oiro maciço e que o mar às vezes entrava pela janela,

O desenfreado uivo da maçã juntamente com duas ou três laranjas e algumas nozes, os pássaros nas oliveiras infelizes com a chuva que prometeu cair no algodão dos barcos regressados dos poemas reescritos pela mão do palhaço

- Amo-te dentro das amoreiras das telas enfeitadas com lacinhos de hortelã e os uivos dos teus braços abraços pela mão do palhaço, o Mussulo desenfreado

O palhaço do homem de vidro nos lençóis de iodo à espera dos uivos apitos emagrecidos dos esqueletos com duzentos e seis ossos, na areia finíssima que o Mussulo deixou abandonado no rio e eu, eu via-te sentada na esplanada de Belém com o chá e as torradas disfarçadas de mendigos africanos descendo a avenida Almirante Reis, pensão Dona Xica às putas recheadas com pigmeus clandestinos, o palhaço está doente, feio, o palhaço procura incessantemente a amargura fictícia dos pequeníssimos cigarros, o Mussulo desenfreado na secretária sem alicerces, amo-te dentro das amoreiras das telas enfeitadas com lacinhos de hortelã e os uivos dos teus braços abraços pela mão do palhaço, o Mussulo desenfreado nas tuas mãos, e eu, e eu entrava dentro do mar com pintinhas encarnadas, e no entanto sentavas-te nos meus joelhos de vidro, as janelas da paixão, e o cata-vento adormecia dentro de casa

- E digo baixinho que ontem, uma semana qualquer do passado longínquo ouvi pela primeira vez a palavra amor prenunciada pela gaivota de quatro ventos e três sandálias de couro, o papagaio de papel alimenta-se da tua misera, duas horas de cansaço mútuo aos teus abraços de aço que o lume à lareira do ciúme desenhava as insignificantes estrelas amarelas,

O palhaço está doente, e do chapéu de xisto nasce a canção de amar, o palhaço inventa e desenha nas areias do Mussulo carícias com sombras de mangueiras, o triciclo está doente, o menino chora a partida do palhaço, o palhaço está doente quando às tuas mãos chegam as palavras escritas em papel de fim de tarde, o menino chora, doente, emagrece as arcadas circunflexas da paixão perdida no oceano deserto de areia, morreste, dormes incessantemente a morte que a noite semeia na seara do vento,

- Amo-te pela primeira vez quando abro a janela e tu sentado nas rochas que o silêncio construía com os meus sonhos, e eu, ouvia-o, ouvia-te, e eu escrevia nos vidros dos sonhos Amo-te tanto, tanto, noite clara de Outono,

A morte que a noite semeia na seara do vento, o menino chora, o menino doente, o palhaço está doente, que o a mar levou para longe de ti, servem-se na esplanada de Belém torradas e café com leite e sinto-o, sinto-o sentado nos meus joelhos de vidro.

(texto de ficção não revisto)

Palavras de dor


Há coisas dentro de mim estranhas
assim
estradas pontes tectos sem madrugada
há coisas assim em mim dentro estranhas
entranhas palavras de dor
sofrer sofrendo o amor de amar uma flor
assim
coitado de mim
sofrendo sofrer amar
amando
as raízes do teu jardim
pontes estradas nas entranhas vidas sofridas,

amadas
palavras malvadas dentro de mim
há coisas dentro de mim estranhas
como as luzes que a noite desenha
no térreo pavimento da paixão
a dor
amar amadas as palavras sofridas
as vidas
as horas
todas
as janelas em gemidos sibilados os sofridos jardins entre os parêntesis
entranhas elas todas quando crescem em ti as flores sem destino...

timidamente
belas.

(poema não revisto)

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Tortura nocturna entre xistos magoados


Deixas-me adormecer
no berço da lua
dor minha canção tua
do silêncio de viver,

Às palavras perdidas
dentro do feitiço amanhecer
soltam-se os ventos e as marés de morrer
em madrugadas na tua boca esquecidas,

Polícias da morte disfarçados de palavras estonteantes
as montanhas entre xistos desgovernados
coitados dos cadáveres saltitando nas janelas em sustos rasantes,

Coitados
dos cadáveres entre xistos magoados
que a noite tortura e come com os dentes cansados.

(poema não revisto)

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Pastelaria azul


A pastelaria azul com pergaminhos de açúcar
abandonada no centro da avenida
uma cadeira vazia
apaixonada pelas palavras de mel
que poisam sobre as mesas de amêndoa,

Felizmente faço parte deste mobiliário literário
onde te sentas
e pensas nos sonhos desenhados sobre a areia da infância
oiço-te
e oiço-te murmurar nas longínquas rochas que me amas,

E adoras
e entrei nos teus sonhos como os pergaminhos de açúcar
e a avenida se veste de loiro poema em delírio
à tua mão de silêncio as gaivotas entre os sorrisos da noite
há uma janela para te vestires com os gemidos dos cacilheiros,

E adoras
as flores de abelha em papel com migalhas de vidro
das caricias muitas que a luz constrói no teu corpo
e felizmente faço parte deste mobiliário literário
que é o teu corpo de açúcar deambulando no centro da avenida...

(poema não revisto)

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Como se fosse um pedaço de aço ou um vulcão em desejo


Perdi as minhas mãos
na seara do medo
e proibiram-me de acariciar os teus lábios de centeio
quando o teu corpo se veste de bola de luz
e perde-se na infinita noite,

Ouvi dizer que apareces dentro de um cubo de vidro
à janela da lua
e o teu corpo mergulhado nas palavras
anoitece no meu peito como se fosse um pedaço de aço
ou um vulcão em desejo,

Sinto-o dentro da porta da escuridão
os seios metamorfoseados nas esquinas tristes da cidade
há árvores nos teus olhos cansadas de viajar
e procuram incessantemente as nuvens de mar
que deus constrói nos alicerces das tuas coxas em delírio,

Perdi as minhas mãos
e deixei de sonhar depois de partires para a infinita madrugada
onde te escondes distraidamente no espelho das lágrimas voláteis
da mesa onde poisam os livros embrulhados em poeira
mesuradamente do pavimento da insónia,

Ouvi dizer
que as minhas mãos
(perdi as minhas mãos)
voam sobre a cidade cinzenta na ceara do medo
nos lábios mordidos pelas sílabas do poema em dentes de fúria adormecida,

Sinto-os dentro da minha boca
os teus lábios sibilados
em voos nocturnos dentro dos lençóis do medo
a voz cansada do sexo entra nas fendas do gesso embainhado pela solidão das horas
e lá fora chovem círculos de luz com finíssimos sons em gemidos deslocados no tempo,

Perdi as minhas mãos
(e sou tão feliz por te amar das palavras)
à janela da lua
a viagem sem destino
que um homem sem mãos escreve nos socalcos de xisto...

(poema não revisto)

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Os gemidos do poema em crucifixos mortos


Os algerozes da paixão submersos nas lágrimas do desejo
quando o falso beijo
desce da árvore vestida de negro
com fios de sémen na algibeira do sono,

uma janela
com cigarros em cadáveres adormecidos pelas mãos
dos olhos embainhados das rosas
sem perfume,

o lume à janela
em pálpebras coloridas pelo silêncio da lua
o céu invisivelmente sobe as escadas sofridas que a noite constrói
nas costas de um crucifixo encalhado nas frestas do barro cansado,

desenho eu a madrugada
murmuradas todas as palavras
na ardósia de dor
que iluminam as cinzas ardores dos homens tristes e sós,

morro nos teus braços
e sinto o peso da saudade
os algerozes da paixão submersos nas lágrimas do desejo
quando o falso beijo,

(toma conta da cidade)

nos teus braços de saliva pergaminho
luz à janela dos cigarros sem perfume
com rosas cintilantes nos lábios da aurora boreal
que dos teus cabelos crescem em direcção ao mar...

(poema não revisto)

domingo, 18 de novembro de 2012

As metades sobejadas em metades amadas


Metade de mim quer-te
metade de ti sobeja e deseja-me
há uma outra metade em mim
desejando a metade desejada em ti

na minha mão olho as metades
as nossas finíssimas metades de luz
que do céu transpiram
em gemidos lácteos lacrimosos da razão

metade de mim quer-te
metade da metade sobejada
quer-te nas entranhas perdidas da madrugada
e resta-me a metade não alimentada

a melhor metade de ti sobejada
a eterna metade amada
e incha o tesão das palavras
na metade de uma qualquer metade desejada...

(poema não revisto)

sábado, 17 de novembro de 2012

Escrevo-te da tua boca nos lábios de deus


Estavas tão cansada que esqueceste a minha mão de madrugada
poisada sobre a fúria noite em construção
desenhei-te na almofada silenciosa de uma cama de hotel
e os telhados de vidro choravam a tua partida
como eu meu amor
no indefinido sofrimento das palavras
escritas no teu corpo resgatado ao guarda-fato da insónia
os teus olhos sibilados pelos rios do prazer,

Estavas tão cansada
a minha mão de madrugada
nos lábios de deus
e no entanto
o teu sofrimento
percebi-o como percebo a tua ausência
cintilante que clareia nos quartos de hotel
das janelas com fotografias para a cidade adormecida,

Escrevo-te sabendo que a noite à lareira descerá dos livros sem palavras
como da tua boca os doces morangos da noite mal dormida
cinco minutos submersos no teu ventre de oiro poema das marés encantadas
escrevo-te
da tua boca
a almofada dos gemidos círios dos versos consumidos pelo fogo da paixão
o arbusto do sonho
nos teus olhos sibilados pelos rios do prazer.

(poema não revisto)

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Os gemidos da paixão


Linda
a paixão de cartão
enrolada no dedo tua mão,

De pétala
há pétala silenciosa sinfonia que o amor constrói
nas nuvens encostadas às árvores de papel,

Aos cansaços
linda
a paixão
tua pele
teus lábios
coração de mel
nos cortinados do amanhecer
enrolada no dedo tua mão,

Perco-me em ti
e dentro de ti
até encontrar o mar
o mar meu amor a paixão de cartão
enrolada no dedo tua mão,

(Linda
a paixão de cartão
enrolada no dedo tua mão)

Lindas
as folhas do teu corpo onde escrevo as palavras de amar
Lindo
meu amor
o desejo infinito que a luz desenha nos teus lábios
e pinta
no púbis tua mão
o dedo da paixão
a feliz paixão de cartão
quando recolhe a noite
aos aposentos da solidão
e ingenuamente geme em ti o coração da paixão...

(poema não revisto)

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Os jardins com flores de mármore


Digo-o porque assisti ao romper desmesurável das mãos entrelaçadas nas lanças de aço que profundamente entram no coração doirado do velho com óculos, oiço-lhe os gemidos cansados dos alforges doces sargaços que o mar desencontra nas tardes de solidão, digo-o e oiço-o, e às vezes apressadamente contra o muro da paixão, nunca soube, ele, que me tinha apaixonado e loucamente caminhava no arame que atravessava a rua deserta de palavras, ficticiamente adornada com oiro e cinza de olhos encarnados que os mendigos construíam com as migalhas de vidro, gostava dele, muito dele, digo-o enquanto lá fora chove, e a luz silenciosa da morte alicerça-se nas palavras escritas na ardósia extinta da infância,

não me ouvirás mais, doce pergaminho dos dias acorrentados aos negros e pasmados buracos que a noite transpira, digo-o, oiço-o, pensando que amanhã me sentarei no teu colo infinitamente débil dos versos traduzidos e semeados nas searas longínquas da saudade, e um dia perceberei que as estrelas são de papel, e as nuvens, no entanto, hoje, são de lágrimas janelas que a maldita cidade esconde nos jardins com flores de mármore, porque assisti ao romper desmesurável das mãos entrelaçadas de aço que profundamente entraram no teu coração de vidro frágil como a água dos rios antes de encontrarem o oceano,

gosto tanto de ti,

digo-o, oiço-te, loucamente percebias as minhas palavras, loucamente davas alegria às minhas loucuras clandestinas nas areias finas do Mussulo, gosto tanto de ti, e os meus machimbombos continuarão a saltitar de paragem em parem, de berma em berma, e de candeeiro em candeeiro, a morte desce do tecto da madrugada, cai sobriamente nas algibeiras das montras doiradas onde um louco vende poemas e sonhos, e inventa a amizade, e inventa a saudade, e as flores e as pedras e os socalcos,

gosto tanto de ti,

e os socalcos desaparecem nas fresta do velho NOGUEIRA, escrevo-te, hoje, como se amanhã todos os rostos de uma cidade perdida na escuridão fossem alegremente as palavras dos teus medos, anseios, e no entanto, no entanto, hoje, são de lágrimas janelas que a maldita cidade esconde nos jardins com flores de mármore,

gosto tanto de ti,

digo-o, oiço-o.

(texto não revisto)

Francisco Luís Fontinha
15-11-2012

A boca em silêncios de pedras loiras


Uma chuva de pedras loiras
sobre as sombras cansadas dos invisíveis olhares da noite
vais partir em direcção ao nada
manhã desgovernada
cansada triste a paixão das palavras tontas
na tua doce mão,

cansada chuva de pedras loiras
em direcção ao nada
madrugada dos pincéis alimentados pelos desenhos dos espelhos coloridos
perdidamente apaixonados
dentro do cubo de vidro
onde adormecem os teus olhos meus,

uma chuva
longa
tonta
deserta
na tua doce mão
a boca em silêncios de pedras loiras.

(poema não revisto)

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A noite de ninguém


À via láctea da saudade
aporta a dor indesejada das veias mergulhadas na insónia
das palavras semeadas nas avenidas
ruas desertas
cansadas
das meninas
sem janelas para as andorinhas do silêncio eterno
quando dorme a cidade na tua mão de marinheiro sem porto nem barco nem destino,

sem dinheiro
à via láctea da saudade
a viagem para a outra distante margem
funda
imunda
nos cigarros inventados pelo louco jardineiro do amanhecer
quando dorme
sem janelas,

e sonha com o mar de pérolas desenhadas na areia
funda
imunda
a saudade
na partida
quando cessa o regresso
e todas as árvores
e todas as árvores tombam sobre a noite de ninguém...

(poema não revisto)

Em destaque - Cachimbo de Água


terça-feira, 13 de novembro de 2012

O muro da paixão


Escrevo-me na parede transparente dos teus lábios
silenciosamente cansados das palavras suspensas na janela da saudade
ouvem-se os murmúrios dos albatrozes
e a saliva do texto nu sobre a cama de cinzento vidro
a cidade fervilha nas distantes árvores de papel invisível
escrevo-me
na parede
dos teus lábios
transparente a noite que absorve os nossos corpos e tortura-os
nos gemidos dos sexos deitados no poema
escrevo-me
escrevo-me sempre que oiço a tua voz,

ao cair a noite sobre nós
descem da cidade
transeuntes apressadamente fingindo a felicidade
nas ardósias da tarde
oiço-me quando o espelho de chocolate
derrete nas tuas mãos incisivas
ao cair a noite dentro do quarto
sexta-feira abro-te e escrevo-me na saliva do texto
palavra por palavra
uivo entre os outros muitos uivos
das perdizes alienadas pelo cansaço da aldeia
escrevo-me nas tuas coxas que o homem da guitarra desenhou no muro da paixão,

escrevo-me
escrevo-me no gelo circunflexo do amor
às janelas de longe terminam o cais das sandálias de couro
ou os barcos no regresso a casa
em abraços
e pouca coisa nas mãos indefesas nefastas oleadas pelas marés dos rochedos
que a tua boca engole quando me aproximo da madrugada
escrevo-me no mar
e nas paredes da solidão
crescem as rosas vermelhas
de olhos verdes com luzinhas cintilantes nas pálpebras de aço
que o homem da guitarra desenhou no muro da paixão...

(poema não revisto)

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Falso amanhecer


O dissilábico falso amanhecer
à mão de papel
que a noite desencanta
uma rua deserta
pura
alimenta as fissuras de um coração
aos parêntesis desenhados nos teus olhos roubados pela noite
longe dos oceanos
barcos engasgados no purpuro cabelo do vento
a alma do falso amanhecer
à mão transversal das paredes do destino
deus na janela do prazer

e alicerça-se em ti a saudade
como as palavras
como os desenhos invisíveis que a noite come no veneno do teu sofrimento
pura
alimenta
as fissuras de um coração com sal e pimenta

coitado de mim tão frágil dentro dos lençóis da insónia
pura
a alicerça-se
como o poema
dentro de um quarto com fotografias de corsários
e piratas
governando
não governar
as vaginais cansadas madrugadas abraçadas ao infinito
desiludidas canções de engate
o Rossio sentado em mim
e sinto-me uma gaivota perdida nas mamas do dissilábico falso amanhecer

hoje não é sábado
e a livraria está encerrada
o bar paralelepípedo do desejo olha o Tejo
saltita entre as aranhas da cidade adentro
um longínquo gemido atravessa a parede da paixão
hoje não é sábado
e a livraria está encerrada
a farmácia dos sonhos
com os livros de sexta-feira na algibeira do domingo saudável
desgraçadamente
não é sábado
e nunca acordarão os extintos medos dos teus braços de mel.

(poema não revisto)

Em destaque - Cachimbo de Água


sem estrelas nem árvores apenas o mar e o rio


uma gaivota de sémen mergulha nos lençóis húmidos da madrugada
quando do clitóris desce o Rossio em direcção ao rio
das palavras
sento-me apaixonadamente no Jeronymo (Chiado)
e enrolo-me no café amargo que da mão da caneta de tinta permanente
escreve “para ti, com amor”...
e um silêncio de noite
entranha-se no novo livro de A. Lobo Antunes (Não É Meia Noite Quem Quer)
e eu quero
preciso urgentemente que seja sempre sábado
noite
sem estrelas
nem árvores
apenas o mar
e o rio
apenas tu
com amor
no poético corpo de gelo que a madrugada me oferece.

(poema não revisto)

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O transeunte apaixonado


O imperfeito incrédulo transeunte emagrecido
nas pálpebras azuis do destino
podia acordar a alvorada
e escrever nas paredes cansadas
que as arcadas cadeiras sem focinho
constroem na insignificante janela do Outono
ai a cidade com um rio travestido de mar
e o mar
e o mar em engates na maré do silêncio
o amor é o amor
das palavras
e no corpo tua boca em soluços madrugadas,

o amor amar os barcos em sucata
pedacinhos de aço
nos lábios desejados das ranhuras frestas do granito jazigo literário
os poemas em festa
orgias
e danças de salão na cave do eléctrico para Belém
deixando a Ajuda nas águas transversais adormecidas das gargantas loucas
e eu procuro-te pensando nas árvores infinitas tuas mãos
abraças-me?
dar-me-ás um beijo invisível com sabor a chocolate?
abraças-me nas finíssimas argolas de papel suspensas no tecto da algibeira?
e as vacas do tio Serafim comeram toda a erva do meu caderno preto,

e dou-me conta que não estou louco
nem doente
estou apaixonado
feliz por ser amado
e é nos momentos que me apetece adormecer eternamente
que quero amar loucamente os cortinados loiros dos teus olhos encarnados
(O imperfeito incrédulo transeunte emagrecido
nas pálpebras azuis do destino
podia acordar a alvorada)
podia adormecer a noite
e todas as lâmpadas se extinguirem nas sombras da calçada
porque eu não me importo que chovam as palavras que a cidade transpira,

não me importo das vacas do tio Serafim
nem dos livros ainda não escritos
e dos poemas que apenas fazem parte do teu ventre lilás de sílaba acácia
que os dias mortos desenham na areia
não me importo da chuva
e do vento sem vento fingindo ser vento
porque a paixão come a erva do meu caderno preto
perco todas as palavras semeadas na Primavera
perco as gaivotas melancólicas do Tejo enjoado
também ele apaixonado
pelas pequenas flores que os barcos transportam
e deixam abandonadas no fundo oceano o desejo construído com os insectos...

(poema não revisto)

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Entre sílabas e palavras e silêncios madrugadas


O doce frio
emagrece o corpo embrulhado em desejo
fingindo-se de morto
e evapora-se nas frestas do olhar esverdeado
que o rio abraçado à janela
pinta nos lábios do poema,

é isto o amor
dois corpos
mergulhados no oceano de livros
é isto amar
caminhar sobre as nuvens
e sonhar,

amar a tua pele de cravo que Abril semeou
nas mãos de uma criança
quando dormia a cidade
amar o amor em doce frio
que o desejo consome dentro das estrelas azuis
e papeis ornamentais nas paredes do sofrimento,

acorda o cansaço
o doce frio
o abraço
que dos lábios crescem as noites infinitamente desencontradas
abraço-te
e desenho no teu doce frio corpo os uivos das madrugadas,

às vezes
as lágrimas de ti desaguam no meu rio inventado
não dou importância aos barcos sem motor
nem às flores sem cor
às vezes
às vezes disfarço-me de esqueleto com duzentos e seis ossos,

e fingindo-me de vivo
beijo-te loucamente sempre que posso
porque poucas vezes
às vezes fingindo-me de poema
deito a minha cabeça nos teus olhos
e adormeço entre sílabas e palavras e silêncios madrugadas...

(poema não revisto)

Francisco Luís Fontinha
Alijó, 07-11-2012
http://cachimbodeagua.blogs.sapo.ao/  


terça-feira, 6 de novembro de 2012

E será que me ouves?


Trazes de ti as chaves complexas da paixão
o vidro da madrugada nas árvores ou o amor
que submerso nas coxas do rio
o púbis equilátero do silêncio
na mão do espinho
à boca confusa da maçã
quando se desembaraça da gravidade
grave gravíssimo o planalto dos sonhos

e trazes de ti as chaves
da paixão e descem as gotinhas de desejo
na pele adensada de moluscos e fios de luz
quando da cidade choram as pontes
e todo o aço saudável
derrete na mão de deus
e dizes de ti em ti
os cansaços fictícios que os teus lábios desenham no leito dos amantes indefinidos

os ausentes
os oprimidos
os desgostosos dias de cimento
entre ventos e velas de mármore
em lápides
sem alimento
trazes de ti as chaves complexas da paixão
o vidro da madrugada nas árvores ou o amor

vem vêm vem ao destino marcado no xisto
vêm as águas preguiçosas do Outono
vêem-se águias e gaivotas e barcos
nas abelhas enferrujadas
vem vêm vem ao meu encontro
a tua língua sílaba doirada
em sol e da lua
à Primavera desejada...

E será que me ouves?

Francisco Luís Fontinha / 06-11-2012

(poema não revisto)