segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Conversas de Enxofre

foto de: A&M ART and Photos

Há uma estrela cansada de viver, há uma estrela apaixonada pela tempestade invisível das cidades com edifícios carnívoros, os homens, como eu, são comidos por poderosas guilhotinas de aço inoxidável, o carbono sabe a poeira de marfim, e ela passeia-se pelos jardins com árvores de papel,
Equações com muitas incógnitas dormem docemente na palma da tua mão, tu tocas os mamilos pelo integrais triplas, e diferenciais equações desenhadas no coração da areia, o mar, o mar regressa a ti e leva-as, como levas os ossos nossos que as guilhotina de aço
Comeram? Comem? Adormecem na tua face as abelhas claridade das manhas de Outono, sinto o frio entranhar-se em mim, serás tu, tu
Disfarçada de cetim?
Tecido barato, chita, ou...
O cigano refila com ela, o cigano tenta embrulhar a menina num cubo de vidro, mas a menina, toda sabida, consegue aldrabar o cigano...
Perguntas-me
Quem, quem consegue enganar um cigano?
Fico sem música, Wordsong silencia-se e oiço o AL Berto sobre a minha secretária a discursar, pergunto,
Quem, quem consegue enganar um cigano?
Outro cigano? Outro homem como eu, comido e bebido pela guilhotina de aço? Não, Não poderá ser... assim choviam navalhas sobre o cansaço das tardes de Carvalhais, e sempre tive uma paixão secreta por ela, por S. Pedro do Sul... pelas Termas de S. Pedro do Sul...
O avô Domingos,
“Olha meu menino... a filha do Zé é única como tu e têm muitos bens...”
É maluca como eu..., segredava-me o meu outro eu,
O avô Domingos,
“Muitas terras, casas...”
E eu e o outro eu... Queremos lá saber disso, nós queremos viver livremente, correr, atravessar o mar em direcção a Sul, depois viramos à direita logo à saída de Castro Daire, e é lá, é lá que está ela à espera de um fedelho em círculos, prisioneiro à mão do avô Domingo, nessa altura
Não “Fingertips”,
O avô Domingos,
Finger quê menino?
Nada, nada avô... estava a falar da Teresa, daquela que você diz ter muitas terras, e casas... e parvoíce a mais dentro do pequeno cérebro misturado em areia e teias de aranha,
Sina de dinheiro,
O quê? Finger quê?
Nada avô... nada... é a janela que está empenada, e quando o tio Serafim liga o desgraçado do moinho eléctrico... a luz murcha
Damos-lhe Viagra, meu menino..., não avô, não podemos...
Porquê, meu menino?
Porque ainda não inventaram o Viagra e ainda não existem os Fingertips...
Finger quê, meu menino, Finger quê?
Nada, nada avô, nada, porque o sol vem sempre acompanhado, nada, nada avô, nada, porque a chuva traz sempre outro amigo, e esse amigos traz um pedaço de vento e o vento
Leva-te os papeis onde escreves, não é meu menino?
(nada avô... nada... é a janela que está empenada, e quando o tio Serafim liga o desgraçado do moinho eléctrico... a luz murcha
Damos-lhe Viagra, meu menino..., não avô, não podemos...
Porquê, meu menino?
Porque ainda não inventaram o Viagra e ainda não existem os Fingertips...
Finger quê, meu menino, Finger quê?)
E sentava-me junto às bananeiras, pertinho dos antigos balneários, e havia um banco só meu, tinha sempre na mão um livro, um caderno e uma caneta, e passava tardes inteiras a conversar com o enxofre da fonte incandescente junto a mim...
Nunca mais ouvia as palavras dele. Nunca mais.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Segunda-feira, 16 de Setembro de 2013

o homem de vidro com cabeça de seara planetária

foto de: A&M ART and Photos

saberás que ainda existo
eu
disfarçado de insónia
dormindo solitáriamente debaixo do teu cabelo
olho-os
são os teus lábios de melancolia que ornamentam as minhas mãos tristes
mórbidas
olho-os
são os teus seios embrulhados nas flores doiradas das atmosferas inventadas pela solidão
eu
saberás que ainda existo
que tenho fome

como-as (as horas) aos insignificantes relógios de pulso mergulhados na neblina
eu
que ontem percebia as andorinhas
conversava com as gaivotas
e quando atravessava o Tejo...
olhava-as
as coxas tuas como cavernas traçadas no xisto cinzento dos sonhos encarnados...
saberás que existo?

as noites horas
sem estrelas
janelas
ruas e ruelas
calçadas
e rios embriagados pelo incenso do teu corpo húmido outrora em tons de negro
como as rochas
quando se extingue a maré
quando tu te extingues
e procuras-me nas migalhas do jantar
saberás que ainda existo
eu? o homem de vidro com cabeça de seara planetária... sobre os alicerces do inferno...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 16 de Setembro de 2013

domingo, 15 de setembro de 2013

Sorrisos brancos

foto de: A&M ART and Photos

Excelente título para qualquer coisa com palavras...
O que pensas da paixão em dias de chuva, meu querido?
Excelente, divinal sorriso em silêncios brancos, os lenços de linho e bordados pelas tardes infindáveis das suas mãos de pergaminho, sentava-se no meu colo e abraçava-me, pedia-me
Posso beijá-lo?
Respondia timidamente que
Sim... talvez... silêncios brancos, lenços em linho, e nos lábios seda pura como lágrimas de Outono nas videiras nocturna dos socalcos virados para o rio, tudo parece existir, não existindo, as janelas de xisto
Abriam-se nas clandestinas jangadas com velas aos braços cansados nos Domingos depois do jantar, sabia-a apetecível... mas a senhora dona sobre mim absorvia todas as cores do arco-íris, comia-me a madrugada, e eu, nem com o amanhecer conseguia brincar, acariciar, nada, como se ele fosse um corpo desejado e intocável
Posso beijá-lo?
E havias as janelas de xisto suspensas nos cabelos da montanha, e havia as perdizes voando sobre os cachos ensanguentados pelo suor de quem os apanha, carrega-os, e
As janelas de xisto
E
As janelas de xisto
E
Posso beijá-lo?
E ele beijava-o e víamos o amanhecer pregado aos lábios da manhã...
E
Posso beijá-lo?
Perguntávamos-lhes se os beijos tinham açúcar, e perguntávamos-lhes se o amanhecer tinha desejos como os homens, como os homens, e como as mulheres, e as mulheres em outras mulheres, depois e os tristes homens em outros homens,
Posso beijá-lo?
E depois
As janelas de xisto
Vinham as sombras da noite anterior, entravam-nos e levavam-nos
Como crianças pela mão?
Como xistos em janelas de correr, guilhotinas simplificadas,
Quer factura?
Guilhotinas transparentes entre rochas e ruelas mergulhando a aldeia num frenesim de loucos, aviadores esqueléticos, aviadores sobrevoando imagens a preto-e-branco do teu corpo amargurado, absorvido pelo sémen nocturno dos esteios em palavras cansadas que a mão dele deixavam ficar nos lábios de outro ele, amavam-se
Amo-o, dizia-lhe entre sorrisos brancos, e no entanto hoje procura moedas de cêntimo na Calçada da Ajuda, ouve os apitos de um barco que partiu há vinte e cinco anos, para onde?
As janelas de xisto?
Beija-me,
E ele beijou,
Abraça-me...
E ele... timidamente... não abraçou... e desapareceu dentro do cacimbo como se houvesse um túnel secreto no peito dele, onde supostamente
As janelas de xisto?
Posso beijá-lo?
Que supostamente
E ele... timidamente... não acordou, e desapareceu... que supostamente lhe tinham cortado com a tesoura da dor...
O quê, o quê?
A vontade de amar, de amar como se amam as paixões envenenadas em suicídios de amêndoa...

(Não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 15 de Setembro de 2013

a navalha do sofrimento

foto de: A&M ART and Photos

colocas-me a navalha do sofrimento
sobre os meus lábios ensonados
sinto-te fria e distante
sinto-te além
ausente
e aqui ao lado
lá fora perto de uma árvore que acaba de tombar
um pequeno sorriso ergue-se no meu jardim
e de um simples olhar
os teus olhos entram juntamente com a maré
em mim
e o meu corpo pertence-vos...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 15 de Setembro de 2013

Participação na logos nº 4 Setembro de 2013


Participação na logos nº 4 Setembro de 2013

sábado, 14 de setembro de 2013

Doce face em claridade alface

foto de: A&M ART and Photos

Não respiro, as tuas calças sufocam-me e entro no vazio da melancolia que deixaste ficar sobre a mesa da sala de jantar, sento-me e adormeço até que sinto acordar o dia vestido de tristeza, a agonia entranha-se no soalho junto à lareira, imagino-te caminhar descalça no pavimento encerado sobre a madeira estrangeira, vejo no chão o espelho que nunca vi e que pensava não existir, caminhas, nua, só minha, só para
Para ti, meu querido, apenas,
Só,
Como as árvores não plantadas do teu quintal com vestígios de silêncio, e ao longe, imaginamos o mar entrar-nos pela janela do quarto, oiço a tua doce voz no tal
Espelho em soalho encerado?
No teu corpo, no teu corpo como ontem existiam peixes no aquário que tinhas no Hall de entrada, a porta evaporou-se e todas as janelas
Morreram?
Voaram como lágrimas em queda livre da tua doce face em claridade alface,
Morreram... como morrem todas as paixões e todos os esqueletos com duzentos e seis ossos, expirou a validade dos teus beijos, e a cidade respira ingenuamente como uma planta esquecida num dos imensos jardins em Belém, não respiro eu, e sei que as tuas calças deambulam como desassossegos verdes contra as paredes de gesso dos compartimentos que nunca saíram do papel, projectos, desenhos concebidos milimetricamente para se afogarem no rio da saudade, hoje, hoje dizes que sou eu, hoje sinto-me um barco a flutuar nas tuas coxas, hoje
Só...
Hoje percebi que as imagens de mim são reflectidas nos fantasmas dela, e que ele pertence à cidade, é filho do ciume, ele
Só?
Hoje percebi que as imagens de mim são reflectidas nos fantasmas dela, e que ele pertence à cidade, é filho do ciume, ele delicia-se com as mensagens secretas dos pensamentos travestidos telepaticamente depois de cair a noite sobre os largos ombros, sento-me e adormeço até que sinto acordar o dia vestido de tristeza, a agonia entranha-se no soalho junto à lareira, imagino-te caminhar descalça no pavimento encerado sobre a madeira estrangeira, vejo no chão os barcos enferrujados, vejo no teu chão palavras, muitas palavras para mais tarde escrever, ler, rasgar, pintar, palavras em pequenos molhos e vendidos nas ruas ímpares, e hoje
Só, eu, perdido na cidade com dentes de marfim e garganta de xisto, oiço-te quando me chamavas e eu acordava embrulhado em cobertores de lã, era verão, questionavas-me
Tens tanto frio, meu querido, estamos no verão...
Imaginava o que pensarias, imagino hoje o que pensas... quando percebeste que eu era uma paixão impossível, quando percebeste que eu era um pássaro em aço e impossível de destruir, tens... frio... no verão,
Só, então!
E vi no teu soalho encerado as lágrimas que foram minhas, quando tu ainda criança, eu, eu voava sobre as nuvens e as gaivotas, e quando acordava, percebia
Percebias...
Querido, tu estás na lua?
Claro que não, apenas frio, frio...
Percebias que eu era de pano, que eu era um espantalho que decidiste queimar numa fogueira juntamente com alguns dos livros que sobejaram das vendas clandestinas,
O jardim
Só,
Ardia, ardia como ardem as cidades de palha...


(não revisto - ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 14 de Setembro de 2013

nuvens de azoto

foto de: A&M ART and Photos

existes porque eu quero que existas
choras
não porque eu quero que chores
abraças-me porque eu quero que me abraces
amas-me
não porque eu quero que me ames
existes
insistes
e não desistes...
choras porque há nuvens de azoto nas pálpebras do Sol
porque eu quero que tenhas asas
e que voes e que voes.., como uma gaivota em desejo


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 14 de Setembro de 2013

um livro húmido sobre a cama da paixão

foto de: A&M ART and Photos

os medos teus absortos molhados olhos
os sofrimentos dele embrulhados em pedaços de papel cansados pelo peso das palavras
um livro húmido sobre a cama da paixão
liberto e amorosamente flutuante nas clandestinas janelas do desejo
o mar suspenso na tua mão de pétala cidade com telhados de vidro
o cubo onde te escondes
e dormes
transformado em insónia
os medos das nuvens encarnadas
como das flores pedestres nos abraços dela
e mesmo assim... escondo-me em ti
fujo das rochas xistosas que vivem nos teus cabelos

desço socalcos até acariciar os lábios do rio
deito-me na garganta invisível dos túneis onde os corpos deles escrevem quando lá fora chove
há lâmpadas indesejadas nas ruas da cidade
como homens e mulheres
também eles e elas
indesejados e indesejadas
por outros homens
por outras mulheres...

os medos teus... molhados olhos
e deitas a cabeça no ombro que dizem pertencer-me
e deitas as pálpebras cinzentas
como gotas de água...
na minha boca de luar
pelos molhados olhos... teus


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 14 de Setembro de 2013

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

as palavras que sussurras em mim da madrugada marginal

foto de: A&M ART and Photos

a ditadura do teu olhar
arrependido nos cortinados das palavras embriagadas
uma corrente de medo enrola-se ao teu peito de incenso
e à janela
acorda a noite vigiada pela tempestade dos teus lábios

sou um pequeno barco enferrujado
vagueando entre pontes e carris desmantelados
sinto em mim a tua língua à poesia mendiga
que vou escrevendo no teu vagaroso corpo
como as teias de aranha do púbis que engole a manhã

sou o pulso dos gritos uivos que desabitam a tua mão com sabor a paixão
e entra em nós o silêncio desejo
o caranguejo que se esconde na velhíssima carapaça de aço
voando sobre a cidade em ruínas...
e sei que tu recordas as palmeiras do largo em lágrimas dos paralelepípedos como sandálias escorregadias

ou montículos de areia
deitados junto às rochas em desassossegos cansaços de sémen
esperamos a maré desajeitada
sobre uns míseros lençóis de cartão
escorregadias... as palavras que sussurras em mim da madrugada marginal


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 13 de Setembro de 2013

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

se o vinho é Grimalde... só ela o sabe

Foto de: A&M ART and Photos
(se o vinho é Grimalde... só ela o sabe)

bebo-te quando mergulhas nas doces gotículas do orvalho
silencio-me nas tuas mãos híbridas
e húmidas entre fantasmas e canções de amor
amo-te nas pétalas clandestinas dos olhos azuis
que os teus dedos deixam adormecer no meu rosto cinzento
e triste porque pareço um relógio de pulso perdido na algibeira da poesia
bebo-te sabendo que és uma flor emagrecida dentro do espelho da saudade
parecida com as gaivotas dos rios nocturnos que a insónia semeia no teu peito de areia
amo-te como amo as palavras insignificantes
palavras dispersas voando debaixo dos arciprestes nas lareiras da paixão
bebo-te como se fosses o melhor vinho dos socalcos envenenados pela tristeza...
e tu pareces uma tela suspensa na parede do meu segredo


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha - Alijó
Quinta-feira, 12 de Setembro de 2013

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

esquecer-me em ti de ti

foto de: A&M ART and Photos

um cigarro esquecido
na tua boca de serpente
envenenada pela solidão
em ti
um cigarro ardido
de ti
ausente
quando o coração
de uma árvore parte e voa em silêncios de espuma
um cigarro mordido
em teus lábios de ternura
em ti de ti... senti

em ti
e de ti

a claridade mente
a madrugada distante
como as águias dos esconderijos mergulhados em ténues mãos de areia
ardem como as palavras incandescentes
e as sereias
parvas
em pequenas sementes
do corpo embrulhado em tristes larvas...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 11 de Setembro de 2013
3º Encontro com Escritores da Lusofonia - Montemor-o-Velho

Blogue Cachimbo de Água em destaque – Sapo Angola


Blogue Cachimbo de Água em destaque – Sapo Angola
http://cachimbodeagua.blogs.sapo.ao/

terça-feira, 10 de setembro de 2013

O só eu como os outros em gravatas de madeira

foto de: A&M ART and Photos

O só, o castanho cabelo das árvores inseminadas nas tardes de literatura, vi-a como só, vestida dentro de uma voz melódica, poética, dizem que o amor vive dentro de um cubo de vidro, e que durante a madrugada, ele, só, brinca com o hipercubo da vizinha do rés-do-chão direito, lá fora não há sol desde que partiram os cortinados de cerâmica, lá fora há apenas vestígios de lágrimas, uivos e folhas espalhadas pelo pavimento chão em madeira tratada, de um cubículo mobilado apressadamente, um vulto de areia grita por mim, diz-me que o amor
Amo-a, menina, amo-a... sabia?
Claro que não, diz-me que o amor é o amor, que a noite é a noite, que as viagens à lua são as viagens à lua... e que no quintal dela habitam roseiras bravias, e nos lábios trazem pergaminhos de poesia, o só, eu, o castanho cabelo das árvores
Amo-a..., sabia?
E cansei-me do sono, das luzes quando desce sobre ti a noite, cansei-me das retretes e dos mictórios com o letreiro
“não deitar pontas de cigarro”
E cansei-me das estrelas, e dos cinzeiros com letreiros...
“não urinar dentro do cinzeiro”
E cansei-me dos letreiros... “hoje há caracóis”
Gritas-me
Já não temos caracóis, amo-a menina, se fosse há coisa de cinco minutos... e como sempre, cansei-me de andar e chegar atrasado a todas as ruas da cidade, espero-a na paragem do autoruas...e vejo-a caminhar rapidamente em direcção ao rio, e sinto as ruas em pequenas corridas, apinhadas de gente, não param, seguem, rua acima, rua abaixo
Acima
Abaixo o capitalismo,
Não param, buzinam, gritas-me
Amo-o... menino, sabia?
Acima
Abaixo o capitalismo,
Rua abaixo galgando as gruas enferrujadas dos velhos guindastes de pano, os sapatos pontiagudos apertavam-lhe os dedos do pé, raio
Gritava ele,
O casaco e a camisa pareciam papel de engenheiros, transparentes e embrulhados em tinta da china, e uma triste gravata
Acima
Abaixo o capitalismo,
O pescoço torcia-se, vacilava, e uma andorinha uivava sobre os teus crisântemos seios de névoa adormecida, Acima
Abaixo o capitalismo,
Não param, buzinam, gritas-me
Amo-o... menino, sabia?
Acima
Abaixo o capitalismo,
E respondo-lhe
Se eu soubesse...
E se também eu soubesse...
Não
Não?
Não, nãos escrevíamos estas parvoíces, sem sentido, como serpentes de uva embebidas em longas e distantes prisões com grades de ébano, e do Éden Jardim
Não, não o sabia... menina,
Dormem os anjos das coxas encarnadas, vivos, e gritam, gritam...
E cansei-me dos letreiros... “hoje há caracóis”.

(Não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 10 de Setembro de 2013

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

acreditava que eras de pedra

e a foto é de: A&M ART and Photos

acreditava que eras de pedra
e que tinha no olhar uma nuvem de luz
sentia-te vacilar nas searas da tristeza
voando sobre os tentáculos da solidão
dizias-me que eu pertencia às árvores de folha caduca
e em cada Outono
eu
tombava nas tuas mãos emagrecidas
os dedos esticados e finos
quando procuravas o mar nas clareiras do silêncio depois de partir a tarde
acreditava que eras de pedra
e percebia que amavas e percebi que tinhas no peito um coração de rosa dorida

(doente
dormente
ausente
e mente)

o amor depois da tempestade
fingia suspender-se nos teus dedos de verniz
compridos e longos
distantes como a madrugada
e vinha a noite
e tu acordada
esperavas
não dormias
abrias e fechavas
janelas
e ventanias
como sentias o meu corpo dentro do teu ventre

talvez
um dia percebas as fachadas dos meus olhos coloridos pelos pigmentos da insónia
memória tenho e nunca me faltou
corpo tenho e dou-me conta que me roubaram o esqueleto
em aço inoxidável
ao carbono
talvez percebas que o amor é uma treta como são todas as palavras
todos as imagens...
e um dia acredites nas gaivotas e nos barcos com dois braços meus
velas em teus cabelos
loucas
cinzentas que sobejaram do jardim teus lábios

(não revisto)
não datado (o hoje não existiu)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó (não tenho a certeza se sou eu)

domingo, 8 de setembro de 2013

estive esperando na tua cama


pois vou... estive esperando na tua cama... e tu? voando entre quatro paredes... e tu? sorrindo rosas com pétalas de cetim, pois vou, vou, claro que vou, dormir, sonhar, ficar apenas acordado, olhar o tecto, desesperado, cansado, pois vou... estive, estou... esperando por você... e a sua cama parece um manicómio com muitas janelas, um corredor longínquo, grandes de beijos nas janelas, voando, dançando, pois vou, claro que vou... sonhando, brincando, até que a tempestade traga as tuas mãos disfarçadas de gaivota, mar, barco... ou... nada,
só isso, buscar água? e eu que pensei que foste procurar-me entre sombras, debaixo das bananeiras do teu quarto... mas não, não
pois vou,
dormir... estive esperando na tua cama... e tu?


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 8 de Setembro de 2013

Aqui não há nada

foto de: A&M ART and Photos

Aqui não há nada,
pensava eu,
aqui vive-se acreditando nos lençóis de insónia que durante a noite acordam das madrugadas incolores, os corpos vagueiam como pedras caindo do terceiro andar, depois uma fina chuva de sorrisos cai nas esplanadas cinzentas das avenidas ainda incógnitas, ainda virgens como árvores por descobrir no quintal lá de casa, abriam-se a janelas, abriam-se as portas e
pensava eu
aqui não há nada,
Depois diziam-me que as coisas iam melhorar, diziam-me que amanhã o sol acordaria dentro de mim, e eu, chateado
(acorda o caralho... porque só vejo calhaus e ferros em aço pedindo migalhas de pão)
chateado ouvia-os no varandim da casa amarela escrevendo frases de revolta na sombra dos lábios inchados pelos pequenos morcegos de negras asas em cartolina, e diziam-me que amanhã
Amanhã tudo será diferente,
(o caralho que será)
Amanhã como hoje, amanhã como ontem, amanhã como há vinte e cinco anos, as palmeiras, os semáforos avariados, as tuas coxas magricelas parecendo esteios de xisto mergulhadas em ocas palavras em desejo, amanhã, amanhã e ontem, e hoje, e amanhã as tuas mesmas coxas de ontem, iguais nada em ti mudou, nada... nem a cor dos olhos, da pele, do púbis, tudo igual, porra
(muda, amanhã, o caralho...)
Amanhã,
Muda, muda de coxas, muda de seios, muda a cor à pele de marinheiro poisando os cotovelos na escotilha do submarino que há dentro de ti, muda, alimenta-te de mim, alimenta-te dos pedaços de rosa que deixaste meus no interior de um livro, ainda existe?
Existes tu, coxas magricelas, leves, invisíveis quando o sol levanta voo e alicerça-se no teu peito doirado, chovia em ti, molhavas-te para te esconderes em mim, e de mim, e o amor és isto
(uma merda escrita num papel e outra merda descrevendo círculos numa branca tela, virgem, fina, magricelas, igual às tuas lâminas coxas)
Amanhã...
Existes em mim?
Claro que não, claro que n ã o...
Nunca
(muda, amanhã, o caralho...)
Porque aqui, aqui não há nada.

(Não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 8 de Setembro de 2013

gritos de revolta

foto de: A&M ART and Photos

sinto-o correr nos poços escuros do meu corpo
quando escarpas e ventos se alicerçam nas minhas tristes mãos de areia
sinto-o como se ele fosse uma lâmpada de cristal vomitando palavras
tracejados traços no sorriso de uma abelha
e sinto-o e sinto-a
em mim depois de adormecer a solidão
sinto-o correr nos poços escuros... do corpo
e há uma corda invisível em cada esquina do sofrimento
que as cidades descobrem depois de acordar a manhã
e as ruas absorvem as lágrimas tuas
que correm nos poços...
escuros nus dormentes ausentes das sílabas de prata

vazios como o silêncio desgovernado
dos teus íngremes cabelos com sabor a naftalina
e de uma gaveta fechada
uma sombra disfarçada de imagem
emerge no espelho da dor
estás triste
como se o teu barco naufragasse no profundo Oceano mar...
e no entanto
sem o perceberes
uma jangada voa nos teus olhos magoados
como uma gaivota de oiro envenenada pela insónia de uma velha estória...
e sinto-o e sinto-a... dentro de mim em gritos de revolta


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 8 de Setembro de 2013