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terça-feira, 10 de setembro de 2013

O só eu como os outros em gravatas de madeira

foto de: A&M ART and Photos

O só, o castanho cabelo das árvores inseminadas nas tardes de literatura, vi-a como só, vestida dentro de uma voz melódica, poética, dizem que o amor vive dentro de um cubo de vidro, e que durante a madrugada, ele, só, brinca com o hipercubo da vizinha do rés-do-chão direito, lá fora não há sol desde que partiram os cortinados de cerâmica, lá fora há apenas vestígios de lágrimas, uivos e folhas espalhadas pelo pavimento chão em madeira tratada, de um cubículo mobilado apressadamente, um vulto de areia grita por mim, diz-me que o amor
Amo-a, menina, amo-a... sabia?
Claro que não, diz-me que o amor é o amor, que a noite é a noite, que as viagens à lua são as viagens à lua... e que no quintal dela habitam roseiras bravias, e nos lábios trazem pergaminhos de poesia, o só, eu, o castanho cabelo das árvores
Amo-a..., sabia?
E cansei-me do sono, das luzes quando desce sobre ti a noite, cansei-me das retretes e dos mictórios com o letreiro
“não deitar pontas de cigarro”
E cansei-me das estrelas, e dos cinzeiros com letreiros...
“não urinar dentro do cinzeiro”
E cansei-me dos letreiros... “hoje há caracóis”
Gritas-me
Já não temos caracóis, amo-a menina, se fosse há coisa de cinco minutos... e como sempre, cansei-me de andar e chegar atrasado a todas as ruas da cidade, espero-a na paragem do autoruas...e vejo-a caminhar rapidamente em direcção ao rio, e sinto as ruas em pequenas corridas, apinhadas de gente, não param, seguem, rua acima, rua abaixo
Acima
Abaixo o capitalismo,
Não param, buzinam, gritas-me
Amo-o... menino, sabia?
Acima
Abaixo o capitalismo,
Rua abaixo galgando as gruas enferrujadas dos velhos guindastes de pano, os sapatos pontiagudos apertavam-lhe os dedos do pé, raio
Gritava ele,
O casaco e a camisa pareciam papel de engenheiros, transparentes e embrulhados em tinta da china, e uma triste gravata
Acima
Abaixo o capitalismo,
O pescoço torcia-se, vacilava, e uma andorinha uivava sobre os teus crisântemos seios de névoa adormecida, Acima
Abaixo o capitalismo,
Não param, buzinam, gritas-me
Amo-o... menino, sabia?
Acima
Abaixo o capitalismo,
E respondo-lhe
Se eu soubesse...
E se também eu soubesse...
Não
Não?
Não, nãos escrevíamos estas parvoíces, sem sentido, como serpentes de uva embebidas em longas e distantes prisões com grades de ébano, e do Éden Jardim
Não, não o sabia... menina,
Dormem os anjos das coxas encarnadas, vivos, e gritam, gritam...
E cansei-me dos letreiros... “hoje há caracóis”.

(Não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 10 de Setembro de 2013