quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
Sílabas ósseas das palavras de vidro
Quando o amor emagrece
e morre
entre as sílabas ósseas das palavras
de vidro,
Quando entro em casa
quando tenho casa
e morto
ele
confessa-me que a tristeza o emagrece
e o amor enlouquece
um boneco de palha com sorriso de
veludo
cansaço,
Ele consulta o cardápio dos desejos
e não encontra abraços
nem beijos,
Desiste
e esconde-se no interior mais secreto
de um cilindro de madeira
ele procura
não encontra
a carta bela do amor morto
sem saber
desconhecendo
que as nuvens são apenas gotinhas de
água em desilusão
prestes a cair
sobre as flores mais distantes dos
jardins da morte
ele suspira
e emagrece nas mãos das sílabas
ósseas com palavras de vidro...
(desistes assim?)
O Comboio Fantasma
Um pouco tarde para quem acaba de perder a casa, a
vida, os olhos livres que mergulhavam nos lábios sangrentos dos
telhados de vidro, um pouco ou nada, ou tudo, porquê? Muito perfeito
como os diamantes das cansadas videiras sobre as mesas de xisto com
vista para o rio Douro, cansei-me deste rio tristemente aprisionado
numa fotografia esquecida na parede da cozinha, lá fora, há um
distante silêncio que atravessa as lâmpadas incandescentes dos
braços da água, aos poucos, poucos, quando chegas a casa e eu
tristemente, aos poucos, lá fora, esperando o desespero de uma
sandes de queijo com azeitonas e vinho, um pouco, tarde, perde-se a
vida crescida nas leituras litúrgicas dos candeeiros a petróleo,
gargantas ocas que flutuam no susto meteorológico das dentaduras com
sílabas de prata, e quando percebíamos, ouvíamos um pigmeu
cambaleando nas pedras desordenadas da calçada, um
Hoje vi a mais linda flor dos meus últimos minutos
de silêncio junto a um chafariz, por sua vez, este, junto, a uma
árvore, por sua vez, todos e ela inclusive, no centro de um largo
com cerca de três metros e cinquenta centímetros de Raio, talvez
mais, ou pouco, um
Ou dois, o chafariz e a árvore, esperavam o
autocarro, a flor, provavelmente esperava pela minha passagem, todos
os dias, uma vezes vou como sou, outras disfarçando-me de vento, mas
vou, e passo lá, e vejo-a, com sete pedras em placas finíssimas
como o fios de geada pela madrugada, o telegrama esperava-me, e ela
olhou-o como se ele fosse um pedaço de aço aos tropeções pela
cidade dos anjos caídos, mortos de cansaço como as pessoas de bom
senso, dizem que estou mais mal educado, pudera, um
Não percebi,
Onde estão os sonhos prometidos? Não sou rapazola
para fazer promessas que não posso cumprir, e as cumpridas vontades
do povo encurralado nas compridas camas espalhadas pela montanha do
círculos com árvores e chafarizes no centro, em redor, uma
Flor linda com pétalas de cristal, estava só e
provavelmente esperava o autocarro da carreira, ou, pela passagem do
machimbombo da catorze horas, um rua curva, estreita, como os seios
metafóricos das tuas palavras em ressonâncias magnéticas, oiço-os
quando viro levemente à direita, e sinto, sei que da esquerda, um
Comboio fantasma alerta-me que no final da linha,
quando chegar ao apeadeiro em ruínas, um
Círculo, uma árvore, um chafariz e uma flor, sem
que eu perceba, o que é uma flor linda com pétalas de Cristal, o
que faz ali, porque está ali, de onde é e para onde vai, se se pode
saber, sem o descaramento de o Cristal das pétalas estilhaçarem-se,
e os braços da prata geada solidificarem-se, sós, como todos os
dias quando chego ao final da linha, poiso os carris sobre a mesa, e
da marmita oferecida pelo Excelentíssimo Senhor D. Joaquim Francisco
de Francisco e Fernando Domingos de Solidão com Insónia, os meus
pais diziam-me
Cumprimenta o Senhor,
(e eu comprimentava, e eu fingia-me de morto para
não ouvir as preguiçosas mangas de camisa do dito Cabrão que todos
os dias fazia questão que eu, quando estivesse no alcance do seu
mais secreto círculo, me humilhasse, me
Boa tarde Excelentíssimo Senhor D. Joaquim
Francisco de Francisco e Fernando Domingos de Solidão com Insónia,
e ele umas vezes parecia um pedaço de rocha, outras
Vai com Deus meu rapaz, vai com Deus),
E educadamente cumprimentava o dito Cabrão com
olhos de açúcar e recheados com amendoins importados das
ex-colónias nunca nossas, como aprendíamos na escola, como aprendi
com outro rapazola que a terra de facto é de quem a trabalha, mas o
fruto, esse, pertence a quem o colhe, sempre foi assim, é assim com
os pássaros negros dos finais de tarde, foi assim com os pedaços de
cartolina onde eu desenhava laranjas e limões, e cidades como
petroleiros flutuantes antes de regressarem os loucos ruídos das
noites embebidas em pequeníssimos círculos, curtos, curtos cada vez
mais, até que a árvore e o chafariz e a linda flor com pétalas de
Cristal, apenas um
Ponto,
Final
Sem paragrafo.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
Um sofá com pele cuticular
Pilotavas corações nos jardins suspensos da
Babilónia, às Segundas, Quartas e Sextas voavas sobre as searas de
sorriso que submergiam nos mares distantes das nuvens de gelo que
desajeitadamente acordavam dos pulmões de porcelana dos homens
prateados com cintos de Cobre, às Terças e Quintas dançavas sobre
as mesas do Karamelo Doirado Bar, e aos Sábados e Domingos, dormias
como os pássaros nos ramos de papel das árvores de prata, não
respiravas, não sorrias, apetecia-te ficar
Triste,
Não havia em ti uma simples corrente de ar que se
erguesse dos teus olhos, não havia em ti um aparo à espera de uma
caneta recheada com tinta e uma maço de papel mata-borrão, E
triste, dizias-me tu quando eu acordava do meu sono longínquo que me
levava a atravessar as loucas montanhas do sono,
Triste não haver em nós uma corda de luz enrolada
numa janela de mar com periscópio para observação da cidade dos
quatro tristes cadáveres de areia, insónia, insónia com poucas
palavras entre paredes, pilares e vigas de aço, triste não haver em
nós
Eu, tu e ele, Tristes
Um sofá com pele cuticular espera-nos para se
alimentar dos nossos ossos, o teu corpo e o meu corpo, esqueléticos,
são absorvidos pelas mandíbulas das molas dos assentos com
almofadas de orvalho, o lago onde te sentavas a olhar-me enquanto eu
pilotava os corações dos jardins suspensos da Babilónia
desapareceu quando decidiu a noite esconder-se dentro de uma larva
com olhos mórbidos, também eles
Tristes, como nós, Eu, Tu e Ele, e todas as árvores
de prata,
Também eles, todos, os habitantes dos jardins
suspensos da Babilónia na expectativa de uma nova revolução entre
palavras e canções, pedaços de cartão alimentavam os cobertores
daqueles que sem casa, iam vivendo nas ruas com edifícios de
sofrimento, e quando lhes perguntávamos se eram felizes
Que sim, muito, como nós, Eu, Tu e Ele,
Como nós ao acordarmos e as lâmpadas dos
candeeiros poisados sobre as mesas-de-cabeceira, todas, fundidas, sem
seguro e inspecção periódica, às vezes, o corredor, é
literalmente abraçado a uma coima simbólica por parte de um sombra
com braços de cinza, o excesso de velocidade, fatal, contra a porta
da casa de banho, de um pequeníssimo postigo de morte, três
costelas e um pulmão queixam-se do fumo das plantas que fazem sorrir
os homens que pilotam corações de chocolate que vivem nos jardins
suspensos da Babilónia, felizes
(Um sofá com pele cuticular espera-nos para se
alimentar dos nossos ossos, o teu corpo e o meu corpo, esqueléticos,
são absorvidos pelas mandíbulas das molas dos assentos com
almofadas de orvalho, o lago onde te sentavas a olhar-me enquanto eu
pilotava os corações dos jardins suspensos da Babilónia
desapareceu quando decidiu a noite esconder-se dentro de uma larva
com olhos mórbidos, também eles), abrem-se as carapaças dos
submarinos encalhados nos bancos de areia, à escotilha, um homem e
uma mulher e uma criança (não tivemos tempo de determinar o
respectivo sexo e a idade), provavelmente do sexo masculino com cerca
de seis anos, cor da pele (não determinada), olhos (com a distância
não nos foi possível verificar a cor dos olhos), e sem qualquer
dúvida trazia ao nível dos ombros um par de asas azul marinho, como
os sapatos de verniz que o tio Francisco lhe tinha oferecido, eles,
os três orgasmos de sémen perdidos na ocidental praia das línguas
de serrim, Tristes, todas, e todos
Esperavam,
Acordavam,
Inseminavam,
Um sofá com pele cuticular sobre os joelhos da
cansada nuvem em descidas bruscas dos céus pintados de fresco nos
bancos de madeira debaixo dos plátanos-poemas que escrevíamos antes
do jantar, triste não haver em nós uma corda de luz enrolada numa
janela de mar com periscópio para observação da cidade dos quatro
tristes cadáveres de areia, insónia, insónia com poucas palavras
entre paredes, pilares e vigas de aço, triste não haver em nós
Eu, tu e ele, Tristes
O cio mergulhado no rio Xisto, barcos de medo
pendurados nas janelas viradas para a seara de gelo, nuvens
poeirentas nas abraçadeiras das pernas dos pássaros e flores livres
entre os corações avermelhados que o saudoso amor engolia nas
profundas goelas de saliva que a paixão deixa ficar nas mãos dos
pequenos livros de poesia, ontem
Eu, tu e ele, Tristes
Numa cidade de madeira, e
E
E às Segundas, Quartas e Sextas voavas sobre as
searas de sorriso que submergiam nos mares distantes das nuvens de
gelo que desajeitadamente acordavam dos pulmões de porcelana dos
homens prateados com cintos de Cobre, às Terças e Quintas dançavas
sobre as mesas do Karamelo Doirado Bar, e aos Sábados e Domingos,
dormias como os pássaros nos ramos de papel das árvores de prata,
não respiravas, não sorrias, apetecia-te ficar
Triste.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
Não falando nas noites
Um livro esquecido sobre uma mesa de vidro, os olhos
tristes da gaivota quando sobrevoa o oceano acreditando que as horas
são pedaços de papel à deriva no mar desenhado na areia por uma
menina com lágrimas de vidro em frente a um espelho de pano,
dividia-me entre manhãs de desencanto e tardes de loucura, não
falando nas noites
Ternura,
Pintávamos os nossos corpos invisíveis com
acrílicos que o velho do jardim das Pilas Murchas nos ofereceu no
dia de S. Valentim, tu primeiro, eu depois, pintamos o céu e as
estrelas e quando nos abraçávamos perguntavam-nos
Vocês são a noite?
Dizíamos-lhes que sim, claro, porque ter medo,
vergonha, dizíamos-lhes que éramos a noite disfarçada de janelas
com vidro duplo, cortinados de açafrão, e na porta de entrada para
a gaveta onde guardávamos os pincéis, as tintas, as telas, a mãe
das telas, e os filhos das telas, desenhos, construídos, em
construção, alguns desmaiados e à espera da chegada do 112, outros
Amarfanhados como ervas daninhas recheadas de restos
de cigarro e pólen de haxixe que saboreavam os desassossegos lábios
das abelhas revoltadas contra as árvores do recreio, as tuas
lágrimas de luz morriam como morreram todas as coisas que amei, os
livros, as crateras dos desejos secretos quando a noite me vinha
buscar e eu sentia-me transportado para dentro do teu coração de
aço, outros
Sem vida, já, estendidos pelo corredor, o cheiro
putrefacto da tela misturada com a tinta, um cadáver de quadro sem
tecto, morada, destino, ou vida, pindérico pequeno-almoço que me
serviam na enfermaria e eu sabia das lágrimas circulares depois de
lhes calcular a área e o respectivo perímetro,
Qual é o perímetro de uma lágrima?
Partindo do princípio que as lágrimas não são
círculos, porque têm volume, e que o perímetro de uma lágrima
calcula-se elevando a tristeza ao cubo multiplicando pela cor dos
olhos
Qual é a cor dos olhos dela? Verdes, verdes, tem a
certeza?
Então diria que o perímetro da lágrima dela é de
três vírgula catorze verdes searas lineares...
(Pintávamos os nossos corpos invisíveis com
acrílicos que o velho do jardim das Pilas Murchas nos ofereceu no
dia de S. Valentim, tu primeiro, eu depois, pintamos o céu e as
estrelas e quando nos abraçávamos perguntavam-nos), se éramos a
noite disfarçada de noite, tu, respondeste-lhe
Não, nós somos a noite disfarçada de amor, com
beijos, com asas, com vento e palavras parvas, com tardes cinzentas,
horas embebidas em ponteiros de relógios suspensos nas teias de
aranha das madeixas dos limoeiros da dona Aninhas, do galo que não
se cala, todos os dias, rabugento, enferrujado, rouco como os
cigarros de arame, tristes, tristes as tuas mãos com silêncios em
penas amarelas, verdes, azuis, encarnadas
Pareces um palhaço com ventoinhas nas pernas e
embrulhado num tecido quadricolor, depois tiveste o azar do teu
hipercubo se apaixonar por um gato, o gato mordeu-o e o hipercubo
fugiu, depois veio-te a carta do tio Hilário a comunicar-te que
Venho por este meio informar Vossa Excelência que os livros da
prateleira número três, rés-do-chão – Direito, por minha morte,
pertenceram à Biblioteca Pública da Aldeia das casas de vidro
(Que se foda o velho, nunca gostou de mim..., que
meta os livros pelo rabo acima)
Quero lá saber dos livros, do amor, do tio Hilário,
do perímetro, do volume, ou da área de uma lágrima, Porquê? Sou
mais feliz por saber essas coisas?
Não quero saber,
Não me interessa,
Quero lá saber da paixão do meu hipercubo por um
ranhoso gato, mimado, filho único como eu e maluco, como diz o povo,
ai o povo diz tanta coisa
Só não diz às vezes aquilo que devia dizer,
Como a gaveta mortuária onde dormem as telas
mortas, como a gaveta dos sonhos onde dormem um par de chaves e uma
lanterna, como
Quero lá saber dos livros, do amor, do tio Hilário,
do perímetro, do volume, ou da área de uma lágrima, Porquê? Sou
mais feliz por saber essas coisas?
Não quero saber,
Não me interessam,
Como será um hipercubo loucamente apaixonado por um
gato? Consegues imaginar?
Claro que consigo
É como nós,
Um dia é verde, outro dia é encarnado, e às vezes
alterna entre o azul e o amarelo, e nunca, e nunca elas se queixaram
por eu não saber calcular a área, o perímetro ou o volume de uma
simples lágrima, porque o segredo está
No coeficiente de tristeza.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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(Trinta e seis cachimbos e uma
secretária)
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domingo, 17 de fevereiro de 2013
Luas noites
Me encantam as luas noites
que desenhávamos na areia húmida do
segredo nocturno
me encantam os sonhos circulares com
olhos de vidro
que tínhamos sobre a mesa-de-cabeceira
me encantam as tuas doces mãos
tórridas
que ancoravas no meu pescoço
trémulo
frio
longe do sol
me encantam as labaredas dos teus
lábios
incinerais como as algas que procuravas
no mar da ausência
me encantam as sílabas encarnadas dos
teus seios minúsculos,
Me encantam as lagoas azuis do teu
púbis metamorfoseado pelas tempestades de xisto
como as cinco palavras secretas do
abismo
me encantam as flores que se suspendem
nos ambíguos olhos da solidão
amorfos
embebidos nos transeuntes de pano que
habitam a cidade
me encantam as sebentas que a floresta
esconde nas algibeiras da madrugada
sem saber que o frio engorda as asas
dos pessegueiros
e o calor emagrece os ramos dos
pássaros
me encantam as laranjas que transformas
em sumo
néctar de oiro com pulseiras de
plátano adormecido
me encantam as tuas tristes lágrimas
de sabão
quando descem dos telhados de vidro as
salmonelas embalsamadas.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Trinta e seis cachimbos e uma secretária
Quando cai sobre mim o meteoro do teu desejo, e aos
poucos, em pedaços de luz, vai desfragmentando-se em grãos de
beijos com sabor a silêncio, com a janelas do jardim das imagens
encerradas, limito-me a desenhar no tecto das tuas mãos os orgasmos
de ruído que a própria desintegração provoca nas paredes frágeis
deixadas pelos antepassados pais em gesso e ripas e no interior palha
seca,
Sei que me odeias, pensas tu quando abres as minhas
cartas encalhadas nos rochedos que o mar da saudade esconde, um
submarino de dor entranha-se nas tuas finas pernas, e o torpedo do
amor rebenta contra os cabelos desassossegados que sobre ti deambulam
como as borboletas palavras dos tristes livros sem poemas,
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
Ontem,
Amanhã, quando uma resma de papel acordar sobre o
meu peito, (pediste do reciclado por causa do ambiente), mas
esqueceste-te dos meus olhos desde ontem, prisioneiros numa almofada
de cartão recheada com pedaços de amêndoa, tiraste-me os
candeeiros da mesa-de-cabeceira, e pintaste no espelho do guarda-fato
em espantalho de aço
Pergunto-te
Achas isso normal?
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
Ontem,
Quando cai sobre mim o meteoro do teu desejo, e aos
poucos, em pedaços de luz, vai desfragmentando-se em grãos de
beijos com sabor a silêncio, coisas suicidam-se nas manhãs de
segunda-feira, e amanhã uma coisa qualquer vai morrer,
desintegrar-se como fizeste com os meus olhos,
O que fiz eu aos teus olhos aparvalhadamente?
Deixaste-os, sós, sobre uma almofada de cartão
recheada com amêndoas...
E depois?
Tive medo dos muros de betão que estão a construir
à volta das nossas recordações, cada dia que passa, mais
longínquas, distantes, em cinza dizias tu quando o meu cachimbo se
apagava, e a noite entrava em nós como abelhas com sonhos nas asas e
amanheceres nos lábios,
E depois, depois o muro ergueu-se até ao céu,
colocaram-lhe sobre ele um tecto de lona, a a nova vida tornou-se num
circo ambulante com clarabóias de chocolate,
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
À procura das linhas interrompidas que o pavimento
da vida vai deixando submersas como as acácias de luz nos vidros
opacos das janelas do destino, acordei cedo, deixei de fumar os três
cigarros que fumava todos os dias ao acordar, pensava que não ia
conseguir sobreviver, acordar, andar, amar, ser o mar, a lua, o
cristal da paixão nas mãos de ti quando me abraçavas em
pensamento, e consegui, e estou vivo, mas há qualquer coisa sombria
nas tuas queridas mãos de seda, mas há
Que faço aos meus trinta e seis cachimbos?
Há um texto por escrever, há duas personagens que
precisam de viver, darmos-lhes vida, tarefas, imagens a preto e
branco, quem sabe, um filho, um miúdo de calções ou uma menina de
saia correndo em volta de um círculo de capim, ou
Que faço?
As árvores abandonadas pelas chamas desérticas que
trazias do teu mar e deixavas-as espalhadas pela casa da aldeia,
atiravas pedras aos pássaros, por engano, partiste a cabeça a um
rapazola da escola, ou da tua rua, ou alguém invisível que às
vezes te acompanhavam nas tuas loucas brincadeiras, Que faço?
São de madeira, ardem!,
E eu sabia que nas tuas pálpebras brancas viviam
socalcos desde o cimo da montanha até à linha férrea que circunda
o mais belo rio, não sei
(Se primeiro este ou o Tejo)
Talvez sejam os dois os mais belos, únicos,
artistas de circo que Portugal tem, hoje, hoje tenho saudades do Tejo
porque poucas vezes o olho, e quando o olho, vêm-me as distantes
lágrimas das manhãs de areia, e o Douro olho-o todos os dias bem lá
longe, como os seios de manteiga da menina Aurora que era telefonista
na companhia de seguros, eu, um simples corredor com portas, e um
tecto falso, e ela, uma secretária, em pura madeira virgem, louco,
louca
(Pura lã virgem),
E
Há um texto por escrever, há duas personagens que
precisam de viver, darmos-lhes vida, tarefas, imagens a preto e
branco, quem sabe, um filho, um miúdo de calções ou uma menina de
saia correndo em volta de um círculo de capim, ou
Que faço?
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
P.S.
“As árvores abandonadas pelas chamas desérticas
que trazias do teu mar e deixavas-as espalhadas pela casa da aldeia,
atiravas pedras aos pássaros, por engano, partiste a cabeça a um
rapazola da escola, ou da tua rua, ou alguém invisível que às
vezes te acompanhavam nas tuas loucas brincadeiras, Que faço?”
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sábado, 16 de fevereiro de 2013
Equações do silêncio
Laços olhos
simplesmente partilhados
entre maços de palavras
e de vidro telhados
vêm as marés às manhãs teus lábios
nos cansados pães de açúcar
entra o mar pela porta secreta do homem
vestido de negro
com um cinto de prata
e preso na boca
um cigarro de lata
como as letras das indesejadas equações
do silêncio
porque o teu coração
espera a minha mão disfarçada de
jangada
atravessas o rio
e em nada
a minha madrugada
cinco palavras escritas numa parede
à tua espera
como as cigarras noites de Primavera
como as poucas viagens das drageias de
solidão
do outro lado da rua
um comboio vestido de paixão
com um ramo de flores e uma triste
pétala nua
que os carris comem os sorrisos da lua
e brincam às palavras cegas
jogam à macaca
com riscos de seda no pavimento de
cimento
parecem pássaros de heroína
na algibeira do vento
sem hora de regressar...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Mínimos fios de oiro
As diurnas caixa dos sonhos (esmolas?) que de
estabelecimento comercial em estabelecimento comercial, de jardim em
jardim, de cave em cave, escondem, semeiam, gratificam, as poucas
moedas e notas que o homem dos gelados de chocolate foi deixando pelo
chão, hoje sei que no Baleizão uma casa fantasma andava sempre de
mão dada comigo, hoje sei que quando olhava a estátua da Maria da
Fonte um petroleiro com bandeira da República Popular da China voava
entre os meus cabelos e a incensa luz dos olhos agrafados aos pedaços
de papel que sobejaram das tardes debaixo das mangueiras, hoje sei
que
Deixei de saber, os anos atracam-se-me como
correntes de aço, roubam-me os poucos sonhos que ainda restavam ao
meu cadáver corpo de madeira prensada, e também existe o problema
das asas de alumínio, os parafusos roucos devido às noites que
passei sentado nos bancos de jardim à espera da menina do circo, e
nunca mais chegava, chega, até que o arame que ligava as duas
margens partiu-se em bocadinhos, centímetros de arame que
aconchegadamente podem eternamente viver dentro da minha algibeira,
Tens saudades minhas? Respondia-te que não
fingindo, porque sempre tive saudades dos caixotes de madeira, das
moscas com muitas patas e asas transparentes, porque sempre tive
saudades das pontes, dos teus cabelos de fio doirado e corpo
magríssimo quando sobre o arame atravessavas as duas margens e
desaparecias na neblina de Almada, claro
Que tenho saudades tuas sua tonta,
E depois do espectáculo, descias, construías uma
vénia ao teu sorridente público e ias esconder-te na caravana
estacionada a poucos metros do palco invisível, que o teu pai,
empresário, ilusionista e palhaço, demorou um inteiro dia a montar
sobre o pavimento térreo do voo nocturno dos pássaros embebidos na
vodka dos miúdos à porta do cabaré, e quando lhes perguntavam se
tinham factura?
Em uníssono respondiam
Tinhas corpo de bailarina, como as abelhas em busca
do pólen que dos rochedos da insónia agrediam verbalmente os homens
que no Baleizão semeavam gelados de chocolate junto à esplanada
recheada de cadeiras e mesas e pessoas
De chapa zincada,
Em uníssono respondiam que com a fome comeram a
(fatura) e com um pouco de sorte, durante a noite, ela, debaixo do
(teto) das amendoeiras em flore, certamente era expedida através das
entranhas do rabo ensanguentado devido à grossura do papel que
tapava as fendas das paredes da caravana, ela
Esplanada recheada de cadeiras e mesas e pessoas
adormecia nos meus braços e pela janela da caravana eu, eu via a luz
mergulhada nos Cacilheiros em corridas como círculos em volta de uma
árvores de sombra
Ela gritava,
E ouviam-se-lhe os gemidos dos motores a diesel
engasgados com os rebuçados de mentol e recheados com sonhos, os
mesmos que a gaveta durante anos, e anos, e anos,
Guardou como objectos valiosos, como ainda tenho
todos os pedaços de arame que ela utilizava para atravessar as duas
margens, e quando poisava em Almada, ouviam-se-lhes os gemidos
Dos motores a diesel que da caravana uma janela
imprimia o rosto de um menino abraçado a uma menina, que procuravam,
em busca, das asas de vidro das noites voadoras sobre o rio
circunflexo dos alguidares de alumínio, e na verdade, deixei,
deixamos, perdemos-nos
Antes do espectáculo começar e ela se transformar
em nuvem de algodão, e hoje sinto saudades das inocentes (diurnas
caixa dos sonhos (esmolas?) que de estabelecimento comercial em
estabelecimento comercial, de jardim em jardim, de cave em cave,
escondem, semeiam, gratificam, as poucas moedas e notas que o homem
dos gelados de chocolate foi deixando pelo chão, hoje sei que no
Baleizão uma casa fantasma andava sempre de mão dada comigo, hoje
sei que quando olhava a estátua da Maria da Fonte um petroleiro com
bandeira da República Popular da China voava entre os meus cabelos e
a incensa luz dos olhos agrafados aos pedaços de papel que sobejaram
das tardes debaixo das mangueiras, hoje sei que), que desciam do céu,
e silenciosamente se sentavam nas cadeiras do Baleizão, aos poucos,
um miúdo de seis anos apaixonava-se por uma trapezista com asas e
que usava na cabeça fios, mas muito mínimos, de oiro, como as gajas
que muitos anos depois eu via nas caves dos bares em Cais do Sodré,
Ela gritava,
Aos poucos, um miúdo de seis anos apaixonava-se por
uma trapezista com asas e que usava na cabeça fios, mas muito
mínimos, de oiro, que o vento levou como leva todas as palavras de
amor.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013
Algumas palavras em pálpebras de vidro
O que dizer quando todas as coisas, visíveis e
invisíveis, morrem dentro de uma chaminé de vidro com pequenos
grãos de gelo, o que dizer
Olha, sinto muito, morri,
E no entanto, ninguém, sentiria a tua falta, a não
ser, a não ser os cortinados de renda que uma velha costurou na tua
ausência, ainda tu, ainda tu brincavas com os calções, a camisola
de alças e as sandálias de couro, e havia pequenas flores em cima
da mesa do pequeno-almoço, é como os livros que ardem na fogueira
Dir-me-ás tu, louca paixão absorvida pelo magma e
ouvem-se ao longe os pavios mergulhados na parafina em fios de luz
descendo teu corpo abaixo, e novamente
Dir-me-ás
Novamente a ressonância magnética infiltra-se pela
janela dos olhos verdes, e novamente, dir-me-ás que as coxas dos
fantasmas têm seios de vento como algumas árvores têm voz de
criança dentro de uma garganta de aço, e o teu corpo que há pouco
era engolido por fios de luz, hoje, agora entra na fogueira
juntamente com os livros por escrever, das labaredas libertam-se
algumas palavras, poucas, como
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti,
E eu
E tu
Sabemos que tudo é uma mentira que nós inventamos
numa noite de nevoeiro, havia barcos pintados de espuma como o tesão
das gaivotas contra os mastros de fibra de vidro, a loucura existe,
eu sou louco, mas a tua loucura nada tem com o amor, com a saudade,
com a lua, com as estrelas dos céus nocturnos vagueando docemente
sobre o púbis uma cabeça de linho, as telas ardiam, e as imagens em
sombras de rancor pélvico, encostavam-se ao muro de cimento-armado,
Ou os caixote de lixo esquecidos pela cidade,
Dir-me-ás que apaixonadamente pelos meus olhos
verdes vives enclausurada entre paredes de gesso e finas placas de
vidro, o que tu não sabes
(Dir-me-ás tu, louca paixão absorvida pelo magma e
ouvem-se ao longe os pavios mergulhados na parafina em fios de luz
descendo teu corpo abaixo, e novamente)
Desconheces que deixei de ter olhos e de verdes
passaram a encarnados, será isto possível? Estarei grávido? Não
sei,
Não sei
E ninguém saberá,
Quando se vão revoltar os caixote de lixo
esquecidos pela cidade, desconheces que as minhas mãos, hoje, agora,
são rosas de vento balançando como sexos murchos na areia da praia,
e no entanto
Das labaredas libertam-se algumas palavras, poucas,
como
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti,
E eu
E tu
Não sei, e no entanto somos sílabas defeituosas
suspensas na página 1525 do livro da paixão, mergulhas nos dias
embainhados como águias feridas pelas balas de prata dos grandiosos
destinos que a cama sobre o mar deixa sobre as conclaves dores dos
corações de semanas sem descanso, e no entanto, ainda acreditas que
tenho asas e que sei voar, que tenho duzentos e seis ossos e trinta e
dois dentes, e sobre a cabeça um chapéu de palha
E no entanto
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti (espantalho),
E eu
E tu
Não sei,
Sabemos que não o estás, como os esqueletos de
arame dos homens de xisto que durante a noite me visitam e comem as
luzes dos candeeiros semeados por uma louco, mesmo no centro dos
passeios, e dizes-me, e dizem-me
Não sabemos, hoje não, tente novamente amanhã,
E amanhã dizem-me...
Se o senhor tivesse vindo ontem...
O Ping-pong entre duas paredes com grades de ferro
forjado e sofás revestidos a tecidos importados da longínqua China,
as luzes e as mesas vindas dos sonhos baratos de um musseque de
Luanda, e as bebidas, dispensamos as bebidas em prol da literatura
E a literatura e os cigarros e os caixote de lixo
esquecidos pela cidade, desconheces que as minhas mãos, hoje, agora,
são rosas de vento balançando como sexos murchos na areia da praia,
e no entanto
Das labaredas libertam-se algumas palavras, poucas,
como
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti,
E eu
E tu
Mortos como as paixões proibidas pelas manhãs de
Outono, quando de um quinto andar sem varandas, ouvem-se todas as
máquinas de sibilar que o homem de arame foi deixando pelos destinos
sonhos adormecidos nos guindastes murmúrios dos lábios em
desassossego Inverno... em pálpebras húmidas de vidro.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
(E no entanto, ninguém, sentiria a tua
falta, a não ser, a não ser os cortinados de renda que uma velha
costurou na tua ausência, ainda tu, ainda tu brincavas com os
calções, a camisola de alças e as sandálias de couro, e havia
pequenas flores em cima da mesa do pequeno-almoço, é como os livros
que ardem na fogueira)
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013
Os barcos de quilha adocicada
Dizias que o silêncio era uma árvore onde viviam
laranjas, e que a solidão, quando aparecia, nunca vinha só, e
sempre acompanhada, subia as escadas sumarentas de artrose e
reumático, às vezes ouviam-se-lhe os suspiros dos dejectos
indesejados que os insectos deixam ficar sobre a clarabóia de onde
se via o céu, via-se claro que sim
Porque hoje acabo de saber que este, por ordem
superior, foi privatizado e levado para outras paragens, ouvem-se os
lamentos dos angustiados
Filhos da Puta,
Mas de nada servem os insultos, porque o céu, esse,
tal como a água, essa,
Dizem que “Já Era”, como os cadáveres
sonolentos dos impostores vaidosos que se fazem passear pelas
avenidas da cidade, uns coitados de uma classe de “Mete Nojo” que
só sobrevive à custa das escadas do Papá ou da mamã, ou do
vovô... ou da “puta que os pariu”, mas sobrevivem, tudo têm e
dizem que são felizes,
Tirando os barcos de quilha adocicada e com
profundas modificações nas mãos com unhas de gel, nada de
importante aconteceu hoje, o País continua na sua agonia morte lenta
como os doentes que a tombola da sorte sorteou, e vivem
desgraçadamente até deixarem de respirar, os Países Ditatoriais
precisam de um povo inculto e de um exercito forte, o povo cala, e o
exercito impõem a força, e para tal, o corrupto do chefe de estado
precisa de generais fortes, corruptos, ricos
Ricos Monetariamente,
Filhos da Puta,
“Já era”,
Mas de nada servem os insultos, porque o céu, esse,
tal como a água, essa, “já Foram”, e qualquer dia até Deus,
até esse vão conseguir privatizar, e vimos Senhores Ministros do
Reino em apertos de mãos a “Filhos da Puta” de ditadores, e o
povo, lá, a morrer de fome, e o povo, lá, desprotegido dos mais
essências bens dispensáveis a qualquer ser humano; saúde, justiça,
educação...
Mas
Tirando os barcos de quilha adocicada e com
profundas modificações nas mãos com unhas de gel, nada de
importante aconteceu hoje, a Teresa ofereceu-me um livro “Diários
– AL Berto”, talvez porque hoje é quinta-feira, talvez porque o
fim-de-semana está a caminho, talvez
Dia dos namorados,
Não conheço, peço desculpa, e na melhor das
hipóteses é entrar na barbearia ali junto ao quiosque das amêndoas
em flor e perguntar a barbeiro, esses, esses quase que sabem de tudo,
agora eu, não, não sei nada sobre o dia dos namorados; isso é o
quê?
Mas Ricos Monetariamente, as Ditaduras de “Merda”
que em troca do dinheiro tudo lhes é permitido; até roubar os
sonhos das crianças...
(não revisto; a única coisa
verdadeira neste texto é o livro de AL Berto “Diários”, tudo o
resto é pura coincidência com a realidade)
@Francisco Luís Fontinha
Isso é amor
Se os teus olhos de poesia
um dia dormirem com o luar,
isso é,
isso é amor,
Se a tua boca de ficção
um dia sorrir,
isso é,
isso é amor,
Se as tuas mãos de papel tricolor
um dia aparecerem com palavras
escritas,
isso é,
isso é amor.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
COSTUREIRO OU BAILARINO
A minha casa,
Quatro paredes em cartão, do fino, que é mais
chique, não tenho janelas para o mar, porque infelizmente ele vive
longe de mim, não tem telhado, felizmente para mim, porque às vezes
falta-me o ar e tenho grande dificuldade em respirar, ela, a minha
casinha, não tem mobílias luxuosas, e tirando a máquina de costura
Singer que herdei de uma bisavó que deve ter mais de setenta anos,
talvez mais
Nada a acrescentar, nasci longe e vim de longe, e
quando regressar, irei regressar para longe, talvez encontre outra
casinha modesta com esta, mas aqui
Não vou ficar mais,
Mas aqui falta-me o mar, os barcos em passeios
nocturnos quando terminavam as sessões das duas da madrugada, os
cinema recheados de gajos em desejo, às vezes sentiam-se-lhes os
gemidos entre as portas de madeira do Hall e a sala de fumo,
percebia-se pelo comportamento dos cigarros que havia um perfume de
mulher algures nos cortinados das janelas viradas para os telhados
adormecidos de uma cidade abandonada, mas lá eu
Tu lá eras feliz, tinhas sonhos, brincavas com
personagens invisíveis e desenhavas em todas as paredes da casa,
excepto na casa de banho, talvez por ser o único compartimento que
quase sempre estava ocupado, passavas tardes intermináveis a
construir vestidos para bonecos loucos, pegavas na agulha da tua mãe,
nas linhas, e dos tecidos
Lindos vestidos e quando te perguntavam o que
querias ser quando fosses grandes, algumas vezes respondias
NADA,
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
E afinal
E afinal não fui uma coisa nem outra, sou um homem
descomplexado, pobre, sem palavras, sem ideias, sem o amor vestido de
qualquer coisa, de morte
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
E
E afinal vivo numa casa com quatro paredes em
cartão, do fino, que é mais chique, não tenho janelas para o mar,
porque infelizmente ele vive longe de mim, não tem telhado,
felizmente para mim, porque às vezes falta-me o ar e tenho grande
dificuldade em respirar, ela, a minha casinha, não tem mobílias
luxuosas, e tirando a máquina de costura Singer que herdei de uma
bisavó que deve ter mais de setenta anos, talvez mais
Outras?
E
E ainda acredito nos olhos disfarçados em poemas, e
ainda acredito nos lábios com tonalidade de sílabas adormecidas,
como as rochas do amor, como os orifícios das portas com vista para
um corredor comprido, fino e escuro, onde
Brincam
Onde e
Barcas vestidas de barcos com âncoras de aço e
correntes em oiro, às vezes oiço-os masturbarem-se no tecto
embaciado do Domingo de prata, e do calendário ordinário com gajas
nuas que o sapateiro suspende todos os anos desde que começou a
trabalhar
Murcham as palavras do amor proibido, cansado do
azul sobre os joelhos com rosas amarelas, vestias-te de cinzento para
te confundirem com os candeeiros de silício amargurado que caem nas
noites de celibato, e os homens aproveitavam-se das tuas mãos para
roubarem o telhado da minha pobre casinha,
A trabalhar um pedaço de sola como o pão duro das
sobras que durante a noite dormem nos caixotes de luxo, e que muita
gente teima em apelidar de lixo, duro, robusto, sapatos de luxo para
exportação, e quem sabe
NADA,
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
E afinal
E afinal não fui uma coisa nem outra, sou um homem
descomplexado, pobre, sem palavras, sem ideias, sem o amor vestido de
qualquer coisa, de morte
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
De fatias de pão nasçam sapatos de luxo...
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
terça-feira, 12 de fevereiro de 2013
Outras coisas
Parecias-me tão entretido com as tuas coisas banias
que nem me dei ao trabalho de verificar se a janela da sala estava
bem fechada, zumbia solenemente o vento que soprava de cima para
baixo, em pequenos círculos, como as moedas quando caem de uma
altura superior e aterram nas algibeiras erradas, nunca tiveste
sorte, queixavas-te todos os dias, em todos os jantares, em todos os
serões, e à lareira, dizias-me
Vou-me embora daqui, para sempre, e nunca mais
voltarei a este País, eu, confesso, nunca acreditei, como nunca
acreditei que conseguisses deixar de fumar, cigarros, heroína,
esbelta, finíssima com saia curta e camisa branca, sei que não
pensas nela, que já não tem importância para ti, mas confesso, que
às vezes,
Medo, o medo, o medo que voltes a apaixonares-te por
ela, me troques por uma prata com bolhas castanhas em corridas de
carrossel, o taxímetro sempre a rolar como um carro de rolamentos a
descer a calçada em direcção ao Tejo, os edifícios de Santa Maria
de Belém, tremem, encostam-se às trincheiras submersas nas
clareiras da morte, e uma menina com tranças aborda-me
Pai?
Fico quieto, impávido, e pergunto-lhe
Eu?
Que sim, claro, tu, o medo, e penso
Talvez seja uma brincadeira de Carnaval...
Talvez?
Olha para mim e diz-me se tenho cara de brincadeira
de Carnaval, e confesso que nunca vi uma menina com rosto de
Carnaval, e respondo-lhe que não, não sei, nunca vi um, talvez não
tenha, talvez seja verdade, talvez
Pai?
Finíssima com saia curta e camisa branca, cabelos
loiros voando sobre a cidade de areia, lilases barcos em madeira
prensada rompem as agulhas desgovernadas dos carris de manteiga,
oiço-a dentro de mim com as cores da paleta recheada de uma espessa
e fina e brilhante atmosfera com cheiro a Barcelona, dormia e
acordava em sandes de cartão
Finalmente, eu, o teu pai, o feliz mendigo vestido
de rochedos esponjoso e flores de plástico, sempre são mais
baratas, dizias-me antes de eu ter partido de casa, de cidade, de
vida, de
(Parecias-me tão entretido com as tuas coisas
banias que nem me dei ao trabalho de verificar se a janela da sala
estava bem fechada, zumbia solenemente o vento que soprava de cima
para baixo, em pequenos círculos, como as moedas quando caem de uma
altura superior e aterram nas algibeiras erradas, nunca tiveste
sorte, queixavas-te todos os dias, em todos os jantares, em todos os
serões, e à lareira, dizias-me)
Amanhã não temos lenha para a lareira,
respondia-te que tínhamos muitas portas e janelas e mobílias que
quase nunca utilizávamos,
Voltavas à carga,
Amanhã não temos nada para comer, respondia-te que
enquanto tivéssemos as galinhas da vizinha, para uma canja e um
arroz com os miúdos não haveria de faltar, e depois logo se via, ah
e ainda podemos aproveitar o restante para um churrasco, como vez, há
sempre uma solução para tudo, menos para a miúda de tranças com
rosto de Carnaval, Rosto? Não, com cara de Carnaval, e eu
imaginava-a pendurada numa árvore a olhar as algibeiras recheadas
com as moedas de às vezes
Caem como os tordos depois do jantar,
De às vezes uma silenciosa ânsia melancólica
saltitar sobre o muro de xisto que divide o dia da noite, de às
vezes esqueceres-te de ligar o interruptor do nosso esquerdo lado, e
sempre noite dentro de nós, como as flores que colocavas sobre a
minha lápide e eu preenchido com as pratas de alumínio em busca da
dama de saia curta e camisa branca, dos cabelos um perfume estranho,
vazio, entranhava-se como se entranha, às vezes, as lágrimas
miudinhas das tardes de Inverno, à parte disso
Tenho os meus sonhos em consideração e demito-me
das funções que me foram confiadas, estou farto desta cidade, desta
terra e deste mar, como todos os pássaros, partiremos daqui a poucos
dias, pouca coisa entre nós, duas ou três mudas de roupa, o livro
de Bernardo Soares, e uma gabardine de senhora
No caso de ela aparecer,
Pai?
Fico quieto, impávido, e pergunto-lhe
Eu?
Que sim, claro, tu, o medo, e penso
Talvez seja uma brincadeira de Carnaval...
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013
Pedra moribunda
Sou de pedra
como os muros que circundam os sorrisos
das rosas
deste verdejante cenário jardim
ouvindo os longínquos sons das tristes
pálpebras
dos ventos soprados pelas chaminés de
vidro
rijos os pedaços de enxada mergulhadas
nas palavras cansadas,
A pedra moribunda
à doce saliva dos pequenos repteis
enforcados nas lilases telas de linho
porque da noite nua e escura e
apetitosa
poucas ou nenhumas coisas sobrevivem às
tempestades de areia
que os poemas provocam nos seios das
andorinhas
com asas de porcelana,
E as cabeças ocas
delas
poucas ou nenhumas árvores de papel
na despedida das horas assassinadas por
um velho relógio de parede
à pedra
o pó das sílabas dentro de um
sobretudo negro.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Planeta X-321
Uma fresta da noite copia-se e cola-se no branco
papel com pontos de suor, chamavas-me parvalhão, estúpido, ou
Paspalho?
Nunca me interessaram as alcunhas, porque são
apenas palavras, e com o vento, elas, voam como voaram as gaivotas do
teu curto cabelo nas sombras do Tejo, nos jardins uma fina camada de
relvas onde nos deitávamos, e olhávamos o céu nocturno das mãos
entrelaçadas, ouvíamos
Paspalho, eu?
Ouvíamos os gemidos das árvores em cio, e dentro
de água sentíamos os alicerces dos corações de aço a derreterem,
como derretem as nuvens de açúcar na boca de uma criança, como
derretiam as nuvens de açúcar na tua boca fingindo Primaveras e
rosas de abelha, éramos os únicos habitantes do planeta X-321 e
Parvalhão, estúpido, ou
Paspalho?
E acreditávamos nas cartas perfumadas que
enviávamos ao final da tarde nos olhos de uma andorinha, e
Eu?
Três dias depois ela regressava, estava cá, na
caixa de chapa zincada com uma portinha mínima, e mal dava para
entrarem os dedos, finos, meus, como os varões de aço no estômago
de um pilar ou de uma viga, levantávamos-nos cedo, como se as
máscaras de Carnaval que na noite anterior tínhamos deixado em cima
da mesa-de-cabeceira fossem um espelho que saltara do guarda-fato, e
dávamos conta que eram apenas os nossos rostos disfarçados de
meninas do mar,
No nosso planeta X-321 não havia nada, água,
vento, pássaros ou barcos com asas, apenas dois corpos se misturavam
no salitre húmido das madrugadas acabadas de fazer, e ainda quentes,
comíamos-as, todas, sem percebermos que elas
Eu?
Que elas eram filhas de um Deus poderoso, teimoso,
arrogante, como as paixões entrelaçadas nos céus do planeta X-321,
como os pregos do leito da morte das flores embalsamadas, e tínhamos
dentro de nós pedaços de vidro, em placas, finas, que serviam para
quando viesse a noite, nós, eu, tu, eu e tu, rasparmos o velho
mármore dos muros que o sono deixava sobre os versos em arame
forjado, tristes, nós, à procura do sossego, e das acácias em
flor,
Hoje,
Uma fresta da noite copia-se e cola-se no branco
papel com pontos de suor, chamavas-me parvalhão, estúpido, ou
Dois cadáveres dissecados pela caneta de um poeta,
inventa-nos quando a solidão o abraça e a insónia lhe bate à
porta, quase que me atrevo a afirmar que
Eu e tu, nós,
Somos as lágrimas de fantasia dele, somos os restos
de tinta e papel mata-borrão, como duas candeias de poemas suspensos
nas janelas do planeta X-321, um espaço vazio, eu e tu, nós,
Que este poeta nos ama, como nos amávamos sentados
junto à margem do Tejo a cilindrar cigarros e a diluirmos cerveja e
vodka nas nossas bocas cansadas dos tormentos que vagueavam nos
pinheiros entre xistos e socalcos, os vidros, em placas, finas,
começavam a romperem-nos como o poeta rompia as pequenas folhas de
papel e destruía os poemas escritos, e percebíamos que também nós,
eu, tu, nós
Dois poemas escritos pelo louco poeta.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
blogue Cachimbo de Água em destaque
(O menino húmido com pétalas de papel
crepe)
blogue Cachimbo de Água em destaque
Sapo Angola
domingo, 10 de fevereiro de 2013
O sótão das histórias sem palavras
As safiras em moedas de olhares
como os crisântemos em rubi que vivem
nas árvores da saudade
inventaste-me como inventaste o vento
numa tarde de cacimbo
com nuvens de porcelana
e azeitonas em conserva,
Eras conhecida como a raiz de pólen
de abelha em abelha
às flores dispersas pelos pedaços de
pólvora seca
que incendiavam as lanternas invisíveis
dos pinheiros abandonados pelas aranhas
de vidro,
Percebiam-se-lhes as dissolvidas manhãs
de inferno
dentro de um cubo de chapa
zinco
como as pedras polidas pelas mãos da
neblina
e desciam o rio as escadas de acesso à
lua,
Comiam-se os homens e as mulheres
porque a fome de amar era tanta tanta
que o vento se transformava
em jangada
ou madrugada
húmida como os corpos de papel que
voavam em volta do silêncio,
E tirando as safiras em moedas de
olhares
nada
ninguém
como a vida de um esqueleto apaixonado
pelos ossos da vizinha amiga que vive
no sótão das histórias sem palavras...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Uma cratera de saliva no vulcão da insónia
Um dia, quem sabe, todos os poemas de Inverno se
transformem em rosas, um dia, talvez amanhã, ou, poderá ser mesmo
num Sábado qualquer, um dia qualquer, apenas um, de um calendário
de papel, ou daqueles virtuais que os nossos portáteis inventam para
nós, e tão parvos, eles, que se nós quisermos hoje não é hoje, e
se nós quisermos hoje é ontem, Dezembro de 1966, ou, ou se eles
quiserem amanhã, amanhã terça-feira de Março de 2015, um dia,
quem sabe, todos os poemas
Fiquem como as minhas mãos, pérfidas, com perfume
de vulcão estacionado no centro de uma cratera, com nuvem de vapor
que fingem ser cortinados, das janelas das palavras, quando chega o
murmúrio das imagens a preto e branco do álbum de fotografias do
Pai Fernando, Angola está lá, como estão os carris onde ontem
passeavam comboios para Mirandela, e hoje, hoje apenas linhas curvas,
rectas, círculos de lágrimas das rochas metamórficas com sombras
de pedra, ele acompanhava a linha de bicicleta pela mão, chegava ao
Tua, e subias as curvas inclinadas com sabor a saudade, apenas,
apenas para dar um beijo à mãe, fiquem todas, hoje não, hoje
Os carris e os túneis da saudade dentro de um álbum
de fotografias,
Hoje, hoje não, quem sabe amanhã, todos os poemas
se transformem em rosas de papel, quem sabe, ontem as flores tenham
conspirado contra o homem dos livros de granito, quem sabe, hoje sim,
eu, ele, nós os dois, sejamos esqueletos de vidros com mãos de
arame, hoje quem sabe, eu, ele, eu e ele, os dois, sejamos pedaços
de pedra mármore do túmulo de um dos manuscritos de Gogol que ardeu
na fogueira, louco, tu e eu, dentro de um buraco de areia, os nossos
corpos parecem raios de sol mergulhados em barcos de esferovite com
um motor de um carro de brincar, comprávamos pilhas com sabor a
limão, e ele, e eu, e eu e ele e o barco de esferovite, perdidamente
apaixonados como as águias nocturnas do chocolate amargo,
Os carris e os túneis, que têm?
Um dia, a escuridão transformar-se-á em lençóis
de prata com almofadas de oiro, E os carris? pergunta ele, que têm?
Respondo-lhe eu, Nada... Responde-nos os barco de esferovite com o
velho motor do carrinho de brincar, as pilhas, sabiam a limão,
amargo, o dia quando regressei e descobri que era um esqueleto de
vidro com mãos de arame, pergunto-lhe
Lembras-te? Claro que sim, como me lembro do dia
quando disfarçada de água da chuva entraste em mim, numa tarde de
Agosto, tinhas livros numa das mãos ínfimas, pequenas, como os
rochedos das praias imaginárias da nossa infância, e claro que
Não me recordo dos vidros partidos no recreio da
escola,
Amanhã, amanhã, amanhã terça-feira de Março de
2015, um dia, quem sabe, todos os poemas vestidos de arame-farpado,
em redor de um campo de minas como os seios camuflados dos grandes
edifícios que se escondem nas cidades e dão abrigo aos sem-abrigo,
todos, amanhã, quem sabe um dia destes, no calendário virtual do
meu portátil, eu, eu encontre os restos de saliva que sobejaram das
palavras mordidas pela serpente do envenenado homem das luzes de
linho, cansei-me, cansei-me dos calendários de papel com números
complexos, matrizes, equações diferenciais loucas de amor por
integrais triplas, e no entanto, ninguém, ninguém à espera delas
na cama nua das quadriculas de insónia,
Calçavas uns sapatos rabugentos, ouvia-os enquanto
descias o passeio que aproveitavas para observares distraidamente os
manequins nus, esqueléticos, das montras com roupas adormecidas
pelos candeeiros da noite embaciada pelo perfume das rosas junto à
cabine telefónica, de vidro, alumínio, e palavras que
desconhecíamos, e não sabíamos que dias depois
Os carris e os túneis, que têm?
Debaixo do braço transportavas um livro de Érico
Veríssimo “Clarissa”, a chave de acesso ao teu cofre, eu, hoje,
hoje talvez não, amanhã, amanhã sim, eu já o tinha lido, e
confesso que enquanto conversávamos sobre o livro íamos caminhando
em direcção ao tempo-espaço de Einstein, e hoje percebo, amanhã,
amanhã talvez, terça-feira de Março de 2015, o murmúrio das
imagens a preto e branco do álbum de fotografias do Pai Fernando,
Angola está lá, como estão os carris onde ontem passeavam comboios
para Mirandela, e hoje, hoje apenas linhas curvas, rectas, círculos
de lágrimas das rochas metamórficas com sombras de pedra, ele
acompanhava a linha de bicicleta pela mão, chegava ao Tua, e subias
as curvas inclinadas com sabor a saudade, apenas, apenas para dar um
beijo à mãe, fiquem todas, hoje não, hoje
Os carris e os túneis da saudade dentro de um álbum
de fotografias,
Como ficaram as tuas palavras dentro de mim, todas,
elas, disfarçadas de chuva de Agosto em final de tarde.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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