E assim foi mais um carnaval dos nossos meninos e meninas em Alijó.
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sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024
terça-feira, 12 de fevereiro de 2013
Outras coisas
Parecias-me tão entretido com as tuas coisas banias
que nem me dei ao trabalho de verificar se a janela da sala estava
bem fechada, zumbia solenemente o vento que soprava de cima para
baixo, em pequenos círculos, como as moedas quando caem de uma
altura superior e aterram nas algibeiras erradas, nunca tiveste
sorte, queixavas-te todos os dias, em todos os jantares, em todos os
serões, e à lareira, dizias-me
Vou-me embora daqui, para sempre, e nunca mais
voltarei a este País, eu, confesso, nunca acreditei, como nunca
acreditei que conseguisses deixar de fumar, cigarros, heroína,
esbelta, finíssima com saia curta e camisa branca, sei que não
pensas nela, que já não tem importância para ti, mas confesso, que
às vezes,
Medo, o medo, o medo que voltes a apaixonares-te por
ela, me troques por uma prata com bolhas castanhas em corridas de
carrossel, o taxímetro sempre a rolar como um carro de rolamentos a
descer a calçada em direcção ao Tejo, os edifícios de Santa Maria
de Belém, tremem, encostam-se às trincheiras submersas nas
clareiras da morte, e uma menina com tranças aborda-me
Pai?
Fico quieto, impávido, e pergunto-lhe
Eu?
Que sim, claro, tu, o medo, e penso
Talvez seja uma brincadeira de Carnaval...
Talvez?
Olha para mim e diz-me se tenho cara de brincadeira
de Carnaval, e confesso que nunca vi uma menina com rosto de
Carnaval, e respondo-lhe que não, não sei, nunca vi um, talvez não
tenha, talvez seja verdade, talvez
Pai?
Finíssima com saia curta e camisa branca, cabelos
loiros voando sobre a cidade de areia, lilases barcos em madeira
prensada rompem as agulhas desgovernadas dos carris de manteiga,
oiço-a dentro de mim com as cores da paleta recheada de uma espessa
e fina e brilhante atmosfera com cheiro a Barcelona, dormia e
acordava em sandes de cartão
Finalmente, eu, o teu pai, o feliz mendigo vestido
de rochedos esponjoso e flores de plástico, sempre são mais
baratas, dizias-me antes de eu ter partido de casa, de cidade, de
vida, de
(Parecias-me tão entretido com as tuas coisas
banias que nem me dei ao trabalho de verificar se a janela da sala
estava bem fechada, zumbia solenemente o vento que soprava de cima
para baixo, em pequenos círculos, como as moedas quando caem de uma
altura superior e aterram nas algibeiras erradas, nunca tiveste
sorte, queixavas-te todos os dias, em todos os jantares, em todos os
serões, e à lareira, dizias-me)
Amanhã não temos lenha para a lareira,
respondia-te que tínhamos muitas portas e janelas e mobílias que
quase nunca utilizávamos,
Voltavas à carga,
Amanhã não temos nada para comer, respondia-te que
enquanto tivéssemos as galinhas da vizinha, para uma canja e um
arroz com os miúdos não haveria de faltar, e depois logo se via, ah
e ainda podemos aproveitar o restante para um churrasco, como vez, há
sempre uma solução para tudo, menos para a miúda de tranças com
rosto de Carnaval, Rosto? Não, com cara de Carnaval, e eu
imaginava-a pendurada numa árvore a olhar as algibeiras recheadas
com as moedas de às vezes
Caem como os tordos depois do jantar,
De às vezes uma silenciosa ânsia melancólica
saltitar sobre o muro de xisto que divide o dia da noite, de às
vezes esqueceres-te de ligar o interruptor do nosso esquerdo lado, e
sempre noite dentro de nós, como as flores que colocavas sobre a
minha lápide e eu preenchido com as pratas de alumínio em busca da
dama de saia curta e camisa branca, dos cabelos um perfume estranho,
vazio, entranhava-se como se entranha, às vezes, as lágrimas
miudinhas das tardes de Inverno, à parte disso
Tenho os meus sonhos em consideração e demito-me
das funções que me foram confiadas, estou farto desta cidade, desta
terra e deste mar, como todos os pássaros, partiremos daqui a poucos
dias, pouca coisa entre nós, duas ou três mudas de roupa, o livro
de Bernardo Soares, e uma gabardine de senhora
No caso de ela aparecer,
Pai?
Fico quieto, impávido, e pergunto-lhe
Eu?
Que sim, claro, tu, o medo, e penso
Talvez seja uma brincadeira de Carnaval...
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013
Planeta X-321
Uma fresta da noite copia-se e cola-se no branco
papel com pontos de suor, chamavas-me parvalhão, estúpido, ou
Paspalho?
Nunca me interessaram as alcunhas, porque são
apenas palavras, e com o vento, elas, voam como voaram as gaivotas do
teu curto cabelo nas sombras do Tejo, nos jardins uma fina camada de
relvas onde nos deitávamos, e olhávamos o céu nocturno das mãos
entrelaçadas, ouvíamos
Paspalho, eu?
Ouvíamos os gemidos das árvores em cio, e dentro
de água sentíamos os alicerces dos corações de aço a derreterem,
como derretem as nuvens de açúcar na boca de uma criança, como
derretiam as nuvens de açúcar na tua boca fingindo Primaveras e
rosas de abelha, éramos os únicos habitantes do planeta X-321 e
Parvalhão, estúpido, ou
Paspalho?
E acreditávamos nas cartas perfumadas que
enviávamos ao final da tarde nos olhos de uma andorinha, e
Eu?
Três dias depois ela regressava, estava cá, na
caixa de chapa zincada com uma portinha mínima, e mal dava para
entrarem os dedos, finos, meus, como os varões de aço no estômago
de um pilar ou de uma viga, levantávamos-nos cedo, como se as
máscaras de Carnaval que na noite anterior tínhamos deixado em cima
da mesa-de-cabeceira fossem um espelho que saltara do guarda-fato, e
dávamos conta que eram apenas os nossos rostos disfarçados de
meninas do mar,
No nosso planeta X-321 não havia nada, água,
vento, pássaros ou barcos com asas, apenas dois corpos se misturavam
no salitre húmido das madrugadas acabadas de fazer, e ainda quentes,
comíamos-as, todas, sem percebermos que elas
Eu?
Que elas eram filhas de um Deus poderoso, teimoso,
arrogante, como as paixões entrelaçadas nos céus do planeta X-321,
como os pregos do leito da morte das flores embalsamadas, e tínhamos
dentro de nós pedaços de vidro, em placas, finas, que serviam para
quando viesse a noite, nós, eu, tu, eu e tu, rasparmos o velho
mármore dos muros que o sono deixava sobre os versos em arame
forjado, tristes, nós, à procura do sossego, e das acácias em
flor,
Hoje,
Uma fresta da noite copia-se e cola-se no branco
papel com pontos de suor, chamavas-me parvalhão, estúpido, ou
Dois cadáveres dissecados pela caneta de um poeta,
inventa-nos quando a solidão o abraça e a insónia lhe bate à
porta, quase que me atrevo a afirmar que
Eu e tu, nós,
Somos as lágrimas de fantasia dele, somos os restos
de tinta e papel mata-borrão, como duas candeias de poemas suspensos
nas janelas do planeta X-321, um espaço vazio, eu e tu, nós,
Que este poeta nos ama, como nos amávamos sentados
junto à margem do Tejo a cilindrar cigarros e a diluirmos cerveja e
vodka nas nossas bocas cansadas dos tormentos que vagueavam nos
pinheiros entre xistos e socalcos, os vidros, em placas, finas,
começavam a romperem-nos como o poeta rompia as pequenas folhas de
papel e destruía os poemas escritos, e percebíamos que também nós,
eu, tu, nós
Dois poemas escritos pelo louco poeta.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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