segunda-feira, 31 de julho de 2017

Defuntos cigarros


Pergunto aos defuntos cigarros meus onde está o vazio,

Esta simples forma de viver acorrentado à cidade adormecida,

A doença aproxima-se,

Esconde-se no fumo,

E desaparece na madrugada,

 

O corpo range,

Evapora-se na tridimensional poesia da tarde,

O livro morre,

De tanto viver a saudade,

 

Pergunto-me… porquê?

 

Naves espaciais poisadas no meu quintal,

Homens pequenos,

Fumam cigarros emagrecidos pela geada,

Apetece-me fugir com eles,

Libertar-me destas correntes de aço,

E nunca mais regressar aos teus braços.

 

Defuntos cigarros,

Nas mãos calejadas pela caneta…

 

Palavras enroladas no vento…

 

Palavras mortas na noite.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 31 de Julho de 2017

domingo, 30 de julho de 2017

Os barcos da solidão


Nos olhos, a penumbra pomba adormecida,

Um raio de luz desce e poisa-lhe na mão amachucada pela alvorada,

O silêncio frio da despedida…

Quando o Tejo se esconde na madrugada,

Os barcos da solidão, cansados de esperar pela partida,

Uma casa abandonada, recheada de flores adormecidas,

Canções de amor, palavras esquecidas…

Não mão do escritor,

Sempre tive sonhos,

Viver sobre o mar da esperança,

Levantar bem alto o levante sofrido da escuridão…

Quando criança,

Pegava num pedaço de papel…

E escrevia-te, não percebendo que não existias…

Amanhã nova caminhada,

Amanhã nova estória…

Ensanguentada,

Liberta da memória,

E dos pilares de areia da saudade,

Nos olhos, a penumbra pomba adormecida,

Vive-se vivendo na tentativa de partir…

E nada deixar sobre a mesa… sobre a mesa sofrida.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 30 de Julho de 2017

sábado, 29 de julho de 2017

Terra sangrenta


Terra sangrenta onde habito,

E vivem comigo as gaivotas do amanhecer,

Terra salgada, repito…

Das palavras de escrever,

Sentindo, os semáforos do silêncio madrugar…

Saltitando de mar em mar,

E chorar,

Terra maldita, e recheada de pragas e gafanhotos,

Meninos marotos,

Que brincam na aldeia,

Leio livros, escrevo nos livros que leio… e à ceia

Levanto os cortinados que me aprisionam ao teu ser,

Terra sangrenta,

Que me alimenta,

E me mata ao nascer do Sol…

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 29 de Julho de 2017



29-11-1938 / 29-07-2015


sexta-feira, 28 de julho de 2017



Há dois anos, enquanto te despedias da vida, desenhei este quarto. Estava sentado ao teu lado, olhava-te e percebia que ainda respiravas…, hoje, não consigo perceber este desenho nem porque o fiz.

Apenas sentia o teu corpo prisioneiro como um rochedo ao mar… e algumas horas depois, viajaste em direcção ao luar.


quinta-feira, 27 de julho de 2017

Julho / 27-07-2017


Todos morreram…

O pai,

A mãe…

E todos os sonhos da seara longa,

Lá longe uma porta líquida evapora-se

E no centro da casa um poço absorve toda a tristeza,

 

O cansaço também cansa a solidão,

A solidão dos dias,

Das noites…

E de todas as madrugadas.

 

Todos morreram…

 

E a noite levou-a para outro lugar.

 

 

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Esquina de Luz


Regressa o passado,

De longe recebo a última réstia de sombra,

O filme que vivi…

Voltará?

Sem paciência com as palavras,

Sem vontade de sorrir…

Se voltar…, cá estarei firme…

Como sempre…

Como sempre,

Firme e de pedra.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 26/07/2017

terça-feira, 25 de julho de 2017

A janela esfomeada


Uma janela esfomeada

Virada para o mar,

O cansado dia prisioneiro na janela virada para o mar,

Uma janela esfomeada

Na luminosidade obscura da cidade,

Entra um barco em soluços,

Embriagado pelo sal,

Uma janela esfomeada

Na sombra das árvores do quintal,

Um pássaro vestido de janela…

Procurando o cortinado do anoitecer,

A prenda,

O segredo de hoje,

Os indignados de ontem…

Com a notícia de hoje,

O prego enferrujado no “CU” de Judas…

Longe de mim,

Perto de ti…

Uma janela esfomeada

Sem coração,

Recheada de beijos,

Abraços…

E o carrasco enforcado na janela esfomeada,

Virada para o mar…

Termina o Sol,

Nasce a noite nos socalcos do cansaço…

E vai-se vivendo ouvindo as tuas palavras vãs…

O anão,

O eterno anão a “cagar” no deserto.

FIM.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 25 de Julho de 2017

segunda-feira, 24 de julho de 2017

A fuga


Parto feliz.

Deixo tudo nas tuas mãos, os velhos papeis, os livros… e a minha sombra.

Para onde vou, nada disso necessito…, apenas preciso de paz.

A fuga, depois da alvorada… para além do rio,

Uma caravela com velas de sonho,

Um pedacinho de solidão…

E lá vou eu, eu, feliz…

Parto feliz.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24 de Julho de 2017

domingo, 23 de julho de 2017

O fantasma do fim de tarde


Batem à porta,

Não vou abrir…

Nada espero, ninguém me espera…

Neste fim de tarde junto à janela.

Sentado.

Não me levanto,

Olho o relógio e são dezoito horas,

Tempo necessário para ir à doca e abraçar-me ao barco dos teus braços,

Batem à porta.

O silêncio constrói-se em mim com uma cabana na montanha,

Sinto o mar dentro do meu corpo indefeso,

Quando regressa o pôr-do-sol…

Batem à porta,

Não vou abrir…

Nada espero…

A não ser ficar aqui sentado.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 23 de Julho de 2017

sábado, 22 de julho de 2017

O cansado iluminado


Regressa a noite e não quero abrir os olhos,

Prefiro adormecer junto à lareira apagada,

Porque acesa já ela está,

O cansado iluminado,

Sentado,

Lê…

Escreve em ti o que lê…

E não tem pressa de partir,

Porque a partida é tristeza…

Desenhada nas paredes do meu quarto,

Regressa a noite,

Regressa o vento…

E o iluminado,

Cansado,

Foge em direcção ao mar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 22 de Julho de 2017

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Nesta cidade, este corpo que pesa, e de lata…


Este silêncio que me mata,

Este corpo de lata,

Que habita indecentemente na tua mão,

Este corpo camuflado pela tristeza,

Quando o meu olhar alcança tão altiva beleza,

Este corpo que pesa,

E não serve para nada,

Este corpo sofrido e filho da madrugada,

Quando as aventuras se desenham no amanhecer…

As tonturas,

Nas palavras de escrever,

Este corpo que estorva,

E trás consigo a solidão,

Trova…

Passeio sem destino na carruagem do sofrimento,

Este corpo sem alento,

Descendo pedras e calhaus desagradados…

Soldados,

Que abatem este corpo com dignidade…

Este corpo que pertence à cidade.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21 de Julho de 2017

quarta-feira, 19 de julho de 2017

O apeadeiro da solidão


Tão longe entre montanhas e socalcos,

Cravado na terra cremada da saudade,

O comboio se perde nas curvas do amanhecer,

O apeadeiro da solidão agachado junto ao rio…

Sem conseguir adormecer,

Uma voz se perde na caminhada como se fosse apenas uma gaivota amedrontada…

Tão longe entre montanhas e socalcos,

Finge acordado,

Esperando os apitos aflitos do maquinista…

Até que o pôr-do-sol regressa,

E amanhã novo dia, nova noite, e a tarde sempre igual…

Nem vivalma para entreter o estômago do desassossego.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19 de Julho de 2017

segunda-feira, 17 de julho de 2017

O feitiço da madrugada


Há-de crescer no teu peito a saudade,

O lívido Oceano vergado à tua sombra longínqua…

Que brinca nas minhas mãos,

Um dia regressará a mim a tua sonolência em forma de deserto,

As árvores do teu passado são hoje páginas argamassadas de poesia,

Livros dispersos sobre o mar,

Escondo-me de ti,

Tenho medo que digas que envelheci…

E que o rio deixou de respirar,

Há-de crescer no teu peito o feitiço da madrugada,

As correntes que me prenderão aos socalcos inanimados…

A máscara espelhada nos lírios da insónia,

Fragrância perceptível nas andanças tuas pernas subindo o Chiado…

E, eu sentado na penumbra disfarçado de sem-abrigo…

Cuidado,

Stop,

Amanhã aparecerás em frente ao espelho,

Triste,

Tão triste meu amor…

Pertencer a estes livros estacionados na berma da morte.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 17 de Julho de 2017

domingo, 16 de julho de 2017

Palavras que me encantam


São as tuas palavras que me encantam,

São os teus livros que habitam em mim a razão de viver,

Caminhar junto ao rio…

Galgar os socalcos do querer…

São as tuas palavras que me encantam,

Durante a manhã,

À tarde…

De noite,

Palavras, tristes as tuas palavras…

Na planície do silêncio,

São as tuas palavras que me encantam,

E desalojam…

Deste cubículo de lata,

Onde durmo,

Vivo…

E morro.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 16 de Julho de 2017

sábado, 15 de julho de 2017

Palavras indigestas


Ela,

Disfarçada de mar a entrar pela janela,

Ela,

Disfarçada de Pôr-do-sol antes do anoitecer,

Enganador sentimento de dor…

E ela,

Nas cansadas fileiras da sonolência,

Ignóbil projecto convertido ao silêncio,

À janela,

Ela,

Disfarçada de cortinado,

Verdejante,

Humilhante alimentares-te das minhas palavras indigestas,

Gastas…

Gastas como ardósias de papel.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 15 de Julho de 2017

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Lágrimas tuas palavras minhas


Todas as minhas palavras são lágrimas tuas,

Nuas cancelas sobrevoando o Oceano,

Os barcos cansados e a remo…

Prisioneiros no teu cabelo ao vento,

Sofro, sofro e alimento

Estes carris do pensamento,

Todas as minhas palavras são lágrimas tuas,

Duas pontes absorvendo o rio da dor,

Uma pequena flor,

Um grande amor…

 

Nas janelas doiradas do sofrimento.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 14 de Julho de 2017

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Levante


Pequenas palavras nos versos tuas mãos,

Algumas pinceladas no teu olhar,

Um livro que poisa nos teus lábios…

A cada dia…

Ao levantar.

 

Pequenos gestos da infância,

Nos gonzos cromados da tua solidão,

Impávidos, enquanto esperamos pelo luar…

Sem pressa de caminhar.

 

O levante teus seios na ausência preia-mar,

A gaivota “Adeus” em pequeninos círculos junto ao mar…

A floreira da tua lápide recheada de flores,

E palavras de saudade,

 

A partida, meu amor,

A partida das árvores e dos pássaros,

A partida do livro em beijos e abraços…

 

Nas estátuas de sal…

 

O levante teus seios na ausência da escuridão.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 13 de Julho de 2017

quarta-feira, 12 de julho de 2017

A arte de ser poeta


As palavras escrevem-se no rosário da noite,

Crescem livros de porcelana,

Relógios de Sol…

Telas em branco saboreando os pincéis da solidão,

Deito-me nesta cama,

E sem palmilhar este chão,

Agreste como aqueles que não têm pão,

O trigo invade a seara,

Desce a montanha…

E perde-se na razão.

 

 

As palavras ardem nesta fogueira,

Coração fraccionado e em pedacinhos,

 

Sempre que não regressa a tarde.

 

 

As palavras que escrevo no teu corpo,

Os livros que construo no teu cabelo lamacento depois das chuvas de Verão,

Seca o capim,

Fica a terra seca e gretada pela confusão das crianças que brincam sem parar,

 

E adormecem como gaivotas,

 

 

Que a noite os traga de volta.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 12 de Julho de 2017

terça-feira, 11 de julho de 2017

O capim da saudade


A casa descalça no sombrio destino da pele camuflada pelo capim da saudade,

O cacimbo poisa docemente no teu sorriso, como uma gaivota de vento enrolada na árvore da solidão,

Foge de mim e abraça-se à liberdade…

Até que a noite se veste de negro…. E no chão

Queimado pelo suor do teu cabelo, levita na imensidão do Universo…

Escrevo-te este pobre verso,

Sem saber se saberás ler,

Ou escrever,

 

Um tentáculo de papel absorve-te na ribeira da montanha adormecida,

Sinto o levante amante que sou nas tuas lágrimas,

Como uma pedra ressequida…

Do velho xisto exposto ao Sol da manhã embainhada na espada da serpente envenenada pelo silêncio,

E dou-me conta que sou apenas eu neste inferno…

 

Viver é passar os dias aqui sentado a olhar o mar suicidado numa tarde de Verão,

Viver é passear-me com o teu caderno debaixo do braço esquerdo,

Onde guardo a tua carta de despedida…

E o teu pedido de partir,

 

E a fuga é uma miragem com vista para o mar…

 

Assombrado,

 

Reconheço que da tua ausência nasceu um poema parvo,

Tão parvo que tenho vergonha de o transcrever para o papel…

 

Encerro docemente o caderno na minha mão e escondo-me de ti.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 11 de Julho de 2017

domingo, 9 de julho de 2017

Sonho desmiolado


Onde adormece o corpo que desapareceu na madrugada!

Estou aqui,

Sentado à lareira,

Estou aqui escrevendo palavras para queimar na lareira…

Antes de adormecer,

Estou aqui,

Esperando que regresse o sonho da clandestina noite sem escuridão,

Aqui…

Aqui me encontras, todos os dias, e todas as noites,

Perdi o barco da infância,

Perdi a terra húmida de quando criança,

Aqui,

Aqui me encontro, à tua espera, sonho desmiolado,

Aqui sentado,

Aqui me encontras,

Sonolento dia sem alvorada,

Estou aqui,

Todos os dias, e todas as horas,

Aqui me encontras, aqui me encontras antes de morrer,

Todos os dias,

Todas as noites…

A todas as horas.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 9 de Julho de 2017

sábado, 8 de julho de 2017

O homem suicidado (IV)


Uma caneta cravada no peito,

Jorram palavras amargas das veias do poeta,

O homem suicidado deita-se no chão firme junto ao mar…

Uma árvore cintila no vento invisível da noite,

A morte,

O homem suicidado sorri das flores sobre o seu corpo,

A cada dia, uma amoreira dorme,

Sonha…

Inventa desenhos no silêncio da escuridão,

A viagem renasce ao nascer do Sol,

A aventura de galgar os rochedos da solidão,

Adormecidos os corpos nos fósforos da miséria…

O poema grita,

Chora…

Uma caneta cravada no peito do artista,

O fim aproxima-se enquanto lá fora uma criança brinca…

E chora,

O poeta grita…

E morre na tua mão.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 8 de Julho de 2017

quinta-feira, 6 de julho de 2017

As faúlhas que dormem na escuridão


Era teu, meu amor,

Agora pertenço ao grupo dos desalojados locais,

Apátrida,

Silencioso esquecimento das nuvens em flor,

Solstício da saudade, e lá ao longe, muito longe… um jardim de silêncios envenenados pela escuridão,

Onde adormecem as faúlhas,

Onde poisam todos os pássaros em papel,

Antes do nascimento do Sol…

Terra queimada,

Húmus da liberdade condicional,

Os livros suspensos no teu olhar…

Quando cai a noite,

Ausento-me,

Desapareço no horizonte…

E aproximo-me de ti como fazem as gaivotas na Primavera,

Abraçam-te,

Abraçam-te enquanto um velho relógio se engasga entre ao catorze e as quinze horas,

E morre…

E morre no pulso do poeta,

 

As faúlhas ventiladas das noites em claro,

A clarabóia do destino encalhada nas estrelas,

Como eu, como eu depois da partida do ausentado destino…

Velho, velho de morrer.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 6 de Julho de 2017