2 anos de blogue Cachimbo de Água
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
Cabelos de vento
Não saberia esquecer-te se eu pudesse recordar-te,
saciar-me com a tua boca quando nada alimenta as manhãs de Inverno,
eu, invento o tempo, o dia, desenhando a noite no teu corpo ensonado,
procuro-me misturando a insónia com os delírios das palavras
incandescentes, húmidas quando derretidas nas planas pistas de
veludo onde dormes eternamente, e esperas-me, e escreves-me
livremente nas paredes da solidão liquefeita, e uma asa de papel vai
esconder-se dentro de uma nuvem de prazer,
(começo a não perceber o que escrevi
apressadamente num pedaço de papel sobre os joelhos),
Esqueço o orgulho, escondo a tristeza, pego no
telemóvel e marco o teu número, uma voz de chocolate diz-me que...
O número que marcou não se encontra atribuído,
E eu, começo, a cada milímetro que me aproximo do
rio, a acreditar, a acreditar que afinal
Nunca exististe, tal como eu, que pertenço aos
assombrados murmúrios das distantes letras de sabão, inventaste-me
louco para te distanciares de mim, inventaste-me a miserabilidade
pela mesma razão da loucura, e depois queres fazer-me acreditar
Que a lua é quadrada, que as pedras são as
lágrimas das estrelas, e que o mar, e que o mar vive num buraco com
grandessíssimas hélices de vidro, como o amor, clandestino, debaixo
de uma árvore, ao lado da árvore vive uma casa, dentro da casa uma
mulher com cabelos de vento, e dentro dos cabelos de vento
(começo a não perceber o que escrevi
apressadamente num pedaço de papel sobre os joelhos), o número que
marcou não se encontra atribuído, e depois querem fazer-me
acreditar que a noite é negra, que as cidades têm ruas sem saída,
e que nas calçadas habitam pedaços de cartão onde se embrulham
homens, mulheres, crianças
Pode lá ser possível,
E dentro dos cabelos de vento uma gaivota com
lágrimas de Primavera traz-nos livros que o cacilheiro náufrago
derramou sobre o Tejo, poemas, frases, palavras sem nexo como as
árvores do quintal de Carvalhais, coisas, poucas, algumas, o sangue
derramado na secretária imaginária que a mulher com cabelos de
vento
Dentro da casa, uma cadeira, duas mesas de madeira,
dois tristes corações com lâmpadas de halogéneo, do
electrocardiograma nada a salientar, normalíssimo, o RX pulmonar
apenas algumas sombras, provavelmente devido ao dia com alguma
nebulosidade, como as janelas quando vêm as marés de azoto e roubam
do parapeito os discretos vasos de cerâmica, (Nunca exististe, tal
como eu, que pertenço aos assombrados murmúrios das distantes
letras de sabão, inventaste-me louco para te distanciares de mim,
inventaste-me a miserabilidade pela mesma razão da loucura), e hoje
apetecia-me um Sábado louco sobre a mesa de uma cave no interior de
uma ruela escura, suja e imunda, como os navios regressados de ontem,
Perdi-me nas clareiras tuas faces pontiagudas, e dos
alicerces teus lábios, uma corrente de aço não me deixa aproximar,
e quando me perguntam o que tenho a declarar, respondo
Nada, Excelência, apenas que se faça justiça,
E assim foi,
(Não saberia esquecer-te se eu pudesse recordar-te,
saciar-me com a tua boca quando nada alimenta as manhãs de Inverno,
eu, invento o tempo, o dia, desenhando a noite no teu corpo ensonado,
procuro-me misturando a insónia com os delírios das palavras
incandescentes, húmidas quando derretidas nas planas pistas de
veludo onde dormes eternamente, e esperas-me, e escreves-me
livremente nas paredes da solidão liquefeita, e uma asa de papel vai
esconder-se dentro de uma nuvem de prazer),
Qual será a raiz quadrada do AMOR?
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
Os nossos delírios anseios
Das raízes dos teus olhos, há o vento campestre,
triste, e ausente, há as campânulas de silêncio embainhadas nos
sabres lentos da insónia, há, havia ontem palavras por escrever,
escritas depois da montanha em sonolência começar a descer, a
descer, a descer como descem os corpos embalsamados que poisam nos
jardins sem secretismos lábios em beijos, ou
Os nossos delírios anseios,
Os bolos de chocolate sobre a mesa na sala, deixamos
de ter iluminação artificial, por opção própria, a mesa espera
pacientemente pelo regresso dos convidados ossos com chapéus de
pólen, uma criança, a filha da Alice, insignificante sorriso com
espinhas e restos de morango, ela dança, ela está alegre, e porquê?
Apenas
Talvez
Ainda não percebi se o faz por ser louca,
indesejada, ou, ou porque amanhã vai receber das mãos do tio
Augusto um livro de COLETTE “GIGI”, está lindíssima a mulher da
capa a olhar para as janelas? Da cidade em desalinho, a elegância
das palavras, dos sons, dos automóveis camuflados de ervas daninhas,
(não sei se conseguirei sorrir depois de ler o
jornal)
Uma tristeza em desenhos alicerça-se no meu peito,
uma mulher com cabelo preto e lábios elegantes, lança-me um corda
com inúmeros nós, muitos, infinitos, como os anzóis que o rio come
e depois acordam debaixo das pedras pintadas de fresco
“CUIDADO – PINTADO DE FRESCO”
Distraidamente, sempre eu distraidamente, sento-me
no alegre banco de jardim acabo de nascer, as ripas de madeira como
se existisse entre eu e elas um pedaço papel-químico,
transportam-se para as minhas agastadas calças de ganga,
velhíssimas, e robustas, como os petroleiros que atravessam o Tejo e
depois acabam por se esconder num qualquer bar de uma ruela
inconsciente da Lisboa perdida numa simplificada folha de papel,
queixavas-te dos sons nocturnos das asas em voos rasantes das
gaivotas embrulhadas em fome, sede, e falta de dinheiro,
Ouviam-se os sucessivos suicídios dos cigarros de
enrolar contra os rochedos,
Como as árvores quando desistem de viver,
“CUIDADO – PINTADO DE FRESCO”, (NÃO SEI SE
CONSEGUIREI SORRIR DEPOIS DE LER O JORNAL), e ela acredita na
ressurreição,
GIGI olha-nos, GIGI grita-nos, GIGI deita a cabeça
no teu colo construído de verdes e iluminados pensamentos como uma
candeia a petróleo que encontramos dentro da parede da cozinha,
quando, alguns meses antes da nossa partida, no interior da espessa
parede de xisto ela esperava pelo teu sorriso, e pergunto-me
Porque todos e todos necessitam do teu sorriso
apenas meu? (saberá uma rosa o que é o amor e o quanto ele é
fodido?), e
E,
(Das raízes dos teus olhos, há o vento campestre,
triste, e ausente, há as campânulas de silêncio embainhadas nos
sabres lentos da insónia, há, havia ontem palavras por escrever,
escritas depois da montanha em sonolência começar a descer, a
descer, a descer como descem os corpos embalsamados que poisam nos
jardins sem secretismos lábios em beijos, ou), ou GIGI
transformar-se-á em estrela de luz com olhos de papel de muitas
cores, ou, eu, com mandíbulas de aço inoxidável roubo a lua
Ofereço-te-a,
Ou
E,
Peço aos trapezistas das noites ausente de ti, e
procuro-me dentro do teu corpo liquefeito, que a fórmula da paixão
escreve-se nos muros finos e altos entre os edifícios da cidade
velha, há ruas com reumatismo e ensonadas com pingos de asma, há
ruas com dores diversas nos diversos ossos em diversas noites, de
diversos dias, quando as semanas se escoam como líquidos
termodinâmicamente estáveis, e sinceros na esbelteza das asas de
cartolina de uma mulher escondida numa das ruas anteriormente
descritas, como as ratazanas, e há ruas como há pássaros, há
crianças como há cadáveres, na minha nossa velha cidade com
telhado de areia,
E procuro-me no interior de um círculo de coxas com
cubos de púbis, geometricamente a manhã acorda só para nós, mas
ambos sabemos que a falsidade habita no exterior de uma janela de
vidro, sobre um telhado de zinco, no quinta juntamente com pedaços
de capim, húmidas pedras em húmidos orgasmos entre as palavras e os
desenhos pintados nos teus seios de amêndoa,
Ou
E,
“CUIDADO – PINTADO DE FRESCO”,
(E procuro-me dentro do teu corpo liquefeito, que a
fórmula da paixão escreve-se nos muros finos e altos entre os
edifícios da cidade velha, há ruas com reumatismo e ensonadas com
pingos de asma, há ruas com dores diversas nos diversos ossos em
diversas noites, de diversos dias)
Como o amor das rosas em papel.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Seda amanhecer
Procuro-me dentro de ti
como se fosse uma simples fatia de bolo
penso nas indecisas chamas da lareira
acesa
e entre nós
começam a sorrir as acácias e os
crisântemos
e cada pedacinho de mim
saltita como uma gota de água
em prazer
deslizando na tua pele
e sinto-me em perfume
dentro do teu corpo
como a fome insaciável das tuas mãos
de seda amanhecer.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
domingo, 24 de fevereiro de 2013
Três imagens com sabor a preto e branco
Hotel da Torre. Novembro de 2004.
Abro a janela, é madrugada e não vejo o sol, fumo
os meus primeiros três cigarros matinais, um ritual que eu
acreditava que só terminaria quando eu morresse, até ao momento não
morri, e perdi o ritual dos três cigarros, como perdi tantas outras
coisas, ao longe oiço o soluçar do Tejo quando é invadido pelos
olhares dos mendigos, descem alguns automóveis a pequena calçada
até ao jardim, está escuro ainda, dormes, embrulhada num lençol
branco bordado a rimas com sabor a saudade, volto a olhar através da
janela, os poucos automóveis, as poucas pessoas, as poucas gaivotas,
de um Sábado de Novembro, começam vagarosamente a acordar, de
soslaio olhas-me e perguntas-me
Que horas são, meu querido?
Finjo estar também a dormir, encostado à paisagem,
e respondo-te que são cerca das sete horas e que o dia está
lentamente a acordar, só e triste,
Viras-te de encontro à sombra ténue da projecção
da vidraça na parede do quarto, deixas, lentamente, cair a cabeça
sobre a almofada de areia que trouxemos do mar, e voltas a adormecer,
docemente, como as nuvens que se avizinham, e que repentinamente
estão sobre nós,
(preciso de dizer-te que será a última noite nos
teus braços),
Covardemente não o faço, não o digo, e vou
acendendo os cigarros últimos que restam dentro de uma caixinha de
madeira, deixar-te um bilhete sobre a mesa-de-cabeceira? Nunca o
faria...
Uma picareta se sonho invade-me e absorve-me,
encerro a janela, e de um duche rápido, desço as escadas e
apronto-me para mais um dos meus rituais, os meus dois primeiros
cafés do dia, um Sábado de Novembro, triste, encharcado com as
plumas da noite anterior que aos poucos tinha terminado, e eu
sabia-o, e eu sempre o soube
Que era o último Sábado de Novembro,
E fique sentado numa mesa de café a olhar a luz
ofuscante do começo de uma manhã entristecida, cansada, e sem
vontade de regressar ao Hotel da Torre, mas regressei, e depois
despedi-me da tua eterna sombra no meio de um feira de velharias,
disse-te adeus, e apeteceu-me comprar um chapéu dos militares da
antiga URSS, não sei porque o não fiz.
Belém. Setembro de1971.
Do outro lado da margem, sentado no chão e de
pernas cruzadas, um militar vestido com roupa civil fumava cigarros e
olhava longínquo o rio acabado de adormecer, começava lentamente a
descer a noite sobre uma Lisboa escura, triste, uma Lisboa onde os
machimbombos se chamavam autocarros, onde tantas outras coisas se
chamavam tantas outras coisas, uma Lisboa à espera de um miúdo com
hábitos de brincar debaixo das mangueiras, um miúdo que acreditava
que os papagaios de papel eram jangadas de vidro com ventosas para as
mulheres (crescidas) colarem no pescoço, um miúdo, um miúdo
encavalitado nas grades de um navio prestes a encostar-se ao Terminal
de Cruzeiros da Rocha de Conde de Óbidos, um miúdo dentro de uma
caixa de madeira com destino aos socalcos do Douro,
Um miúdo com saudades do mar, e das tardes com os
cheiros da terra húmida e do capim depois das chuvas.
Belém. Agosto de 1987.
Diziam-nos que a morte era um telefone com linhas
cruzadas, marcava o respectivo número e do outro lado da linha,
sempre, quase sempre, uma menina com voz de cravo vermelho dizia-me
Peço desculpa, mas deve ser engano,
Engano, questionava-me,
Engano como?
Se tinha sido este o número que ela na noite
anterior escreveu num pedaço de guardanapo, que eu, que eu fiz
questão de guardar religiosamente na algibeira, juntamente com os
cigarros e o isqueiro, e as poucas moedas que sobejaram, como
Como engano?
Ouvia-as passearem-se no distante corredor, e fica
na dúvida
(serão ratazanas ou estou a sonhar?)
E percebi que não estava a sonhar quando uma noite,
muito avançada, regresso de um voo nocturno e vejo um camarada meu
com uma ratazana espetada na ponta do cabo de madeira de uma vassoura
a que tinham subtraído um pedaço de madeira, ela balançava,
esguichava, estrebuchava, até que
Morreu sem perceber que a morte é um telefone com
linhas cruzadas.
Hotel da Torre. Novembro de 2004.
Depois de observar durante alguns longos segundos o
chapéu de um antigo militar da EX-URSS e que acabei por não
comprar, pensei
Quem, imaginei um louco sempre embriagado com vodka
com aquele chapéu na cabeça, pensei nos berros os oficiais também
eles embriagados, pensei nos campos de trabalhos forçados na
Sibéria, pensei
Não pensava,
Desculpas para me esquecer da tua partida, depois
quis comprar um pequeno cachimbo de madeira, peguei nele, manuseei-o
como se fosse uma peça de porcelana em risco de ruir, e com todo o
cuidado lembrei-me de quantas bocas tinham aprisionado o bocal, achei
um nojo e acabei por me virar para uma pilha de livros, velhos, muito
velhos, depois
Pedaços de latão em imagens a preto e branco,
soldados com braços de prata e línguas mergulhadas em sexos murchos
quando a penumbra das sílabas entra pela janela, e
Apetecia-me esquecer-me, apetece-me esquecer
Que aquele Sábado de Novembro de 2004 nunca
existiu, como nunca existiu o Setembro de 1971, nem o Agosto de 1987,
Alijó. Fevereiro de 2013
E hoje,
Não sei se algum dia existiu um cidade chamada
Lisboa com um rio de nome Tejo e um local lindíssimo com o nome de
Belém,
Duvido.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
E depois?
Desenho letras no muro das tuas coxas onduladas
debaixo das gotas nuas de água em silêncio, tenho medo, pergunto-me
E depois? Quando o muro se transformar em jardim com
flores de seda e coloridas abelhas cantando, e depois?
Poisadas nos mamilos da sede, sem que eu perceba
onde fica o bosque, e a canção que é filha do bosque, e os
pássaros, e os restantes muros
Desenho letras nas tuas coxas, e tenho o medo, e a
vaidade, e tenho o sentido que não sinto, e depois, sento-me sobre o
papel amarrotado das tardes violentas que os segredos do Inverno
inventam nas tuas pequenas mãos, tenho pena
Dos teus ínfimos dedos, esbeltos, finos, e
transparentes,
Como a água dos rios sem nome, sem destino,
livremente correndo até ao mar, correndo, correndo, regressando os
pinheiros mansos das eternas manhãs sem vidros nas janelas que têm
visão nocturna para as rochas tuas coxas, aquelas
Onde desenhas letras? Exactamente, meu amor, essas
mesmo, um muro de carne e sedução, curvadas à direita, e à
esquerda, embebidas às vezes, ou sempre, no desejo infinito coração
com sílabas de pétalas agrestes, como os livros tristes e cansados
dos homens sem nome, sem vida, sem viabilidade económica, sós, e
abandonadas
Por quem?
Pelos caminhos onde deambulam peugadas, e algumas
delas, poucas, que se escondem nas pedras pequeninas dos teus dóceis
dedos de fio iluminado pelos lábios da lua, escrevo as letras que
desenho nas tuas coxas, preocupo-me, muito, e pergunto-me
E quando terminarem as tuas coxas? E se eu ficar sem
o teu corpo, sem a tua sombra, e se eu perder os teus olhos, a tua
boca, e se eu
Te perder numa tempestade de areia?
Gostava das tuas mãos quando me desenhavam letras
nas minhas coxas, recordas-me as árvores da nossa infância, a
minha, a tua, separadas por um muro alto e fino de cimento armado, eu
atirava pedras para o teu território, tu, mais amoroso, atiravas-me
rosas em papel, uma tarde, furiosa, eu, parti-te a cabeça com uma
pedra, fiquei triste naquele momento, depois, durante a noite, sorri,
sorri, sorri até que percebi o que era o amor, a paixão e as pedras
não serviam apenas para partir cabeças de meninos mimados, filhos
únicos, as pedras também serviam para eu perceber o que era a
paixão
Por quem?
Pelos caminhos onde deambulam peugadas,
E,
Invejava a pontaria da avó Silvina e do tio
Serafim, lançavam pedras e caiam estrelas do céu, ao revés, eu,
lançava uma pedra contra uma árvore (alguém durante a noite
escreveu EU MAIS TU – AGOSTO DE 1989) onde brincava um pássaro, e
partia o vidro da janela da escola, nunca, nunca tive jeito para o
lançamento de pedras e para jogar à bola, e meu Deus, Meu Deus...
quantos vidros estilhaçados, quantas espigas de milho esmigalhadas,
mas estrelas, não estrelas, nunca tive uma estrela, e por quem?
(E quando terminarem as tuas coxas? E se eu ficar
sem o teu corpo, sem a tua sombra, e se eu perder os teus olhos, a
tua boca, e se eu
Te perder numa tempestade de areia?),
E invejava as letras desenhadas nas coxas que fugiam
como os barcos, leves, com o vento, escorregadios como lânguidos
gemidos de orvalho, sentíamos as luzes dos livros embrulhados nas
tristes maçãs da macieira do quintal, e subíamos pelas escadas da
insónia até chegarmos ao varandim com janelas de sangue onde às
vezes dormiam os vampiros, os verdadeiros, aqueles que nos chupavam o
sangue antes de adormecermos, os mesmos, aqueles que nos roubaram os
sonhos, e sempre belas as fotografias a preto e branco, e um dia,
desceremos das nuvens, vamos calçar os sapatos com biqueira
pontiaguda e com salto alto que deixamos junto ao Tejo, e talvez, e
talvez sobre uma mesa estacionada num dos bares de Cais do Sodré,
EU MAIS TU – AGOSTO DE 1989, desça de uma árvore de casca grossa,
difícil de decifrar, como as equações com integrais que
resolvíamos sentados num banco de jardim, debaixo de uma...
E sobravam-nos, não poderei dizer sempre, mas quase
sempre,
Letras do muro das tuas
coxas onduladas debaixo das gotas nuas de água em silêncio, tinha
medo, perguntava-me
E depois? Quando o muro se transformar em jardim com
flores de seda e coloridas abelhas cantando, e depois?
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
sábado, 23 de fevereiro de 2013
Libertação
Liberto-me das flores
dos espinhos em sítios distantes
como os amores
os amantes
liberto-me das pedras falantes
dos gritos distintos e ausentes
liberto-me dos corpos húmidos das
manhãs de Primavera
como sempre ontem adormecia no teu colo
imaginário
e tão bela
ela
dentro do aquário
como os lábios de um louco
milionário...
Liberto-me das palavras não me
pertencerem
e das asas as gaivotas enlouquecerem
liberto-me sem perceberes que sou louco
e apaixonado
pelos livros com braços abraçados
e pelos livros com os olhos cansados
liberto-me da noite solitária entre o
mar e o barco ancorado,
Liberto-me da ceia
infinita seara de mendigos com cerveja
liberto-me da cereja
dentro de um pão
que semeia
a triste ilusão
de um pobre coração
acreditando acreditar nas janelas de
vidro do casarão.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Inventaste-me o sono das noites de água
Inventas o espelho, e o caixilho onde dorme o
espelho, inventas o prego, onde penduras o espelho, e a parede,
inventada por ti, inventas a sombra que escurece o espelho, onde te
olhas, onde fumas, o cigarro inventado, pela secura do silêncio
agachado no pavimento ósseo com ripas de fumo e pedacinhos de suor
da tua pele perfumada, a água inventada, inventas com as tuas mãos
as calibradas pálpebras (de) (da) madrugada, perdem-se os sossegados
momentos de literatura dentro da esplanada vestida com as roupas por
ti, inventadas
Todos Todas Adivinhos,
Dos murmurados alpendres onde me arrumavas os braços
e as pernas depois de me usares,
Acordavas cedo, puxavas as cordas da noite e
começava a clarear o dia, inventavas
Descobri tardiamente
Que inventavas os dias só para mim, como o
jardineiro quando sente que uma fina pétala se desprende do
esqueleto da Cinderela e também ele, inventa as espinhas que
sobejaram dos peixes de madeira que a filha fez numa das aulas de
Trabalhos Manuais, ele aprendeu a pregar botões e a fazer uma
simples instalação eléctrica, e com alguma picadelas nos dedos de
areia
Descobri tardiamente que não tinha jeito para
invenções,
De areia como as línguas de fogo que começaram a
descer dos telhados de vidro das casas dos mais enlouquecidos pasteis
de nata, do Rossio até Belém, aproveitando o vento e o sabor a
morango do rio, a cidade ia ficando-se
Como tu antes de inventares esse maldito espelho
onde te olhas ao acordar, a janela do dia de ontem, onde vês o
restaurante encerrado por falta de clientes, as cadeiras vazias onde
se sentavam as galdérias noites e candeeiros a petróleo que a
cidade rejeitava, ouvíamos um banco de jardim a passear junto à
Torre de Belém, fumava cigarros de enrolar, tinha na cabeça uma
pano vermelho, e era alimentado por painéis lunares, e
Saltitava-lhe da voz
Todos Todas Adivinhos,
A rouquidão do prazer quando os mamilos da
Cinderela, colorida com os lápis de cor da miúda, a filha da
Rosalinda, chegava da escola, e poisava a mochila no pátio de gelo
em frente ao pindérico jardim onde brincava um casebre empobrecido,
delata, e um olho em xisto, E
E
Saltitavam-lhe da voz as laranjas podres e os limões
sem as palavras que tu
(Inventas no espelho, e no caixilho onde dorme o
espelho, inventas no prego, onde penduras o espelho, e na parede,
inventada por ti, inventas na sombra que escurece no espelho, onde te
olhas, onde fumas, no cigarro inventado, pela secura do silêncio
agachado no pavimento ósseo com ripas de fumo e pedacinhos de suor
da tua pele perfumada, na água inventada, inventas com as tuas mãos
as calibradas pálpebras (de) (da) madrugada, perdem-se nos
sossegados momentos de literatura dentro da esplanada vestida como as
roupas por ti, inventadas
Todos Todas Adivinhos),
Inventavas os diários de prata, de uma cigarreira
simples, modesta, honesta, uniformemente acelerada, como o movimento
dos teus olhos depois de fazeres O Amor,
Esquadro, Régua, Lápis e Borracha, Uma folha
eterna de papel
E o dito O Amor deixa as marcas de sujidade nas
nuvens dos céus tempestuosos da cidade envergonhada, a casa
Treme, o teu espelho
Recordas-te? Aquele, o inventado por ti...
Esboça pequenos círculos de Ilhas embebidas em
vulcões e andorinhas selvagens, e vêem-se os distantes rochedos
onde deixavas as minhas cartas, e depois, de mastigares todas as
minhas palavras, inventavas-me entre os pilares de açúcar e o medo
das noites com lâmpadas quadradas nas paredes de vidro dos tectos
falsos das gargantas das mulheres apaixonadas, pelo vento entravam
todas as manchas de óleo e os pedaços de saliva, que o mar, do
outro lado da cidade, cuspia contra os táxis e os barquinhos de
papel com desenhos de flores e casinhas castanhas com uma árvore
negra, hoje, logo hoje, perdi as palavras dos teus cabelos
Castanhos,
Negros,
Azuis quando desces à fundo do Oceano,
(de suor da tua pele perfumada, na água inventada,
inventas com as tuas mãos as calibradas pálpebras (de) (da)
madrugada), e vinte e oito anos depois, a morte, a morte trouxe-lhe o
sossego, a morte trouxe-lhe a paz, a morte trouxe-lhe o encantado
quarto enfeitado com verdes panos e lilases veludos que a mesma morte
tinha comprado em São Tomé e Príncipe, e descansasse na Paz dos
Anjos,
Como qualquer espelho inventado tem direito.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
Manhãs sem rio
Um compartimento exíguo, aquilo que me define, o
que sou, milímetros quadrados de nada, sem janelas, portas ou
madrugada,
Do meu soalho, com algumas ranhuras, vê-se o sol, e
facilmente se percebe que eu, ou seja, o meu compartimento está
invertido, rodado cento e oitenta graus, talvez durante a noite,
talvez quando acordou o dia, talvez
As portas sem madrugada,
Ou
Corações sem nada, simples, mistos, entre fios e
hastes helicoidais, animais de estimação e um cão, com voz rouca,
sofrendo, as mentiras de uma infinita palavra, começada por hoje e
terminada em...
Nada,
Ou,
Do meu pobre soalho vejo além do sol, o rio das
lágrimas doiradas, vejo também as desorientadas luzes dos dias que
construíste sem a minha autorização, rodeaste-me de mentiras e
falsidades, de equações do terceiro grau, as incógnitas
desapareciam entre o papel quadriculado e o lápis de desenho, e
percebi que não tinha jeito para ser engenheiro, nem letrado, nasci
para ser um ser desprovido de tudo, eis a única felicidade de mim,
não ter, não ser
Nada, madrugada, corações sem nada, sobre os
pinheiros iluminados pelo perfume doentio das manhãs sem rio, e o
cio?
O que tem o cio?
Tem frio?
Ou, também ele, como eu, um ser desorganizado,
indiferente ao perfume com sabor a nafta dos barcos de papel quando
atravessam a estrada ziguezagueada das loucas locomotivas que os
pássaros deixam cair sobre as cabeças empastadas de laca
E às vezes
Sinto-os,
Sobre mim,
Ou
Também eles, como eu, um ser desorganizado e sem
destino à vista, com uma previsão de sucesso de zero vírgula zero
zero um por cento, fantástico, fascinante, e descubro que é mais
fácil levar com um parafuso de um satélite na cabeça do que
acertar na combinação correcta do euro milhões, sobre mim, tudo
bem, análises normais, radiografias normais, e tirando a insónia
dos teus olhos sempre suspensos no tecto do meu quarto, eu diria que
Sou um ser humano normal, feliz, sucessivamente a
tropeçar nas pedras invisíveis que as palavras arrumam dentro dos
caixotes de lixo semeados pelas ruas estreitas e largas da cidade com
garganta de vidro e um simples olho de diamante lapidado pelas mãos
de uma linda e nobre flor,
Estupidamente
O teu Príncipe imperfeito, sem jeito, nem afeito,
como os camelos encalhados nas ruelas do deserto, uso um capacete de
fibra de vidro para me proteger das possíveis agressões das
gaivotas revoltadas com as minhas palavras,
(por isto da escrita nem sempre agradamos a todos, e
tenho recebido algumas queixas, poucas, de gaivotas, alguns barcos de
recreio e de um livro que vive atormentando-me, veja-se que ele quer
passar à frente da lista de espera, quer isto dizer, nada, que a
madrugada, existe para me obrigar a sair da cama, e que a noite,
existe, para me obrigar a olhar os olhos suspensos da flor linda que
alguém inventou para mim),
Gostava de ti e nunca o disse, por algumas flores
são como os versos entrelaçados nas rimas com preguiça, enrolam-se
nas ervas junto à eira de Carvalhais, e depois, depois descem até
conseguirem rodar o meu exíguo compartimento cento e oitenta graus,
e através do meu soalho,
O sol é uma miragem, e através dos buracos do
soalho consigo com a minha mão acariciar o mar, e as algas com
sorriso de amar, porque às vezes, o amor
(Não é só fodido – livro de Miguel Esteves
Cardoso)
O amor pode causar danos irreversíveis no seu
coração de areia, seu, meu, nosso, o deles,
De todos os corações,
De todas as cores, de papel, plástico ou vinil,
todos
Eles,
Encalhados nas profundezas das aranhas com sete
patas de alumínio e com asas de casca de amêndoa, dinamicamente nas
algibeiras das equações quando as calças de cetim se rompem com a
força do vento, depois vem a estática, e as equações parecem
beijos moribundos e desenganados pelas ardósias das tardes junto à
lareira, e assim
Vai andando sobre rodas, o amor e o desejo de amar,
Como o relógio de bolso, o meu, que me espera
sentado na prateleira da minha estante na companhia de alguns livros,
cachimbos, e meninas de sorriso loiro,
E confesso
Não me apetece pegar-lhe.
(não revisto, ficção)
@Francisco Luís Fontinha
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
A paixão dos peixes
Procuro-te sabendo que não existes
e que pertences às palavras mórbidas
que as noites de Inverno inventam
e fazem-nos sonhar
que amamos a chuva
e o luar,
Procuro-te entre os muros pintados de
branco
com letras negras
e flores amarelas
procuro-te sem perceber porque te
escondes de mim
e escondes as cartas abstractas que
deixamos adormecer na saudade
dos pinheiros mansos do recreio da
escola,
Procuro-te sabendo que te escondes das
ditas conversas de café
quando uma simples mesa com pernas de
madeira
tropeça nas sílabas divinas que o teu
corpo transpira
e lança contra as lindas e amargas
moscas de incenso...
as varandas do eterno amor desejado
e perdes-te de mim sem perceberes os
destinos adormecidos do sangue,
A carne apodrece
e os ossos do amor nas tuas mãos
envergonhadas
que Deus deixou para mim à porta do
abismo sonho
e uma dor apodera-se do meu peito
submerso na paixão dos peixes
há pontes entre nós incompletas
defeituosas e ausentes
como todas as histórias,
Como todos os sinceros morcegos das
noites quentes
caem as estrelas sobre o mar
e comem todos os barcos de amar
e dizem que eu procuro fantasmas
nas letras cansadas do muro pintado de
branco
como as coisas belas do teu corpo
inexistente triste ausente,
Todas as pedras do amor com flores de
vidro
procuro-te sabendo que pertences às
sombras infinitas das equações diferenciais
mesmo sabendo que poderás estar dentro
de uma integral tripla
não sei
se algum dia pegarei na tua mão
e numa ardósia de fim tarde escrever –
AMO-TE.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Às paredes e às teias de aranha porque dançavam os meus desenhos
Ouvia-o nos meus sonhos, desligava-se a noite no
interruptor dos sentidos, acendia-se um cigarro que às vezes deixava
solitariamente sobre a cómoda, o isqueiro, algumas moedas, poucas,
sempre, e ouvia-o dançando na atmosfera helénica dos versos
amarfanhados pelos vómitos das plantas cansadas de sofrer, choravam,
todos, às vezes ouvia-o
Ouvia-os,
Choviam,
E eu,
E eu, eu ouvia-os dançando como pássaros
anti-tempestade, tracção às duas rodas, asas de liga leve, dentes
cromados com suspensórios de couro, e eu
Ouvia-o,
Ele chorava, amava-a pacientemente como quem ama uma
árvore e tem a perfeita consciência que não lhe pertence, porque
as árvores são livres, e ela não lhe pertencia (o coração)
porque ninguém é dono de ninguém, pedia emprestado o caderno e a
caneta, parvamente apaixonado, e não percebia que os bonecos de
borracha são mais saudáveis que os bonecos de palha, porque não
têm saudades, não sabem o que é o amor, e
Ouvia-o, ouvia-os,
Não sei,
E os bonecos de borracha dificilmente se constipam,
dificilmente se revoltam contra os governos democraticamente eleitos,
não sei, mas nos meus sonhos havia um desejo indesejado de voar
sobre a terra queimada, aprendeu matemática e começou a escrever, e
começou a desenhar, e começou a descambar
Como eles e elas,
Contra as paredes invisíveis que os outros bonecos,
os de palha, construíam nas noites de lua cheia, e eu
Ouvia-os,
Dançando abraçados aos meus míseros cigarros com
olhos imperfeitos e incolores e iletrados, liberdade para todos,
gritava alguém com palavras acesas em tinta vermelha no muro junto à
Igreja, eu tinha medo, dos sonhos, das marés com corpos embalsamados
de bonecos de palha, sempre, ainda hoje
Os bonecos de palha são escuros, interinos oficiais
das histórias de uma cidade desaparecida, eles são os guardiões
das portas secretas dos amores proibidos, amem-se livremente
Como se amam os barcos e as flores e as gaivotas e
os papagaios de muitas cores,
Mas
Amem-se, não como eu vos amei, mas amem-se como os
ouvíamos sobre a cómoda em busca de um silêncio submerso nas
palavras ditas em dias de quinta-feira, amem-se
Mas
Ainda hoje,
Ouvia-os,
Ouvíamos (Dançando abraçados aos meus míseros
cigarros com olhos imperfeitos e incolores e iletrados, liberdade
para todos, gritava alguém com palavras acesas em tinta vermelha no
muro junto à Igreja, eu tinha medo, dos sonhos, das marés com
corpos embalsamados de bonecos de palha, sempre, ainda hoje) os,
ouvíamos os homens que queimavam os bonecos de palha que se
recusavam a simplesmente a acenar com a cabeça, ora elevando-a, ora,
ora baixando-a
E eu perguntava-lhes
Custava seus palermas palhaços bonecos de palha?
Custava-vos alguma coisa dizerem que sim desenhando uma vénia no ar
com misturas de vapor de iodo e sal marinho, Custava-vos seus
palhaços cabeçudos?
E que sim, que sim, simplesmente
Sim,
E ela perguntava-lhes
(Desisto de perguntar às paredes e às teias de
aranha porque dançavam os meus desenhos que deixei nas paredes de
uma casa, num bairro, em Luanda),
E ela perguntava-lhes se sabiam que os sonhos
Sabiam que os sonhos são pedaços de papel com
códigos indecifráveis como as matrizes complexas e indesejadas
pelos saudosos bonecos de palha, porque os de borracha, esses, quase
sempre eram imunes às conversas sobre o amor e a paixão e a noite
das noites com sabor
A limão,
E cerejas dentadas como as rodas recheadas com mel e
aço inoxidável,
Dos beijos, dos vapores camuflados que habitavam as
esquinas assombradas das casas sem janelas, e ouvíamos
Dançando, gritando,
As palavras acesas em tinta vermelha no muro junto
à Igreja, eu tinha medo, dos sonhos, das marés com corpos
embalsamados de bonecos de palha, sempre, ainda hoje,
Os relógios sem vontade de dançarem,
Dançando, gritando,
(Ele chorava, amava-a pacientemente como quem ama
uma árvore e tem a perfeita consciência que não lhe pertence,
porque as árvores são livres, e ela não lhe pertencia (o coração)
porque ninguém é dono de ninguém, pedia emprestado o caderno e a
caneta, parvamente apaixonado, e não percebia que os bonecos de
borracha são mais saudáveis que os bonecos de palha, porque não
têm saudades, não sabem o que é o amor, e)
Também eu, também eu não sei o que é, o que são.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
Sílabas ósseas das palavras de vidro
Quando o amor emagrece
e morre
entre as sílabas ósseas das palavras
de vidro,
Quando entro em casa
quando tenho casa
e morto
ele
confessa-me que a tristeza o emagrece
e o amor enlouquece
um boneco de palha com sorriso de
veludo
cansaço,
Ele consulta o cardápio dos desejos
e não encontra abraços
nem beijos,
Desiste
e esconde-se no interior mais secreto
de um cilindro de madeira
ele procura
não encontra
a carta bela do amor morto
sem saber
desconhecendo
que as nuvens são apenas gotinhas de
água em desilusão
prestes a cair
sobre as flores mais distantes dos
jardins da morte
ele suspira
e emagrece nas mãos das sílabas
ósseas com palavras de vidro...
(desistes assim?)
O Comboio Fantasma
Um pouco tarde para quem acaba de perder a casa, a
vida, os olhos livres que mergulhavam nos lábios sangrentos dos
telhados de vidro, um pouco ou nada, ou tudo, porquê? Muito perfeito
como os diamantes das cansadas videiras sobre as mesas de xisto com
vista para o rio Douro, cansei-me deste rio tristemente aprisionado
numa fotografia esquecida na parede da cozinha, lá fora, há um
distante silêncio que atravessa as lâmpadas incandescentes dos
braços da água, aos poucos, poucos, quando chegas a casa e eu
tristemente, aos poucos, lá fora, esperando o desespero de uma
sandes de queijo com azeitonas e vinho, um pouco, tarde, perde-se a
vida crescida nas leituras litúrgicas dos candeeiros a petróleo,
gargantas ocas que flutuam no susto meteorológico das dentaduras com
sílabas de prata, e quando percebíamos, ouvíamos um pigmeu
cambaleando nas pedras desordenadas da calçada, um
Hoje vi a mais linda flor dos meus últimos minutos
de silêncio junto a um chafariz, por sua vez, este, junto, a uma
árvore, por sua vez, todos e ela inclusive, no centro de um largo
com cerca de três metros e cinquenta centímetros de Raio, talvez
mais, ou pouco, um
Ou dois, o chafariz e a árvore, esperavam o
autocarro, a flor, provavelmente esperava pela minha passagem, todos
os dias, uma vezes vou como sou, outras disfarçando-me de vento, mas
vou, e passo lá, e vejo-a, com sete pedras em placas finíssimas
como o fios de geada pela madrugada, o telegrama esperava-me, e ela
olhou-o como se ele fosse um pedaço de aço aos tropeções pela
cidade dos anjos caídos, mortos de cansaço como as pessoas de bom
senso, dizem que estou mais mal educado, pudera, um
Não percebi,
Onde estão os sonhos prometidos? Não sou rapazola
para fazer promessas que não posso cumprir, e as cumpridas vontades
do povo encurralado nas compridas camas espalhadas pela montanha do
círculos com árvores e chafarizes no centro, em redor, uma
Flor linda com pétalas de cristal, estava só e
provavelmente esperava o autocarro da carreira, ou, pela passagem do
machimbombo da catorze horas, um rua curva, estreita, como os seios
metafóricos das tuas palavras em ressonâncias magnéticas, oiço-os
quando viro levemente à direita, e sinto, sei que da esquerda, um
Comboio fantasma alerta-me que no final da linha,
quando chegar ao apeadeiro em ruínas, um
Círculo, uma árvore, um chafariz e uma flor, sem
que eu perceba, o que é uma flor linda com pétalas de Cristal, o
que faz ali, porque está ali, de onde é e para onde vai, se se pode
saber, sem o descaramento de o Cristal das pétalas estilhaçarem-se,
e os braços da prata geada solidificarem-se, sós, como todos os
dias quando chego ao final da linha, poiso os carris sobre a mesa, e
da marmita oferecida pelo Excelentíssimo Senhor D. Joaquim Francisco
de Francisco e Fernando Domingos de Solidão com Insónia, os meus
pais diziam-me
Cumprimenta o Senhor,
(e eu comprimentava, e eu fingia-me de morto para
não ouvir as preguiçosas mangas de camisa do dito Cabrão que todos
os dias fazia questão que eu, quando estivesse no alcance do seu
mais secreto círculo, me humilhasse, me
Boa tarde Excelentíssimo Senhor D. Joaquim
Francisco de Francisco e Fernando Domingos de Solidão com Insónia,
e ele umas vezes parecia um pedaço de rocha, outras
Vai com Deus meu rapaz, vai com Deus),
E educadamente cumprimentava o dito Cabrão com
olhos de açúcar e recheados com amendoins importados das
ex-colónias nunca nossas, como aprendíamos na escola, como aprendi
com outro rapazola que a terra de facto é de quem a trabalha, mas o
fruto, esse, pertence a quem o colhe, sempre foi assim, é assim com
os pássaros negros dos finais de tarde, foi assim com os pedaços de
cartolina onde eu desenhava laranjas e limões, e cidades como
petroleiros flutuantes antes de regressarem os loucos ruídos das
noites embebidas em pequeníssimos círculos, curtos, curtos cada vez
mais, até que a árvore e o chafariz e a linda flor com pétalas de
Cristal, apenas um
Ponto,
Final
Sem paragrafo.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
Um sofá com pele cuticular
Pilotavas corações nos jardins suspensos da
Babilónia, às Segundas, Quartas e Sextas voavas sobre as searas de
sorriso que submergiam nos mares distantes das nuvens de gelo que
desajeitadamente acordavam dos pulmões de porcelana dos homens
prateados com cintos de Cobre, às Terças e Quintas dançavas sobre
as mesas do Karamelo Doirado Bar, e aos Sábados e Domingos, dormias
como os pássaros nos ramos de papel das árvores de prata, não
respiravas, não sorrias, apetecia-te ficar
Triste,
Não havia em ti uma simples corrente de ar que se
erguesse dos teus olhos, não havia em ti um aparo à espera de uma
caneta recheada com tinta e uma maço de papel mata-borrão, E
triste, dizias-me tu quando eu acordava do meu sono longínquo que me
levava a atravessar as loucas montanhas do sono,
Triste não haver em nós uma corda de luz enrolada
numa janela de mar com periscópio para observação da cidade dos
quatro tristes cadáveres de areia, insónia, insónia com poucas
palavras entre paredes, pilares e vigas de aço, triste não haver em
nós
Eu, tu e ele, Tristes
Um sofá com pele cuticular espera-nos para se
alimentar dos nossos ossos, o teu corpo e o meu corpo, esqueléticos,
são absorvidos pelas mandíbulas das molas dos assentos com
almofadas de orvalho, o lago onde te sentavas a olhar-me enquanto eu
pilotava os corações dos jardins suspensos da Babilónia
desapareceu quando decidiu a noite esconder-se dentro de uma larva
com olhos mórbidos, também eles
Tristes, como nós, Eu, Tu e Ele, e todas as árvores
de prata,
Também eles, todos, os habitantes dos jardins
suspensos da Babilónia na expectativa de uma nova revolução entre
palavras e canções, pedaços de cartão alimentavam os cobertores
daqueles que sem casa, iam vivendo nas ruas com edifícios de
sofrimento, e quando lhes perguntávamos se eram felizes
Que sim, muito, como nós, Eu, Tu e Ele,
Como nós ao acordarmos e as lâmpadas dos
candeeiros poisados sobre as mesas-de-cabeceira, todas, fundidas, sem
seguro e inspecção periódica, às vezes, o corredor, é
literalmente abraçado a uma coima simbólica por parte de um sombra
com braços de cinza, o excesso de velocidade, fatal, contra a porta
da casa de banho, de um pequeníssimo postigo de morte, três
costelas e um pulmão queixam-se do fumo das plantas que fazem sorrir
os homens que pilotam corações de chocolate que vivem nos jardins
suspensos da Babilónia, felizes
(Um sofá com pele cuticular espera-nos para se
alimentar dos nossos ossos, o teu corpo e o meu corpo, esqueléticos,
são absorvidos pelas mandíbulas das molas dos assentos com
almofadas de orvalho, o lago onde te sentavas a olhar-me enquanto eu
pilotava os corações dos jardins suspensos da Babilónia
desapareceu quando decidiu a noite esconder-se dentro de uma larva
com olhos mórbidos, também eles), abrem-se as carapaças dos
submarinos encalhados nos bancos de areia, à escotilha, um homem e
uma mulher e uma criança (não tivemos tempo de determinar o
respectivo sexo e a idade), provavelmente do sexo masculino com cerca
de seis anos, cor da pele (não determinada), olhos (com a distância
não nos foi possível verificar a cor dos olhos), e sem qualquer
dúvida trazia ao nível dos ombros um par de asas azul marinho, como
os sapatos de verniz que o tio Francisco lhe tinha oferecido, eles,
os três orgasmos de sémen perdidos na ocidental praia das línguas
de serrim, Tristes, todas, e todos
Esperavam,
Acordavam,
Inseminavam,
Um sofá com pele cuticular sobre os joelhos da
cansada nuvem em descidas bruscas dos céus pintados de fresco nos
bancos de madeira debaixo dos plátanos-poemas que escrevíamos antes
do jantar, triste não haver em nós uma corda de luz enrolada numa
janela de mar com periscópio para observação da cidade dos quatro
tristes cadáveres de areia, insónia, insónia com poucas palavras
entre paredes, pilares e vigas de aço, triste não haver em nós
Eu, tu e ele, Tristes
O cio mergulhado no rio Xisto, barcos de medo
pendurados nas janelas viradas para a seara de gelo, nuvens
poeirentas nas abraçadeiras das pernas dos pássaros e flores livres
entre os corações avermelhados que o saudoso amor engolia nas
profundas goelas de saliva que a paixão deixa ficar nas mãos dos
pequenos livros de poesia, ontem
Eu, tu e ele, Tristes
Numa cidade de madeira, e
E
E às Segundas, Quartas e Sextas voavas sobre as
searas de sorriso que submergiam nos mares distantes das nuvens de
gelo que desajeitadamente acordavam dos pulmões de porcelana dos
homens prateados com cintos de Cobre, às Terças e Quintas dançavas
sobre as mesas do Karamelo Doirado Bar, e aos Sábados e Domingos,
dormias como os pássaros nos ramos de papel das árvores de prata,
não respiravas, não sorrias, apetecia-te ficar
Triste.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
Não falando nas noites
Um livro esquecido sobre uma mesa de vidro, os olhos
tristes da gaivota quando sobrevoa o oceano acreditando que as horas
são pedaços de papel à deriva no mar desenhado na areia por uma
menina com lágrimas de vidro em frente a um espelho de pano,
dividia-me entre manhãs de desencanto e tardes de loucura, não
falando nas noites
Ternura,
Pintávamos os nossos corpos invisíveis com
acrílicos que o velho do jardim das Pilas Murchas nos ofereceu no
dia de S. Valentim, tu primeiro, eu depois, pintamos o céu e as
estrelas e quando nos abraçávamos perguntavam-nos
Vocês são a noite?
Dizíamos-lhes que sim, claro, porque ter medo,
vergonha, dizíamos-lhes que éramos a noite disfarçada de janelas
com vidro duplo, cortinados de açafrão, e na porta de entrada para
a gaveta onde guardávamos os pincéis, as tintas, as telas, a mãe
das telas, e os filhos das telas, desenhos, construídos, em
construção, alguns desmaiados e à espera da chegada do 112, outros
Amarfanhados como ervas daninhas recheadas de restos
de cigarro e pólen de haxixe que saboreavam os desassossegos lábios
das abelhas revoltadas contra as árvores do recreio, as tuas
lágrimas de luz morriam como morreram todas as coisas que amei, os
livros, as crateras dos desejos secretos quando a noite me vinha
buscar e eu sentia-me transportado para dentro do teu coração de
aço, outros
Sem vida, já, estendidos pelo corredor, o cheiro
putrefacto da tela misturada com a tinta, um cadáver de quadro sem
tecto, morada, destino, ou vida, pindérico pequeno-almoço que me
serviam na enfermaria e eu sabia das lágrimas circulares depois de
lhes calcular a área e o respectivo perímetro,
Qual é o perímetro de uma lágrima?
Partindo do princípio que as lágrimas não são
círculos, porque têm volume, e que o perímetro de uma lágrima
calcula-se elevando a tristeza ao cubo multiplicando pela cor dos
olhos
Qual é a cor dos olhos dela? Verdes, verdes, tem a
certeza?
Então diria que o perímetro da lágrima dela é de
três vírgula catorze verdes searas lineares...
(Pintávamos os nossos corpos invisíveis com
acrílicos que o velho do jardim das Pilas Murchas nos ofereceu no
dia de S. Valentim, tu primeiro, eu depois, pintamos o céu e as
estrelas e quando nos abraçávamos perguntavam-nos), se éramos a
noite disfarçada de noite, tu, respondeste-lhe
Não, nós somos a noite disfarçada de amor, com
beijos, com asas, com vento e palavras parvas, com tardes cinzentas,
horas embebidas em ponteiros de relógios suspensos nas teias de
aranha das madeixas dos limoeiros da dona Aninhas, do galo que não
se cala, todos os dias, rabugento, enferrujado, rouco como os
cigarros de arame, tristes, tristes as tuas mãos com silêncios em
penas amarelas, verdes, azuis, encarnadas
Pareces um palhaço com ventoinhas nas pernas e
embrulhado num tecido quadricolor, depois tiveste o azar do teu
hipercubo se apaixonar por um gato, o gato mordeu-o e o hipercubo
fugiu, depois veio-te a carta do tio Hilário a comunicar-te que
Venho por este meio informar Vossa Excelência que os livros da
prateleira número três, rés-do-chão – Direito, por minha morte,
pertenceram à Biblioteca Pública da Aldeia das casas de vidro
(Que se foda o velho, nunca gostou de mim..., que
meta os livros pelo rabo acima)
Quero lá saber dos livros, do amor, do tio Hilário,
do perímetro, do volume, ou da área de uma lágrima, Porquê? Sou
mais feliz por saber essas coisas?
Não quero saber,
Não me interessa,
Quero lá saber da paixão do meu hipercubo por um
ranhoso gato, mimado, filho único como eu e maluco, como diz o povo,
ai o povo diz tanta coisa
Só não diz às vezes aquilo que devia dizer,
Como a gaveta mortuária onde dormem as telas
mortas, como a gaveta dos sonhos onde dormem um par de chaves e uma
lanterna, como
Quero lá saber dos livros, do amor, do tio Hilário,
do perímetro, do volume, ou da área de uma lágrima, Porquê? Sou
mais feliz por saber essas coisas?
Não quero saber,
Não me interessam,
Como será um hipercubo loucamente apaixonado por um
gato? Consegues imaginar?
Claro que consigo
É como nós,
Um dia é verde, outro dia é encarnado, e às vezes
alterna entre o azul e o amarelo, e nunca, e nunca elas se queixaram
por eu não saber calcular a área, o perímetro ou o volume de uma
simples lágrima, porque o segredo está
No coeficiente de tristeza.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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blogue Cachimbo de Água em destaque no Sapo Angola
(Trinta e seis cachimbos e uma
secretária)
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domingo, 17 de fevereiro de 2013
Luas noites
Me encantam as luas noites
que desenhávamos na areia húmida do
segredo nocturno
me encantam os sonhos circulares com
olhos de vidro
que tínhamos sobre a mesa-de-cabeceira
me encantam as tuas doces mãos
tórridas
que ancoravas no meu pescoço
trémulo
frio
longe do sol
me encantam as labaredas dos teus
lábios
incinerais como as algas que procuravas
no mar da ausência
me encantam as sílabas encarnadas dos
teus seios minúsculos,
Me encantam as lagoas azuis do teu
púbis metamorfoseado pelas tempestades de xisto
como as cinco palavras secretas do
abismo
me encantam as flores que se suspendem
nos ambíguos olhos da solidão
amorfos
embebidos nos transeuntes de pano que
habitam a cidade
me encantam as sebentas que a floresta
esconde nas algibeiras da madrugada
sem saber que o frio engorda as asas
dos pessegueiros
e o calor emagrece os ramos dos
pássaros
me encantam as laranjas que transformas
em sumo
néctar de oiro com pulseiras de
plátano adormecido
me encantam as tuas tristes lágrimas
de sabão
quando descem dos telhados de vidro as
salmonelas embalsamadas.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Trinta e seis cachimbos e uma secretária
Quando cai sobre mim o meteoro do teu desejo, e aos
poucos, em pedaços de luz, vai desfragmentando-se em grãos de
beijos com sabor a silêncio, com a janelas do jardim das imagens
encerradas, limito-me a desenhar no tecto das tuas mãos os orgasmos
de ruído que a própria desintegração provoca nas paredes frágeis
deixadas pelos antepassados pais em gesso e ripas e no interior palha
seca,
Sei que me odeias, pensas tu quando abres as minhas
cartas encalhadas nos rochedos que o mar da saudade esconde, um
submarino de dor entranha-se nas tuas finas pernas, e o torpedo do
amor rebenta contra os cabelos desassossegados que sobre ti deambulam
como as borboletas palavras dos tristes livros sem poemas,
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
Ontem,
Amanhã, quando uma resma de papel acordar sobre o
meu peito, (pediste do reciclado por causa do ambiente), mas
esqueceste-te dos meus olhos desde ontem, prisioneiros numa almofada
de cartão recheada com pedaços de amêndoa, tiraste-me os
candeeiros da mesa-de-cabeceira, e pintaste no espelho do guarda-fato
em espantalho de aço
Pergunto-te
Achas isso normal?
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
Ontem,
Quando cai sobre mim o meteoro do teu desejo, e aos
poucos, em pedaços de luz, vai desfragmentando-se em grãos de
beijos com sabor a silêncio, coisas suicidam-se nas manhãs de
segunda-feira, e amanhã uma coisa qualquer vai morrer,
desintegrar-se como fizeste com os meus olhos,
O que fiz eu aos teus olhos aparvalhadamente?
Deixaste-os, sós, sobre uma almofada de cartão
recheada com amêndoas...
E depois?
Tive medo dos muros de betão que estão a construir
à volta das nossas recordações, cada dia que passa, mais
longínquas, distantes, em cinza dizias tu quando o meu cachimbo se
apagava, e a noite entrava em nós como abelhas com sonhos nas asas e
amanheceres nos lábios,
E depois, depois o muro ergueu-se até ao céu,
colocaram-lhe sobre ele um tecto de lona, a a nova vida tornou-se num
circo ambulante com clarabóias de chocolate,
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
À procura das linhas interrompidas que o pavimento
da vida vai deixando submersas como as acácias de luz nos vidros
opacos das janelas do destino, acordei cedo, deixei de fumar os três
cigarros que fumava todos os dias ao acordar, pensava que não ia
conseguir sobreviver, acordar, andar, amar, ser o mar, a lua, o
cristal da paixão nas mãos de ti quando me abraçavas em
pensamento, e consegui, e estou vivo, mas há qualquer coisa sombria
nas tuas queridas mãos de seda, mas há
Que faço aos meus trinta e seis cachimbos?
Há um texto por escrever, há duas personagens que
precisam de viver, darmos-lhes vida, tarefas, imagens a preto e
branco, quem sabe, um filho, um miúdo de calções ou uma menina de
saia correndo em volta de um círculo de capim, ou
Que faço?
As árvores abandonadas pelas chamas desérticas que
trazias do teu mar e deixavas-as espalhadas pela casa da aldeia,
atiravas pedras aos pássaros, por engano, partiste a cabeça a um
rapazola da escola, ou da tua rua, ou alguém invisível que às
vezes te acompanhavam nas tuas loucas brincadeiras, Que faço?
São de madeira, ardem!,
E eu sabia que nas tuas pálpebras brancas viviam
socalcos desde o cimo da montanha até à linha férrea que circunda
o mais belo rio, não sei
(Se primeiro este ou o Tejo)
Talvez sejam os dois os mais belos, únicos,
artistas de circo que Portugal tem, hoje, hoje tenho saudades do Tejo
porque poucas vezes o olho, e quando o olho, vêm-me as distantes
lágrimas das manhãs de areia, e o Douro olho-o todos os dias bem lá
longe, como os seios de manteiga da menina Aurora que era telefonista
na companhia de seguros, eu, um simples corredor com portas, e um
tecto falso, e ela, uma secretária, em pura madeira virgem, louco,
louca
(Pura lã virgem),
E
Há um texto por escrever, há duas personagens que
precisam de viver, darmos-lhes vida, tarefas, imagens a preto e
branco, quem sabe, um filho, um miúdo de calções ou uma menina de
saia correndo em volta de um círculo de capim, ou
Que faço?
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
P.S.
“As árvores abandonadas pelas chamas desérticas
que trazias do teu mar e deixavas-as espalhadas pela casa da aldeia,
atiravas pedras aos pássaros, por engano, partiste a cabeça a um
rapazola da escola, ou da tua rua, ou alguém invisível que às
vezes te acompanhavam nas tuas loucas brincadeiras, Que faço?”
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