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foto de: A&M ART and Photos
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Despeço-me da vida inventando uma outra forma de
viver, despeço-me dos barcos reais e com âncoras e com correntes e
com pulmões e com mãos e com lábios e com beijos, e no entanto a
vida gira como uma roda dentada, fria, escura... despeço-me das
árvores levando a saudade dos pássaros, despeço-me dos cigarros
levando a saudade dos cigarros, despeço-me do amor levando na
algibeira o verdadeiro amor,
O medo de dizer
Amo-te,
De dizer que dentro dos corações de xisto vivem
mulheres que desejam palavras, beijos... carinhos... sombras e marés,
cortinados, bebés, de dizer
Amo-te,
Palavra difícil, a palavra mais difícil de
pronunciar, engasgo-me e não o consigo, escrevo-a como castigo cem
vezes na ardósia da escuridão,
(Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu
amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu
amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te...)
E depois como o magala que não sabe qual é a sua
mão direita
(o senhor trocou-mas)
Finjo que os bonecos são pessoas, finjo que as
pessoas são corações apaixonados, finjo que sou feliz não sendo e
nunca percebendo o que é a felicidade, o orgasmo literário das
palavras em suspensão dilacerem-se nas cordas do estendal que habita
no quintal, e alicerçam-se a mim mil e quinhentas garrafas de uísque
reserva de quinze anos, apaixonei-me por uma trapezista pobre, quis
fugir com ela e amava-a...
Os meus amigos desejam-me bom Natal, eu detesto o
Natal e o Bom Natal, finjo que gosto e retribuo... mas confesso que
não tenho alegria para pensar no Natal, no ano novo que se aproxima,
um ano de merda como este final de ano, a vida de que me despeço
deixa de fazer sentido, as palavras não existem, os desenhos são
monstros comparados com a dor de quem sofre, chora e sinto lágrimas
no quarto ao lado do meu, oiço-os cochicharem como gaivotas
envenenadas, doces, medos despertam passados enterrados, lápides
escondem-se na minha algibeira com três tristes chocolates... finjo
fugir e covardemente... choro em silêncio,
(o senhor trocou-mas)
Sou transportado para o recreio da escola primária,
desastradamente parto um dos vidro da janela da sala de aula com a
bola de futebol do meu amigo que tem noção que eu sou um nabo em
termos futebolísticos, nada percebo e tudo transformo em... cacos,
pedaços de vidro...
(nos grupos de poesia onde publico dizem que os meus
poemas são belos, tirando isso... acham-nos uma merda)
Troco de vida, de fingimento, de dor... agora... já
consigo chorar, sofrer, sentir os pregos da desgraçada a
penetrarem-se em mim...
(Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu
amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu
amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te...)
Troco de vida, de fingimento, de dor... agora... já
consigo chorar, sofrer, sentir os pregos da desgraçada a
penetrarem-se em mim... nos grupos de poesia onde publico os meus
poemas... adoram-me, sinto-me um sobretudo pendurado num cabide
dentro de um guarda-fato, oiço a minha sombra sobre a sombra dela,
são apenas um corpo e deslizam como rolamentos calçada abaixo,
O Tejo,
Havia prostitutos à procura de engate, sentava-me
numa esplanada, lia o “Doutor Jivago – Boris Pasternak”, e
escrevia num caderno de capa dura e negra as palavras doces das bocas
doiradas dos transeuntes e de vez em quando
O Alfredo colocava nos cornos da rena as lâmpadas
de Natal, piscavam, alimentavam vozes embriagadas com o uísque de
quinze anos, recordo-me hoje da morte dos livros que deixei ficar na
prateleira por pobreza, insónia, toques de campainha a pedirem-me
O vizinho tem uma pitada de sal que me empreste?
E eu respondo-lhe
O vizinho nada tem,
O Tejo,
Tu toda nua, nos teus seios coloco os enfeites da
árvore de Natal, danças, saltitas sobre os trapézios da infância,
desejas-me boa noite e as melhoras do meu pai...
Não percebo a cor dos teus olhos,
(Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu
amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu
amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te...)
Despeço-me da vida inventando uma outra forma de
viver, despeço-me dos barcos reais e com âncoras e com correntes e
com pulmões e com mãos e com asas e com plumas e com mini-saia e
com rímel e com... e com um metro de superfície a martelar-me no
olhar as sílabas estonteantes dos dúcteis talheres de prata,
Covarde,
sinto-o quando a olho,
Neste momento bebo sem perceber que amanhã o livro
pode arder na lareira do sofrimento, sem perceber
Porquê?
Despeço-me da vida inventando uma outra forma de
viver, despeço-me dos barcos reais e com âncoras e com correntes e
com pulmões e com mãos...
(Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu
amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu
amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te...)
Antes que seja noite e todos os que eu amo...
Morram.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 24 de Dezembro de 2013