quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Ou... ou talvez... não

foto de: A&M ART and Photos

Vinte e uma horas e as ratazanas azuis deambulam no corredor da insónia
sou invadido por um sonho em tons de branco
e um tecido opaco ofusca-me o olhar
a cegueira entranha-se na minha mão
passo-a pelo teu rosto e verifico que não tens rosto...
… vinte e uma horas e tu não existes
e tu
tu pareces uma rosa desgovernada na paisagem sem moldura
uma tela em branco
uma janela...
janela sem caixilho... quando sinto o vento entrar e nada posso fazer
e nada me apetece fazer...

Deixo a caneta sobre a secretária
deixo um dos livros em pausa perto da mesa-de-cabeceira
desligo o interruptor da saudade
dos sonhos
e percebo que a lâmpada do desejo nunca mais se acenderá na minha vida...
anticongelante corre-me nas veias tristes e sonolentas
agrestes
precoces como os primeiros passos em sandálias de couro
os calções voavam sobre as mangueiras sem bandeira
e a apátrida criança nunca mais quis olhar o mar...
desistiu
desistiu dos sonhos com bonecos de peluche

Desistiu dos velhos pinheiros de Carvalhais
da eira
do espigueiro...
vinte e uma horas em Portugal Continental
e um miúdo perde-se na imensidão das ruas com os espelhos das velhas secretárias
com velhos papeis
em velhos edifícios atulhados em reumatismo e bicos de papagaio...
o tempo acabou
e os calões hoje são gaivotas com sandálias de couro
que brincam no Baleizão
ou...
ou... ou talvez... não.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 26 de Dezembro de2013

Sem nome... desejar um

foto de: A&M ART and Photos

O que é desejar, se não querer e não o ter, desejar um corpo suspenso na madrugada que espera o regresso da barcaça abandonada em alto-mar, a maré eleva-o, a maré come-o, e o navio da sede submerge nas rochas negras da noite, o que é desejar, se não querer e não o ter, suspenso, absorto, iluminado pela mão de quem o acaricia... e ouvem-se os gemidos sons da tempestade do silêncio,
O corpo transforma-se em fantasma, o corpo transcreve os invisíveis carris da solidão e desaparece entre os moinhos de vento espalhados pela montanha dos sonhos,
O medo,
A tristeza de um corpo deitado na penumbra descendo das árvores envenenadas pelo desejo, desejar um o corpo proibido, o corpo prisioneiro das mãos do moribundo cambaleante mendigo das trevas, hoje
O que é desejar, se não querer e não o ter, desejar um corpo suspenso na madrugada que espera o regresso da barcaça abandonada em alto-mar, o marinheiro engana-se no navio e quando acorda está fundeado em Cais do Sodré, um cavalo de areia corre junto ao rio, saltita de banco de jardim em banco de jardim, a chuva molha-te e do desejar-te não desejo, a sede esconde-se nas clandestinas janelas com cortinados de chita, e a mão de quem o acaricia... covardemente troca o teu corpo por meia dúzia de cigarros, enrolas-te no Inverno cobertor que cobre o teu cabelo, pareces uma cobra recheada com chocolate e torrões de açúcar, amanhã não o sei, mas hoje, hoje queria ser o dito fantasma vestido de chuva, todo molhado, húmido como o teu, e ao longe, ao longe sentirmos os apitos com doirados sons de fim de tarde,
Não sei quem sou...
Desisto de desejar o que não pode ser desejado,
(dizer que te amo sabendo que o medo transverso do esforço alimenta-se de mim, faz-me fraco, covardemente troco o teu corpo por meia dúzia de cigarros... e quando dou a ordem definitiva ao interruptor para acender o candeeiro da mesa-de-cabeceira... não estás... e diluíste-te com a chuva)
Não sei quem sou...
Desisto de desejar o que não pode ser desejado, os trapos, os farrapos de nós como livros molhados, sujos e imundos, o corpo em imagens tridimensionais... que esperam o meu regresso e curiosamente ainda não sei onde me encontro, preciso de descobrir o caminho para regressar, e se regressar... que seja de noite, que esteja a chover... e que o teu corpo permaneça sobre o divã do desejo
Desejo?
O que é desejar, se não querer e não o ter, desejar um corpo suspenso... desejar um corpo sem nome.


(ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 26 de Dezembro de 2013

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Esqueletos de silêncio

foto de: A&M ART and Photos

Um pequeno charco cobria-lhe o rosto desorganizado como um texto escrito com palavras tontas, a chuva cambaleava sobre o olhar dele, ele provavelmente dormia, não dormia, sonhava... ou... talvez nem conseguisse sonhar, os sonhos são caros e raros, o preço é elevado para o comum dos mortais como ele, talvez sentisse o peso das estrelas, talvez adivinhasse que hoje,
Ontem viajava até ao dilúvio sentido da esperança, tinha na algibeira vinte euros e pouco mais do que isso, tinha perdido a caneta de tinta permanente, tinha-me perdido na penumbra melancolia dos versos de AL Berto, e na mão direita um pedaço de lama enterrada até ao mais profundo dos ossos engasgados como vómitos cintilantes das pálpebras encobertas pelo murmurado ronco da nuvem de papel, choravas, o corpo ia aos poucos minguando até evaporar-se na adrenalina folha de papel que me cobria, pensei que estava morto, acreditei ser um imbecil esqueleto que esperava o ressonar da madrugada, o relógio iluminava-me e marcava três horas, e eu ouvia solenemente os rosnar dos ponteiros contra as roseiras,
Talvez adivinhasse que hoje um pequeno versos se escrevesse no pequeno charco de lama onde tinha escondido os meus sonhos, havia-os de todas as cores, tamanhos e feitios, mas um deles pertencia aos arbustos suicidados dos ventos de Belém, dormia e sentia no rosto os medos de uma Lisboa a entranhar-se-me como uma lâmina
As roseiras brincavam sobre o meu peito,
Uma lâmina fina e escura de saudade descia dos cobertores do céu, um homem poisou a mão no meu rosto e beijou-me, eu sinceramente não me apetecia levantar da miudinha chuva, sentia-os e imaginava-me sentado numa esplanada de granito
Aquela onde me sentava a fumar junto ao Padrão dos Descobrimentos e inventava barcos em papel,
O granito era frio, o homem tinha nos lábios o bravio musgo do Presépio de porcelana e eu sentia-lhe a mão rodopiando sobre os meus olhos, queria acordar, não acordava, sonhava e não sonhava, lia e não lia..., deixei de escrever nos teus seios quando a tempestade entrou dentro de mim, o homem beijava-me como um louco e eu, eu como um louco também... escrevia no corpo dela, sentia-a percebendo que ela morreu há mais de vinte e cinco anos, o homem parou de beijar-me, a chuva abrandou... a mulher dos seios despidos... fugiu, também ela morta, também ela em esqueleto de vaidade numa qualquer montra da cidade,
As roseiras brincavam sobre o meu peito,
O relógio silenciou-se, perdi-me no tempo, perdi-me no corpo dele, e pedi ao Outono que regressasse com as sonâmbulas palavras que um pequeno charco cobria-lhe o rosto desorganizado como um texto escrito, a chuva cambaleava sobre o olhar dele, ele provavelmente dormia, não dormia, sonhava... ou... talvez nem conseguisse sonhar, os sonhos são caros e raros, o preço é elevado para o comum dos mortais como ele, talvez sentisse o peso das estrelas, talvez adivinhasse que hoje, que hoje... que hoje
As roseiras brincavam sobre o meu peito,
E lá fora um Oceano espera-me, tal como me espera a guilhotina das paixões não correspondidas, vadias até, sofrer, viver, sentir-lhe dos lábios o odor dos cigarros incinerados, e a poeira de ti sobre mim... e que hoje
As roseiras brincavam sobre o meu peito,
E... e acordei.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 25 de Dezembro de 2013

A colegial sem nome

foto de: A&M ART and Photos

A colegial sem nome que esconde os lábios na madrugada
o livro da colegial dorme como uma criança cansada
o cansaço inventa sorrisos nas mãos do desejo
e este
às vezes como um poço sem fundo
também como a colegial
sem nome
voa sobre as praças com candeeiros de prata,

Os lábios foram-me oferecidos pela madrugada
e a noite constrói-se nas lágrimas da chuva
dos orgasmos fingidos
que a colegial também esconde
não na madrugada
não no corredor da morte...
mas... mas esconde-os na alma do Diabo
como pétalas de insecto mergulhadas nas manhãs de Inverno,

A colegial é transparente
é imóvel
saboreia-se nas candeias que o destino lhe roubou
ela desconhece que a lareira existe apenas para a aquecer
despe-se para o espelho...
a colegial sem nome diz que quando for grande quer ser uma fotografia a preto-e-branco
perplexa
descobre o veneno dos zincos telhados que acordam a criança cansada...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 25 de Dezembro de 2013

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Mercado

foto de: A&M ART and Photos

Percebo as linhas transversais do teu olhar
quando o Gin se entranha no vórtice das tuas nádegas transparentes
oiço os gemidos da geada
oiço-te escrever palavras avulso nos cortinados de papel
e percebo
percebo que onde estás sentada existe uma sombra que me pertencia
e me amava
espero que te abras
e me enlouqueças com os sons das tuas alegres alvenarias
sinto-te dentro de mim
como um sismo derramando crustáceos envenenados
… sinto-te gritar o meu nome... aquele que rasgaste numa noite de tempestade,
Percebo porque têm lágrimas os vidros da tua janela
sei que lá fora morre um transeunte maligno
um coitado e sem abrigo...
percebo as tuas lágrimas quando em mim se entranha o Gin
crescem aleatoriamente nas minhas mãos os jardins complexos do silêncio
e dizem que vais abrir-te brevemente
como uma gaivota em voos loucos procurando veleiros com azia
e marés de areia com vómitos silabados,
Este é o meu Natal...
ir ao Mercado
beber uns quantos gins... e aleatoriamente como os jardins complexos do silêncio...
voar como as gaivotas
gritar o meu nome contra as paredes que o granito construiu para as madrugadas do medo
percebo
as linhas transversais do teu olhar
percebo que o meu corpo levita
sentado sobre quatro tábuas de mogno...
este é o meu Natal
triste
e embriagado triste... olhando as límpidas alvenarias do mercado.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 24 de Dezembro de 2013

Finjo que os bonecos são pessoas

foto de: A&M ART and Photos

Despeço-me da vida inventando uma outra forma de viver, despeço-me dos barcos reais e com âncoras e com correntes e com pulmões e com mãos e com lábios e com beijos, e no entanto a vida gira como uma roda dentada, fria, escura... despeço-me das árvores levando a saudade dos pássaros, despeço-me dos cigarros levando a saudade dos cigarros, despeço-me do amor levando na algibeira o verdadeiro amor,
O medo de dizer
Amo-te,
De dizer que dentro dos corações de xisto vivem mulheres que desejam palavras, beijos... carinhos... sombras e marés, cortinados, bebés, de dizer
Amo-te,
Palavra difícil, a palavra mais difícil de pronunciar, engasgo-me e não o consigo, escrevo-a como castigo cem vezes na ardósia da escuridão,
(Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te...)
E depois como o magala que não sabe qual é a sua mão direita
(o senhor trocou-mas)
Finjo que os bonecos são pessoas, finjo que as pessoas são corações apaixonados, finjo que sou feliz não sendo e nunca percebendo o que é a felicidade, o orgasmo literário das palavras em suspensão dilacerem-se nas cordas do estendal que habita no quintal, e alicerçam-se a mim mil e quinhentas garrafas de uísque reserva de quinze anos, apaixonei-me por uma trapezista pobre, quis fugir com ela e amava-a...
Os meus amigos desejam-me bom Natal, eu detesto o Natal e o Bom Natal, finjo que gosto e retribuo... mas confesso que não tenho alegria para pensar no Natal, no ano novo que se aproxima, um ano de merda como este final de ano, a vida de que me despeço deixa de fazer sentido, as palavras não existem, os desenhos são monstros comparados com a dor de quem sofre, chora e sinto lágrimas no quarto ao lado do meu, oiço-os cochicharem como gaivotas envenenadas, doces, medos despertam passados enterrados, lápides escondem-se na minha algibeira com três tristes chocolates... finjo fugir e covardemente... choro em silêncio,
(o senhor trocou-mas)
Sou transportado para o recreio da escola primária, desastradamente parto um dos vidro da janela da sala de aula com a bola de futebol do meu amigo que tem noção que eu sou um nabo em termos futebolísticos, nada percebo e tudo transformo em... cacos, pedaços de vidro...
(nos grupos de poesia onde publico dizem que os meus poemas são belos, tirando isso... acham-nos uma merda)
Troco de vida, de fingimento, de dor... agora... já consigo chorar, sofrer, sentir os pregos da desgraçada a penetrarem-se em mim...
(Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te...)
Troco de vida, de fingimento, de dor... agora... já consigo chorar, sofrer, sentir os pregos da desgraçada a penetrarem-se em mim... nos grupos de poesia onde publico os meus poemas... adoram-me, sinto-me um sobretudo pendurado num cabide dentro de um guarda-fato, oiço a minha sombra sobre a sombra dela, são apenas um corpo e deslizam como rolamentos calçada abaixo,
O Tejo,
Havia prostitutos à procura de engate, sentava-me numa esplanada, lia o “Doutor Jivago – Boris Pasternak”, e escrevia num caderno de capa dura e negra as palavras doces das bocas doiradas dos transeuntes e de vez em quando
O Alfredo colocava nos cornos da rena as lâmpadas de Natal, piscavam, alimentavam vozes embriagadas com o uísque de quinze anos, recordo-me hoje da morte dos livros que deixei ficar na prateleira por pobreza, insónia, toques de campainha a pedirem-me
O vizinho tem uma pitada de sal que me empreste?
E eu respondo-lhe
O vizinho nada tem,
O Tejo,
Tu toda nua, nos teus seios coloco os enfeites da árvore de Natal, danças, saltitas sobre os trapézios da infância, desejas-me boa noite e as melhoras do meu pai...
Não percebo a cor dos teus olhos,
(Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te...)
Despeço-me da vida inventando uma outra forma de viver, despeço-me dos barcos reais e com âncoras e com correntes e com pulmões e com mãos e com asas e com plumas e com mini-saia e com rímel e com... e com um metro de superfície a martelar-me no olhar as sílabas estonteantes dos dúcteis talheres de prata,
Covarde,
sinto-o quando a olho,
Neste momento bebo sem perceber que amanhã o livro pode arder na lareira do sofrimento, sem perceber
Porquê?
Despeço-me da vida inventando uma outra forma de viver, despeço-me dos barcos reais e com âncoras e com correntes e com pulmões e com mãos...
(Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te...)
Antes que seja noite e todos os que eu amo...
Morram.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 24 de Dezembro de 2013

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Palavras de papel

foto de: A&M ART and Photos

A noite destrói todas as palavras de papel que o invisível destino escreve
a noite inventa-se na algibeira do clandestino miúdo com suspensórios de vidro
o miúdo estupidamente apaixonado por uma uma gaivota...
… chora
transpira como lâminas de aço quando a lareira acesa derrete o silêncio
há uma pauta sobre a mesa da sala de jantar
na pauta brincam notas musicais órfãs
crianças das ruas sem nome não vivem... mas também não choram
crianças com mastros ao peito... vivem navegam choram e morrem...
e bandeiras de cetim sobre os cabelos cinzentos da tristeza dizem-lhes o que é a saudade
a noite embriaga-se como pedaços de xisto descendo os socalcos com as penumbras das sonâmbulas cambotas correndo e as bielas... as bielas nas mãos do miúdo estupidamente apaixonado...
… que chora... elas imóveis elas silabadas elas... elas são as bielas dos covis iluminados pela loucura neblina que o desejo procura no corpo nu sem nome as bielas fodem...
Alimentam-se dos sombreados tectos de verniz que às esplanadas de areia acordam como tecidos mortos e envenenados e doirados e... e a noite em papel dissolve-se na garganta do condenado
hoje há moelas
moedas de prata
lágrimas de crocodilo
e dentes de marfim
A janela do muro envidraçado abre-se e a noite começa a comer o miúdo depois de destruir todas as palavras de papel que o invisível destino escreveu
e o pobrezinho menino prostitui-se no cais de embarque dos petroleiros ofegantes
a gravata esgana o pescoço dos homens de mini-saia
os sapatos de três andares... adormecem noite adentro num sótão abandonado
a gaivota do amor
não dorme
não vive
chora
chora... chora... parvo... porque choras tu?
e era capaz de acreditar nos objectos negros das portas com triângulos desenhados...
com... com coxas cosidas pelas mãos da Avelã costureira...
Peneirenta
rafeira
e ordinária...
a noite é uma puta desgraçada
e feia...
a noite fode-nos como cinzeiros em prata nas mãos de um drogado...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 23 de Dezembro de 2013