quinta-feira, 8 de outubro de 2015

As lágrimas da solidão


Invento as lágrimas da solidão

Sobre o papel amarrotado da paixão,

O significado da morte esvaece-se no corpo de um sonâmbulo,

O mar que desenhei no teu olhar…

Não existe mais,

Nem o mar,

Não existe mais,

Nem o teu olhar,

 

Invento as lágrimas da solidão

Antes do regresso da noite vestida de canção,

Perdeu-se nas palavras adversas, perdeu-se nas planícies submersas…

Dos jardins suspensos da madrugada,

 

Visivelmente cansado…

 

Inventar objectos estranhos como as lágrimas da solidão

Em combustão,

Sobre o papel amarrotado da paixão,

Visivelmente cansado,

Sem destino,

Sem uma mão,

Caneta…

Para escrever no coração da tristeza…

 

Este menino,

Visivelmente cansado,

Sem destino…

Dorme docemente na sombra do abismo.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 8 de Outubro de 2015

O sono do desejo


Estes cacos incendiados nas escarpas do silêncio,

O teu corpo permitindo-me adormecer,

Sobre ele,

Uma rocha cor de cinza,

Faz fumo,

Incendeia-te como se fosses pedacinhos de papel…

Voando sobre a noite,

Na janela um cortinado negro com lábios de luar,

Entra o rio nos ombros flácidos das palavras embriagadas na sombra da morte,

A voz alimenta-nos,

Beija-nos,

Abraça-nos como se fossemos duas pedras em queda livre,

O abismo que habita o teu olhar,

O marinheiro sentado numa esplanada de esperma…

Sentas-te,

Foges-me,

Como a água,

Os barcos…

E todas as flores do Adeus.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Montanha do silêncio


Não,

Não venhas falar-me de amor,

Da paixão embriagada,

Entre noites,

E enxadas de geada,

Não, não meu amor…

Não,

Não venhas falar-me do mar quando fui eu que matei o mar em criança,

Não, não meu amor,

Não venhas falar-me desta cidade inacabada,

Só,

Sem pessoas ou madrugada…

Não,

Não pareço uma estátua,

Não,

Não sou um esqueleto de rosas perdidas num qualquer jardim,

E, e, no entanto, sinto-me envergonhado quando a noite se veste de despedida,

Os relógios pintam-se de vermelho,

O sangue do amor,

Dos automóveis em cio…

Ruelas, e o vício…

O vazio,

A escuridão dos seios entranhados na montanha do silêncio,

E os poemas,

Não,

Não venhas falar-me de amor,

Porque o amor…

O amor é uma enxada de geada.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 6 de Outubro de 2015

sábado, 3 de outubro de 2015

Mar florido


E depois…

Vem o teu corpo que se transforma em mar,

Água salgada das lágrimas teu olhar,

E depois…

Os beijos congelados nos corredores da melancolia,

A saudade vestida de nada,

O sangue embriagado quando… e depois…

Vem o teu corpo,

Em mim,

De mim…

O eterno apaixonado sem destino,

Sem caminho

E perdido,

Eu,

Eu menino…

Sem palavras,

Eu,

Eu menino…

Ancorado ao teu sorriso,

Este meu corpo,

Um jazigo sem telhado

Na montanha da saudade,

Eu,

Eu menino…

Não desejado,

Quando vem o teu corpo que se transforma em mar,

As lágrimas,

Amar sem saber que o amor…

Nada tem para me dizer,

As lágrimas,

Sem saber que o amor são quatro letras rasuradas,

Dormem,

Sonham…

E estão vivas em todas as madrugadas,

Como eu,

Sofrendo,

Como eu…

Sorrindo das tardes amarguradas,

Como eu,

Sofrendo,

Nas noites desenhadas,

Em mim,

E de mim,

Todas as palavras não chegam para te dizer…

Amo-te,

Desejo-te,

Quero-te…

Dentro desta circunferência sem tino,

Só,

Triste,

Sonolenta cama dos abutres,

Desvairado sono na copa das árvores,

Amo-te,

Desejo-te,

Quero-te…

Este meu mau feitio,

Sem fechaduras ou janelas para o Tejo,

Não quero,

Não o quero…

O amor florido nas páginas de um livro,

Sofrido,

Emagrecido pelos anos perdidos…

Canso-me da poesia e do amor e da paixão… e do cubo

Esquecido numa ruela sem portas de entrada,

À noite sinto-te saltitando sobre mim,

A candeia sonífera da canção…

Não morre,

Não ama,

Não come o derradeiro pão,

Como o teu coro,

No meu corpo,

Em… em combustão.



Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 3 de Outubro de 2015

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

As lâminas da paixão


Meu amor,

Quando os teus seios dormem suspensos nos socalcos do Douro

E o Rio se perde na última curva do anoitecer,

Invento-te,

Escrevo-te…

Faço-o sem o saber,

Ou querer…

Sentir em mim as tuas mãos de xisto lacrimejante,

Sentir em mim os teus lábios de uva mendigando os meus lábios de luar…

Meu amor,

Quando o teu olhar se esconde no Pôr-do-sol,

E uma gaivota alicerça-se ao meu peito,

Sinto o teu perfume vaiado sobrevoando todos os cadeados do teu corpo…

Ai… ai meu amor,

Este sol,

Este Rio…

E estes barcos em papel,

Inventando sorrisos nas lâminas da paixão.



Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 2 de Outubro de 2015

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Carta a ninguém


Vagueio no teu corpo como se eu fosse um mendigo
Em busca de pão,
Paz
E desejo da liberdade,
Quando regressa a noite ao teu olhar
Todas as estrelas se suicidam no teu sorriso,
E as minhas palavras ardem nos teus lábios…
Vagabundo e apaixonado,
Mendigo e iletrado,
Pássaro,
Avião,
É tudo o que eu sou… em busca de pão…

Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 1 de Outubro de 2015

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

A bala envenenada


Atravesso esta cidade de olhos vendados,

Apenas tenho tempo para desenhar o cheiro das flores

E dos beijos que vagueiam nos jardins da infância,

Não tenho medo da noite

Nem das estrelas que brincam no meu cabelo…

Sinto as carruagens enferrujadas de um comboio descendo a Avenida,

Sentam-se junto a mim…

Puxamos de um cigarro,

E acreditamos no regresso das sanzalas

E dos musseques em finas placas de zinco,

Depois, depois vem o silêncio disfarçado de luar,

Não fuma, não bebe…



Apenas escreve nos nossos corpos…

Saudade,



E depois a saudade escrita

Transforma-se em homem,

Corre, brinca e sofre…

Até que a cidade dispara sobre ele uma bala envenenada…



E morre.



Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 28 de Setembro de 2015

domingo, 27 de setembro de 2015

A matriz transposta da paixão


Transposta matriz do teu olhar

Nas catacumbas da solidão,

Cresço sobre o teu corpo,

Transporto-me para os teus lábios de Outono inventado por um louco,

E de mim,

O susto coração de ébano…

Sinto as tuas mãos embriagadas,

Sinto os teus braços acorrentados à madrugada,

Sem iluminação,

Sem nada,

A matriz da paixão,

Dorme docemente na ardósia da solidão,

Cansaço este nas avenidas triangulares do sexo,

Que esta cidade engole,

E come,

E cresço, e cresço sobre ti,

Dançando,

Chorando…

Rindo,

Porque não?

O riso da paixão,

O silêncio do amor quando o amor é uma noite sem destino,

O menino,

Ele,

Cinzento como a ferrugem do prazer,

Não o sei,

Se saberei ler,

Ou… ou escrever,

No teu corpo,

Abandonado…



Francisco Luís Fontinha – Alijó

sábado, 26 de Setembro de 2015

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Sombras sem sorriso


Deixei de sonhar com as tuas sombras sem sorriso,

Sufocam-me as tuas palavras amargas…

Sofridas e falsas,

Deixei de olhar o mar

E os barcos embriagados pela sonolência da noite,

Agora pareço um Cacilheiro amarrado às folhas ténues dos Plátanos,

Escrevo-te,

Mas não sonho com as tuas sombras,

Sem sorriso,

Agora,

Ontem…

A alegria de estar só.



Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 25 de Setembro de 2015

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Medo da cidade sem nome


(Fontinha – Setembro/2015)
 
 
As ruas sempre desertas,
As palavras ensonadas,
Na minha mão entre pássaros e sombras cansadas,
O peso do meu esqueleto procurando imagens sem nome,
O livro sobre a secretária com fome…
Quase que me come,
E eu, e eu tenho de me esconder nos teus braços silenciosos,
Como faz o luar quando foge para a montanha da saudade,
Vivo nesta cidade
Confundida com as estrelas e os rochedos da insónia,
Desço as escadas do sonho
E percebo que as ruas são túneis assombrados sem clarabóias para o mar…
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 23 de Setembro de 2015
 


terça-feira, 22 de setembro de 2015

O espelho da paixão


Sentíamos a liberdade do vento dançando sobre os nossos corpos em desejo,

Um sótão recheado de livros gemeia, e da janela ouviam-se alguns sussurros insolentes, tristes, como serpentes mergulhando no peito da noite,

O rio que caminhava nas nossas veias saltitava nas luzes do prazer,

Uma clarabóia em delírio alicerçava-se aos teus seios, olhava-a, e via o luar em lágrimas, como se fosse esta a nossa última noite,

Amanhã não vens, e nunca mais existiram fotografias minhas no espelho da paixão,

Morri,

Não o sei…

Ou… ou talvez não,

Deixei de sentir a liberdade,

Deixei de pertencer aos sonhos em papel químico, e hoje sou apenas uma sombra escondida nas coxas do poema,

Senti, vivi o teu corpo misturado nas marés cinzentas da madrugada,

Não sei, meu amor,

Não sei se voltarei a olhar-te…

É que os meus olhos cerraram-se e apenas consigo imaginar os barcos agachados no Oceano amanhecer.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 22 de Setembro de 2015

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O grito


(Fontinha – Setembro/2015)
 
 
Lembrei-me de ti, hoje, e das fotografias tiradas quando se escondia a noite nos coqueiros junto ao mar,
Lembrei-me da solidão
E dos passeios agarrado à tua mão,
Lembrei-me de ti, hoje, e das palavras que escrevias no meu olhar,
Como se eu fosse uma fina folha em papel,
Sofrida,
Cansada de ser riscada,
Velha e tonta… amada,
Lembrei-me de ti, hoje, e das tardes a desenhar os barcos em cartão,
Sós no imenso Porto de embarque e desembarque… sem destino algum,
Ensinaste-me o que eram as montanhas vestidas de branco,
Ensinaste-me o sabor da geada…
E hoje, e hoje lembrei-me de ti e das tuas lágrimas choradas,
Quando acordava a madrugada…
E eu, e eu sem sono… sem sono… gritava.
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 21 de Setembro de 2015
 


domingo, 20 de setembro de 2015

Cansaço


(Fontinha – Setembro/2015)
 
 
Cansei-me da tua voz,
Dos teus abraços,
Dos beijos,
E dos cansaços intermitentes nocturnos do desejo…
Cansei-me da tua sombra suspensa na minha janela,
Cansei-me do Inverno que ainda não regressou,
Cansei-me da tua voz,
Dos teus abraços,
Dos beijos…
E dos cansaços… nocturnos do desejo,
Cansei-me das minhas palavras,
Cansei-me das tuas palavras,
Dos livros,
Lidos,
Não lidos…
E ignorados,
Cansei-me da luz,
Das estrelas,
E dos cigarros apagados,
Cansei-me,
Cansei-me de estar cansado,
Aqui,
Sentado…
Folheando fotografias de gente morta,
Sem palavras,
As cansadas,
As não cansadas,
E as palavras algemadas…
Cansei-me do sono,
Cansei-me do sonho…
E de todas as madrugadas.
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 20 de Setembro de 2015
 


sábado, 19 de setembro de 2015

Amanhecer envergonhado

 
(Fontinha – Setembro/2015)
 
 
Sento-me
E sinto o amanhecer envergonhado,
Poiso sobre a lâmina da solidão
E oiço o cansaço da cidade em construção,
Amo,
Não sei se sou amado,
E não amo…
As palavras que escrevo sem vontade de o fazer,
Estou vivo,
Aqui,
Sentado… e sinto o amanhecer envergonhado,
Dentro do mar a arder…
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 19 de Setembro de 2015
 

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Regresso (Setembro de 71)


(Francisco Luís Fontinha – Setembro/2015)
 
 
Perco-me nos teus olhos de cereja envenenada,
Ao amanhecer, oiço a tua voz fundeada nos meus braços,
Um barco, sem rumo, desnorteado junto aos rochedos da noite…
Olho-te,
Beijo-te,
E sinto sobre mim todas as estrelas,
E sinto dentro de mim o teu corpo disfarçado de papel colorido,
Desenho em ti os sonhos,
Escrevo em ti todos os sorrisos dos marinheiros,
Olho-te, beijo-te…
Até que regressa a morte,
E desapareces na neblina do silêncio…
 
Despeço-me da tua sombra,
Invento cigarros nas andorinhas em flor,
Um barco, meu amor,
Um barco entre círculos de desejo e cubos de paixão,
Brinca na tua pele de amêndoa amaldiçoada,
Entra no teu peito,
Deita-se no teu coração…
E mais nada temos para escrever,
Não temos medo da geada
E das fotografias vestidas de madrugada,
(Perco-me nos teus olhos de cereja envenenada,
Ao amanhecer, oiço a tua voz fundeada nos meus braços),
 
E sei que amanhã não terei palavras para aprisionar o teu olhar,
 
O triângulo poético das tuas coxas suspenso no luar,
Um barco, meu amor,
Um maldito barco me trouxe para esta terra…
Maldito Setembro,
Maldita sanzala agachada no cacimbo…
E brincava com os mabecos,
E brincava com os papagaios de papel escrevinhado,
Sem tempo,
Sem sono,
Habito neste inferno sombreado de machimbombos
E triciclos apodrecidos…
E nunca tive coragem, meu amor, e nunca tive coragem de saltar o portão de entrada.
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 18 de Setembro de 2015