sábado, 16 de fevereiro de 2013

Equações do silêncio


Laços olhos
simplesmente partilhados
entre maços de palavras
e de vidro telhados
vêm as marés às manhãs teus lábios

nos cansados pães de açúcar
entra o mar pela porta secreta do homem vestido de negro
com um cinto de prata
e preso na boca
um cigarro de lata

como as letras das indesejadas equações do silêncio
porque o teu coração
espera a minha mão disfarçada de jangada
atravessas o rio
e em nada

a minha madrugada
cinco palavras escritas numa parede
à tua espera
como as cigarras noites de Primavera
como as poucas viagens das drageias de solidão

do outro lado da rua
um comboio vestido de paixão
com um ramo de flores e uma triste pétala nua
que os carris comem os sorrisos da lua
e brincam às palavras cegas

jogam à macaca
com riscos de seda no pavimento de cimento
parecem pássaros de heroína
na algibeira do vento
sem hora de regressar...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Mínimos fios de oiro

As diurnas caixa dos sonhos (esmolas?) que de estabelecimento comercial em estabelecimento comercial, de jardim em jardim, de cave em cave, escondem, semeiam, gratificam, as poucas moedas e notas que o homem dos gelados de chocolate foi deixando pelo chão, hoje sei que no Baleizão uma casa fantasma andava sempre de mão dada comigo, hoje sei que quando olhava a estátua da Maria da Fonte um petroleiro com bandeira da República Popular da China voava entre os meus cabelos e a incensa luz dos olhos agrafados aos pedaços de papel que sobejaram das tardes debaixo das mangueiras, hoje sei que
Deixei de saber, os anos atracam-se-me como correntes de aço, roubam-me os poucos sonhos que ainda restavam ao meu cadáver corpo de madeira prensada, e também existe o problema das asas de alumínio, os parafusos roucos devido às noites que passei sentado nos bancos de jardim à espera da menina do circo, e nunca mais chegava, chega, até que o arame que ligava as duas margens partiu-se em bocadinhos, centímetros de arame que aconchegadamente podem eternamente viver dentro da minha algibeira,
Tens saudades minhas? Respondia-te que não fingindo, porque sempre tive saudades dos caixotes de madeira, das moscas com muitas patas e asas transparentes, porque sempre tive saudades das pontes, dos teus cabelos de fio doirado e corpo magríssimo quando sobre o arame atravessavas as duas margens e desaparecias na neblina de Almada, claro
Que tenho saudades tuas sua tonta,
E depois do espectáculo, descias, construías uma vénia ao teu sorridente público e ias esconder-te na caravana estacionada a poucos metros do palco invisível, que o teu pai, empresário, ilusionista e palhaço, demorou um inteiro dia a montar sobre o pavimento térreo do voo nocturno dos pássaros embebidos na vodka dos miúdos à porta do cabaré, e quando lhes perguntavam se tinham factura?
Em uníssono respondiam
Tinhas corpo de bailarina, como as abelhas em busca do pólen que dos rochedos da insónia agrediam verbalmente os homens que no Baleizão semeavam gelados de chocolate junto à esplanada recheada de cadeiras e mesas e pessoas
De chapa zincada,
Em uníssono respondiam que com a fome comeram a (fatura) e com um pouco de sorte, durante a noite, ela, debaixo do (teto) das amendoeiras em flore, certamente era expedida através das entranhas do rabo ensanguentado devido à grossura do papel que tapava as fendas das paredes da caravana, ela
Esplanada recheada de cadeiras e mesas e pessoas adormecia nos meus braços e pela janela da caravana eu, eu via a luz mergulhada nos Cacilheiros em corridas como círculos em volta de uma árvores de sombra
Ela gritava,
E ouviam-se-lhe os gemidos dos motores a diesel engasgados com os rebuçados de mentol e recheados com sonhos, os mesmos que a gaveta durante anos, e anos, e anos,
Guardou como objectos valiosos, como ainda tenho todos os pedaços de arame que ela utilizava para atravessar as duas margens, e quando poisava em Almada, ouviam-se-lhes os gemidos
Dos motores a diesel que da caravana uma janela imprimia o rosto de um menino abraçado a uma menina, que procuravam, em busca, das asas de vidro das noites voadoras sobre o rio circunflexo dos alguidares de alumínio, e na verdade, deixei, deixamos, perdemos-nos
Antes do espectáculo começar e ela se transformar em nuvem de algodão, e hoje sinto saudades das inocentes (diurnas caixa dos sonhos (esmolas?) que de estabelecimento comercial em estabelecimento comercial, de jardim em jardim, de cave em cave, escondem, semeiam, gratificam, as poucas moedas e notas que o homem dos gelados de chocolate foi deixando pelo chão, hoje sei que no Baleizão uma casa fantasma andava sempre de mão dada comigo, hoje sei que quando olhava a estátua da Maria da Fonte um petroleiro com bandeira da República Popular da China voava entre os meus cabelos e a incensa luz dos olhos agrafados aos pedaços de papel que sobejaram das tardes debaixo das mangueiras, hoje sei que), que desciam do céu, e silenciosamente se sentavam nas cadeiras do Baleizão, aos poucos, um miúdo de seis anos apaixonava-se por uma trapezista com asas e que usava na cabeça fios, mas muito mínimos, de oiro, como as gajas que muitos anos depois eu via nas caves dos bares em Cais do Sodré,
Ela gritava,
Aos poucos, um miúdo de seis anos apaixonava-se por uma trapezista com asas e que usava na cabeça fios, mas muito mínimos, de oiro, que o vento levou como leva todas as palavras de amor.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Algumas palavras em pálpebras de vidro

O que dizer quando todas as coisas, visíveis e invisíveis, morrem dentro de uma chaminé de vidro com pequenos grãos de gelo, o que dizer
Olha, sinto muito, morri,
E no entanto, ninguém, sentiria a tua falta, a não ser, a não ser os cortinados de renda que uma velha costurou na tua ausência, ainda tu, ainda tu brincavas com os calções, a camisola de alças e as sandálias de couro, e havia pequenas flores em cima da mesa do pequeno-almoço, é como os livros que ardem na fogueira
Dir-me-ás tu, louca paixão absorvida pelo magma e ouvem-se ao longe os pavios mergulhados na parafina em fios de luz descendo teu corpo abaixo, e novamente
Dir-me-ás
Novamente a ressonância magnética infiltra-se pela janela dos olhos verdes, e novamente, dir-me-ás que as coxas dos fantasmas têm seios de vento como algumas árvores têm voz de criança dentro de uma garganta de aço, e o teu corpo que há pouco era engolido por fios de luz, hoje, agora entra na fogueira juntamente com os livros por escrever, das labaredas libertam-se algumas palavras, poucas, como
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti,
E eu
E tu
Sabemos que tudo é uma mentira que nós inventamos numa noite de nevoeiro, havia barcos pintados de espuma como o tesão das gaivotas contra os mastros de fibra de vidro, a loucura existe, eu sou louco, mas a tua loucura nada tem com o amor, com a saudade, com a lua, com as estrelas dos céus nocturnos vagueando docemente sobre o púbis uma cabeça de linho, as telas ardiam, e as imagens em sombras de rancor pélvico, encostavam-se ao muro de cimento-armado,
Ou os caixote de lixo esquecidos pela cidade,
Dir-me-ás que apaixonadamente pelos meus olhos verdes vives enclausurada entre paredes de gesso e finas placas de vidro, o que tu não sabes
(Dir-me-ás tu, louca paixão absorvida pelo magma e ouvem-se ao longe os pavios mergulhados na parafina em fios de luz descendo teu corpo abaixo, e novamente)
Desconheces que deixei de ter olhos e de verdes passaram a encarnados, será isto possível? Estarei grávido? Não sei,
Não sei
E ninguém saberá,
Quando se vão revoltar os caixote de lixo esquecidos pela cidade, desconheces que as minhas mãos, hoje, agora, são rosas de vento balançando como sexos murchos na areia da praia, e no entanto
Das labaredas libertam-se algumas palavras, poucas, como
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti,
E eu
E tu
Não sei, e no entanto somos sílabas defeituosas suspensas na página 1525 do livro da paixão, mergulhas nos dias embainhados como águias feridas pelas balas de prata dos grandiosos destinos que a cama sobre o mar deixa sobre as conclaves dores dos corações de semanas sem descanso, e no entanto, ainda acreditas que tenho asas e que sei voar, que tenho duzentos e seis ossos e trinta e dois dentes, e sobre a cabeça um chapéu de palha
E no entanto
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti (espantalho),
E eu
E tu
Não sei,
Sabemos que não o estás, como os esqueletos de arame dos homens de xisto que durante a noite me visitam e comem as luzes dos candeeiros semeados por uma louco, mesmo no centro dos passeios, e dizes-me, e dizem-me
Não sabemos, hoje não, tente novamente amanhã,
E amanhã dizem-me...
Se o senhor tivesse vindo ontem...
O Ping-pong entre duas paredes com grades de ferro forjado e sofás revestidos a tecidos importados da longínqua China, as luzes e as mesas vindas dos sonhos baratos de um musseque de Luanda, e as bebidas, dispensamos as bebidas em prol da literatura
E a literatura e os cigarros e os caixote de lixo esquecidos pela cidade, desconheces que as minhas mãos, hoje, agora, são rosas de vento balançando como sexos murchos na areia da praia, e no entanto
Das labaredas libertam-se algumas palavras, poucas, como
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti,
E eu
E tu
Mortos como as paixões proibidas pelas manhãs de Outono, quando de um quinto andar sem varandas, ouvem-se todas as máquinas de sibilar que o homem de arame foi deixando pelos destinos sonhos adormecidos nos guindastes murmúrios dos lábios em desassossego Inverno... em pálpebras húmidas de vidro.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

(E no entanto, ninguém, sentiria a tua falta, a não ser, a não ser os cortinados de renda que uma velha costurou na tua ausência, ainda tu, ainda tu brincavas com os calções, a camisola de alças e as sandálias de couro, e havia pequenas flores em cima da mesa do pequeno-almoço, é como os livros que ardem na fogueira)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Os barcos de quilha adocicada

Dizias que o silêncio era uma árvore onde viviam laranjas, e que a solidão, quando aparecia, nunca vinha só, e sempre acompanhada, subia as escadas sumarentas de artrose e reumático, às vezes ouviam-se-lhe os suspiros dos dejectos indesejados que os insectos deixam ficar sobre a clarabóia de onde se via o céu, via-se claro que sim
Porque hoje acabo de saber que este, por ordem superior, foi privatizado e levado para outras paragens, ouvem-se os lamentos dos angustiados
Filhos da Puta,
Mas de nada servem os insultos, porque o céu, esse, tal como a água, essa,
Dizem que “Já Era”, como os cadáveres sonolentos dos impostores vaidosos que se fazem passear pelas avenidas da cidade, uns coitados de uma classe de “Mete Nojo” que só sobrevive à custa das escadas do Papá ou da mamã, ou do vovô... ou da “puta que os pariu”, mas sobrevivem, tudo têm e dizem que são felizes,
Tirando os barcos de quilha adocicada e com profundas modificações nas mãos com unhas de gel, nada de importante aconteceu hoje, o País continua na sua agonia morte lenta como os doentes que a tombola da sorte sorteou, e vivem desgraçadamente até deixarem de respirar, os Países Ditatoriais precisam de um povo inculto e de um exercito forte, o povo cala, e o exercito impõem a força, e para tal, o corrupto do chefe de estado precisa de generais fortes, corruptos, ricos
Ricos Monetariamente,
Filhos da Puta,
“Já era”,
Mas de nada servem os insultos, porque o céu, esse, tal como a água, essa, “já Foram”, e qualquer dia até Deus, até esse vão conseguir privatizar, e vimos Senhores Ministros do Reino em apertos de mãos a “Filhos da Puta” de ditadores, e o povo, lá, a morrer de fome, e o povo, lá, desprotegido dos mais essências bens dispensáveis a qualquer ser humano; saúde, justiça, educação...
Mas
Tirando os barcos de quilha adocicada e com profundas modificações nas mãos com unhas de gel, nada de importante aconteceu hoje, a Teresa ofereceu-me um livro “Diários – AL Berto”, talvez porque hoje é quinta-feira, talvez porque o fim-de-semana está a caminho, talvez
Dia dos namorados,
Não conheço, peço desculpa, e na melhor das hipóteses é entrar na barbearia ali junto ao quiosque das amêndoas em flor e perguntar a barbeiro, esses, esses quase que sabem de tudo, agora eu, não, não sei nada sobre o dia dos namorados; isso é o quê?
Mas Ricos Monetariamente, as Ditaduras de “Merda” que em troca do dinheiro tudo lhes é permitido; até roubar os sonhos das crianças...

(não revisto; a única coisa verdadeira neste texto é o livro de AL Berto “Diários”, tudo o resto é pura coincidência com a realidade)
@Francisco Luís Fontinha

Isso é amor


Se os teus olhos de poesia
um dia dormirem com o luar,
isso é,
isso é amor,

Se a tua boca de ficção
um dia sorrir,
isso é,
isso é amor,

Se as tuas mãos de papel tricolor
um dia aparecerem com palavras escritas,
isso é,
isso é amor.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

COSTUREIRO OU BAILARINO

A minha casa,
Quatro paredes em cartão, do fino, que é mais chique, não tenho janelas para o mar, porque infelizmente ele vive longe de mim, não tem telhado, felizmente para mim, porque às vezes falta-me o ar e tenho grande dificuldade em respirar, ela, a minha casinha, não tem mobílias luxuosas, e tirando a máquina de costura Singer que herdei de uma bisavó que deve ter mais de setenta anos, talvez mais
Nada a acrescentar, nasci longe e vim de longe, e quando regressar, irei regressar para longe, talvez encontre outra casinha modesta com esta, mas aqui
Não vou ficar mais,
Mas aqui falta-me o mar, os barcos em passeios nocturnos quando terminavam as sessões das duas da madrugada, os cinema recheados de gajos em desejo, às vezes sentiam-se-lhes os gemidos entre as portas de madeira do Hall e a sala de fumo, percebia-se pelo comportamento dos cigarros que havia um perfume de mulher algures nos cortinados das janelas viradas para os telhados adormecidos de uma cidade abandonada, mas lá eu
Tu lá eras feliz, tinhas sonhos, brincavas com personagens invisíveis e desenhavas em todas as paredes da casa, excepto na casa de banho, talvez por ser o único compartimento que quase sempre estava ocupado, passavas tardes intermináveis a construir vestidos para bonecos loucos, pegavas na agulha da tua mãe, nas linhas, e dos tecidos
Lindos vestidos e quando te perguntavam o que querias ser quando fosses grandes, algumas vezes respondias
NADA,
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
E afinal
E afinal não fui uma coisa nem outra, sou um homem descomplexado, pobre, sem palavras, sem ideias, sem o amor vestido de qualquer coisa, de morte
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
E
E afinal vivo numa casa com quatro paredes em cartão, do fino, que é mais chique, não tenho janelas para o mar, porque infelizmente ele vive longe de mim, não tem telhado, felizmente para mim, porque às vezes falta-me o ar e tenho grande dificuldade em respirar, ela, a minha casinha, não tem mobílias luxuosas, e tirando a máquina de costura Singer que herdei de uma bisavó que deve ter mais de setenta anos, talvez mais
Outras?
E
E ainda acredito nos olhos disfarçados em poemas, e ainda acredito nos lábios com tonalidade de sílabas adormecidas, como as rochas do amor, como os orifícios das portas com vista para um corredor comprido, fino e escuro, onde
Brincam
Onde e
Barcas vestidas de barcos com âncoras de aço e correntes em oiro, às vezes oiço-os masturbarem-se no tecto embaciado do Domingo de prata, e do calendário ordinário com gajas nuas que o sapateiro suspende todos os anos desde que começou a trabalhar
Murcham as palavras do amor proibido, cansado do azul sobre os joelhos com rosas amarelas, vestias-te de cinzento para te confundirem com os candeeiros de silício amargurado que caem nas noites de celibato, e os homens aproveitavam-se das tuas mãos para roubarem o telhado da minha pobre casinha,
A trabalhar um pedaço de sola como o pão duro das sobras que durante a noite dormem nos caixotes de luxo, e que muita gente teima em apelidar de lixo, duro, robusto, sapatos de luxo para exportação, e quem sabe
NADA,
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
E afinal
E afinal não fui uma coisa nem outra, sou um homem descomplexado, pobre, sem palavras, sem ideias, sem o amor vestido de qualquer coisa, de morte
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
De fatias de pão nasçam sapatos de luxo...

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Outras coisas

Parecias-me tão entretido com as tuas coisas banias que nem me dei ao trabalho de verificar se a janela da sala estava bem fechada, zumbia solenemente o vento que soprava de cima para baixo, em pequenos círculos, como as moedas quando caem de uma altura superior e aterram nas algibeiras erradas, nunca tiveste sorte, queixavas-te todos os dias, em todos os jantares, em todos os serões, e à lareira, dizias-me
Vou-me embora daqui, para sempre, e nunca mais voltarei a este País, eu, confesso, nunca acreditei, como nunca acreditei que conseguisses deixar de fumar, cigarros, heroína, esbelta, finíssima com saia curta e camisa branca, sei que não pensas nela, que já não tem importância para ti, mas confesso, que às vezes,
Medo, o medo, o medo que voltes a apaixonares-te por ela, me troques por uma prata com bolhas castanhas em corridas de carrossel, o taxímetro sempre a rolar como um carro de rolamentos a descer a calçada em direcção ao Tejo, os edifícios de Santa Maria de Belém, tremem, encostam-se às trincheiras submersas nas clareiras da morte, e uma menina com tranças aborda-me
Pai?
Fico quieto, impávido, e pergunto-lhe
Eu?
Que sim, claro, tu, o medo, e penso
Talvez seja uma brincadeira de Carnaval...
Talvez?
Olha para mim e diz-me se tenho cara de brincadeira de Carnaval, e confesso que nunca vi uma menina com rosto de Carnaval, e respondo-lhe que não, não sei, nunca vi um, talvez não tenha, talvez seja verdade, talvez
Pai?
Finíssima com saia curta e camisa branca, cabelos loiros voando sobre a cidade de areia, lilases barcos em madeira prensada rompem as agulhas desgovernadas dos carris de manteiga, oiço-a dentro de mim com as cores da paleta recheada de uma espessa e fina e brilhante atmosfera com cheiro a Barcelona, dormia e acordava em sandes de cartão
Finalmente, eu, o teu pai, o feliz mendigo vestido de rochedos esponjoso e flores de plástico, sempre são mais baratas, dizias-me antes de eu ter partido de casa, de cidade, de vida, de
(Parecias-me tão entretido com as tuas coisas banias que nem me dei ao trabalho de verificar se a janela da sala estava bem fechada, zumbia solenemente o vento que soprava de cima para baixo, em pequenos círculos, como as moedas quando caem de uma altura superior e aterram nas algibeiras erradas, nunca tiveste sorte, queixavas-te todos os dias, em todos os jantares, em todos os serões, e à lareira, dizias-me)
Amanhã não temos lenha para a lareira, respondia-te que tínhamos muitas portas e janelas e mobílias que quase nunca utilizávamos,
Voltavas à carga,
Amanhã não temos nada para comer, respondia-te que enquanto tivéssemos as galinhas da vizinha, para uma canja e um arroz com os miúdos não haveria de faltar, e depois logo se via, ah e ainda podemos aproveitar o restante para um churrasco, como vez, há sempre uma solução para tudo, menos para a miúda de tranças com rosto de Carnaval, Rosto? Não, com cara de Carnaval, e eu imaginava-a pendurada numa árvore a olhar as algibeiras recheadas com as moedas de às vezes
Caem como os tordos depois do jantar,
De às vezes uma silenciosa ânsia melancólica saltitar sobre o muro de xisto que divide o dia da noite, de às vezes esqueceres-te de ligar o interruptor do nosso esquerdo lado, e sempre noite dentro de nós, como as flores que colocavas sobre a minha lápide e eu preenchido com as pratas de alumínio em busca da dama de saia curta e camisa branca, dos cabelos um perfume estranho, vazio, entranhava-se como se entranha, às vezes, as lágrimas miudinhas das tardes de Inverno, à parte disso
Tenho os meus sonhos em consideração e demito-me das funções que me foram confiadas, estou farto desta cidade, desta terra e deste mar, como todos os pássaros, partiremos daqui a poucos dias, pouca coisa entre nós, duas ou três mudas de roupa, o livro de Bernardo Soares, e uma gabardine de senhora
No caso de ela aparecer,
Pai?
Fico quieto, impávido, e pergunto-lhe
Eu?
Que sim, claro, tu, o medo, e penso
Talvez seja uma brincadeira de Carnaval...

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Pedra moribunda


Sou de pedra
como os muros que circundam os sorrisos das rosas
deste verdejante cenário jardim
ouvindo os longínquos sons das tristes pálpebras
dos ventos soprados pelas chaminés de vidro
rijos os pedaços de enxada mergulhadas nas palavras cansadas,

A pedra moribunda
à doce saliva dos pequenos repteis enforcados nas lilases telas de linho
porque da noite nua e escura e apetitosa
poucas ou nenhumas coisas sobrevivem às tempestades de areia
que os poemas provocam nos seios das andorinhas
com asas de porcelana,

E as cabeças ocas
delas
poucas ou nenhumas árvores de papel
na despedida das horas assassinadas por um velho relógio de parede
à pedra
o pó das sílabas dentro de um sobretudo negro.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Planeta X-321

Uma fresta da noite copia-se e cola-se no branco papel com pontos de suor, chamavas-me parvalhão, estúpido, ou
Paspalho?
Nunca me interessaram as alcunhas, porque são apenas palavras, e com o vento, elas, voam como voaram as gaivotas do teu curto cabelo nas sombras do Tejo, nos jardins uma fina camada de relvas onde nos deitávamos, e olhávamos o céu nocturno das mãos entrelaçadas, ouvíamos
Paspalho, eu?
Ouvíamos os gemidos das árvores em cio, e dentro de água sentíamos os alicerces dos corações de aço a derreterem, como derretem as nuvens de açúcar na boca de uma criança, como derretiam as nuvens de açúcar na tua boca fingindo Primaveras e rosas de abelha, éramos os únicos habitantes do planeta X-321 e
Parvalhão, estúpido, ou
Paspalho?
E acreditávamos nas cartas perfumadas que enviávamos ao final da tarde nos olhos de uma andorinha, e
Eu?
Três dias depois ela regressava, estava cá, na caixa de chapa zincada com uma portinha mínima, e mal dava para entrarem os dedos, finos, meus, como os varões de aço no estômago de um pilar ou de uma viga, levantávamos-nos cedo, como se as máscaras de Carnaval que na noite anterior tínhamos deixado em cima da mesa-de-cabeceira fossem um espelho que saltara do guarda-fato, e dávamos conta que eram apenas os nossos rostos disfarçados de meninas do mar,
No nosso planeta X-321 não havia nada, água, vento, pássaros ou barcos com asas, apenas dois corpos se misturavam no salitre húmido das madrugadas acabadas de fazer, e ainda quentes, comíamos-as, todas, sem percebermos que elas
Eu?
Que elas eram filhas de um Deus poderoso, teimoso, arrogante, como as paixões entrelaçadas nos céus do planeta X-321, como os pregos do leito da morte das flores embalsamadas, e tínhamos dentro de nós pedaços de vidro, em placas, finas, que serviam para quando viesse a noite, nós, eu, tu, eu e tu, rasparmos o velho mármore dos muros que o sono deixava sobre os versos em arame forjado, tristes, nós, à procura do sossego, e das acácias em flor,
Hoje,
Uma fresta da noite copia-se e cola-se no branco papel com pontos de suor, chamavas-me parvalhão, estúpido, ou
Dois cadáveres dissecados pela caneta de um poeta, inventa-nos quando a solidão o abraça e a insónia lhe bate à porta, quase que me atrevo a afirmar que
Eu e tu, nós,
Somos as lágrimas de fantasia dele, somos os restos de tinta e papel mata-borrão, como duas candeias de poemas suspensos nas janelas do planeta X-321, um espaço vazio, eu e tu, nós,
Que este poeta nos ama, como nos amávamos sentados junto à margem do Tejo a cilindrar cigarros e a diluirmos cerveja e vodka nas nossas bocas cansadas dos tormentos que vagueavam nos pinheiros entre xistos e socalcos, os vidros, em placas, finas, começavam a romperem-nos como o poeta rompia as pequenas folhas de papel e destruía os poemas escritos, e percebíamos que também nós, eu, tu, nós
Dois poemas escritos pelo louco poeta.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

blogue Cachimbo de Água em destaque


(O menino húmido com pétalas de papel crepe)

blogue Cachimbo de Água em destaque
Sapo Angola

domingo, 10 de fevereiro de 2013

O sótão das histórias sem palavras


As safiras em moedas de olhares
como os crisântemos em rubi que vivem nas árvores da saudade
inventaste-me como inventaste o vento numa tarde de cacimbo
com nuvens de porcelana
e azeitonas em conserva,

Eras conhecida como a raiz de pólen
de abelha em abelha
às flores dispersas pelos pedaços de pólvora seca
que incendiavam as lanternas invisíveis
dos pinheiros abandonados pelas aranhas de vidro,

Percebiam-se-lhes as dissolvidas manhãs de inferno
dentro de um cubo de chapa
zinco
como as pedras polidas pelas mãos da neblina
e desciam o rio as escadas de acesso à lua,

Comiam-se os homens e as mulheres
porque a fome de amar era tanta tanta que o vento se transformava
em jangada
ou madrugada
húmida como os corpos de papel que voavam em volta do silêncio,

E tirando as safiras em moedas de olhares
nada
ninguém
como a vida de um esqueleto apaixonado
pelos ossos da vizinha amiga que vive no sótão das histórias sem palavras...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Uma cratera de saliva no vulcão da insónia

Um dia, quem sabe, todos os poemas de Inverno se transformem em rosas, um dia, talvez amanhã, ou, poderá ser mesmo num Sábado qualquer, um dia qualquer, apenas um, de um calendário de papel, ou daqueles virtuais que os nossos portáteis inventam para nós, e tão parvos, eles, que se nós quisermos hoje não é hoje, e se nós quisermos hoje é ontem, Dezembro de 1966, ou, ou se eles quiserem amanhã, amanhã terça-feira de Março de 2015, um dia, quem sabe, todos os poemas
Fiquem como as minhas mãos, pérfidas, com perfume de vulcão estacionado no centro de uma cratera, com nuvem de vapor que fingem ser cortinados, das janelas das palavras, quando chega o murmúrio das imagens a preto e branco do álbum de fotografias do Pai Fernando, Angola está lá, como estão os carris onde ontem passeavam comboios para Mirandela, e hoje, hoje apenas linhas curvas, rectas, círculos de lágrimas das rochas metamórficas com sombras de pedra, ele acompanhava a linha de bicicleta pela mão, chegava ao Tua, e subias as curvas inclinadas com sabor a saudade, apenas, apenas para dar um beijo à mãe, fiquem todas, hoje não, hoje
Os carris e os túneis da saudade dentro de um álbum de fotografias,
Hoje, hoje não, quem sabe amanhã, todos os poemas se transformem em rosas de papel, quem sabe, ontem as flores tenham conspirado contra o homem dos livros de granito, quem sabe, hoje sim, eu, ele, nós os dois, sejamos esqueletos de vidros com mãos de arame, hoje quem sabe, eu, ele, eu e ele, os dois, sejamos pedaços de pedra mármore do túmulo de um dos manuscritos de Gogol que ardeu na fogueira, louco, tu e eu, dentro de um buraco de areia, os nossos corpos parecem raios de sol mergulhados em barcos de esferovite com um motor de um carro de brincar, comprávamos pilhas com sabor a limão, e ele, e eu, e eu e ele e o barco de esferovite, perdidamente apaixonados como as águias nocturnas do chocolate amargo,
Os carris e os túneis, que têm?
Um dia, a escuridão transformar-se-á em lençóis de prata com almofadas de oiro, E os carris? pergunta ele, que têm? Respondo-lhe eu, Nada... Responde-nos os barco de esferovite com o velho motor do carrinho de brincar, as pilhas, sabiam a limão, amargo, o dia quando regressei e descobri que era um esqueleto de vidro com mãos de arame, pergunto-lhe
Lembras-te? Claro que sim, como me lembro do dia quando disfarçada de água da chuva entraste em mim, numa tarde de Agosto, tinhas livros numa das mãos ínfimas, pequenas, como os rochedos das praias imaginárias da nossa infância, e claro que
Não me recordo dos vidros partidos no recreio da escola,
Amanhã, amanhã, amanhã terça-feira de Março de 2015, um dia, quem sabe, todos os poemas vestidos de arame-farpado, em redor de um campo de minas como os seios camuflados dos grandes edifícios que se escondem nas cidades e dão abrigo aos sem-abrigo, todos, amanhã, quem sabe um dia destes, no calendário virtual do meu portátil, eu, eu encontre os restos de saliva que sobejaram das palavras mordidas pela serpente do envenenado homem das luzes de linho, cansei-me, cansei-me dos calendários de papel com números complexos, matrizes, equações diferenciais loucas de amor por integrais triplas, e no entanto, ninguém, ninguém à espera delas na cama nua das quadriculas de insónia,
Calçavas uns sapatos rabugentos, ouvia-os enquanto descias o passeio que aproveitavas para observares distraidamente os manequins nus, esqueléticos, das montras com roupas adormecidas pelos candeeiros da noite embaciada pelo perfume das rosas junto à cabine telefónica, de vidro, alumínio, e palavras que desconhecíamos, e não sabíamos que dias depois
Os carris e os túneis, que têm?
Debaixo do braço transportavas um livro de Érico Veríssimo “Clarissa”, a chave de acesso ao teu cofre, eu, hoje, hoje talvez não, amanhã, amanhã sim, eu já o tinha lido, e confesso que enquanto conversávamos sobre o livro íamos caminhando em direcção ao tempo-espaço de Einstein, e hoje percebo, amanhã, amanhã talvez, terça-feira de Março de 2015, o murmúrio das imagens a preto e branco do álbum de fotografias do Pai Fernando, Angola está lá, como estão os carris onde ontem passeavam comboios para Mirandela, e hoje, hoje apenas linhas curvas, rectas, círculos de lágrimas das rochas metamórficas com sombras de pedra, ele acompanhava a linha de bicicleta pela mão, chegava ao Tua, e subias as curvas inclinadas com sabor a saudade, apenas, apenas para dar um beijo à mãe, fiquem todas, hoje não, hoje
Os carris e os túneis da saudade dentro de um álbum de fotografias,
Como ficaram as tuas palavras dentro de mim, todas, elas, disfarçadas de chuva de Agosto em final de tarde.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 9 de fevereiro de 2013

O menino húmido com pétalas de papel crepe

Conheci um velho, fumava cachimbo e tinha como hobby encantar e desencantar as serpentes invisíveis de um circo ambulante, apaixonei-me pelo circo desde muito novo, fascinava-me olhar as luzes, as mulheres que voavam sobre a circunferência em formato de palco, no chão apenas um tapete de lona, sobre as cadeiras uma penumbra de giz brincava nas ardósias masculinas que acompanhavam os filhos, e as filhas, e as mulheres, e as namoradas, e os namorados, e todas as moscas devido à presença de animais domesticados que o domador ia desenhando numa parede verde com flores amarelas, conheci o velho Domingos e desde esse dia
Nunca mais o esqueceu, iam passear para os descampados longínquos das casas de madeira e zincadas, como as chaves de casa, ou quando se abriam os portões dos quintais com mesas de madeira, e cadeiras de cimento, e sobre as mesas, garrafas vazias de cerveja Cuca, botões em decomposição que saltavam das camisas que aos poucos inchavam como pedaços de esponja com as chuvas de fim de tarde, e ele entre voos e fantasias, acreditava que um dia ia ser artista de circo, malabarista, trapezista ou encantador de serpentes como o velho Domingos, acabou por ser mordomo e apaixonou-se pela patroa,
Saboreava as quitetas com o molho de sombra de mangueira, de olhos vendados, noite e dia, lembrava-se das ondas do mar de barcos em fila para entrarem na barra, um triste rebocador puxava-o até que ele depois de encostar na plateia, sentava-se, alinhava-se na cadeira e empurrava as pernas até encontrar os silêncios de capim do recinto onde tinham atracado o circo dos sonhos, os barcos misturados com as bailarinas, em círculos concêntricos, e acabavam a noite a extrair a raiz quadrada dos seios da menina Augusta, que sobre as mesas de madeira dos quintais, e cadeiras de cimento, e sobre as mesas, garrafas vazias de cerveja Cuca, botões em decomposição que saltavam das camisas que aos poucos inchavam como pedaços de esponja com as chuvas de fim de tarde, ela só, e só ela, abraçava-se à serpente que só o velho Domingos com os seus dedos de arame sabia entreter,
Eu era um menino húmido com pétalas de papel crepe,
(fico triste, muito deprimido, quando termino a leitura de um livro e começo a leitura de um novo, e fico com a sensação que algo dentro de mim se perdeu, morreu, enterro as personagens antigas e visto-me com as novas, apago com o apagador o giz da história de ontem e recomeço esta noite com uma nova história, e às vezes tenho a necessidade de deixar uma história em suspenso, hoje não sei, se recomeço “O Ano Em que Zumbi Tomou o Rio” de José Eduardo Agualusa, ou comece um novo que espera por mim há tempos infinitos e que por falta de tempo ou paciência fui deixando para o futuro, e hoje, hoje talvez pegue no “Livro do Desassossego”, porque não? Terminado o livro “Dentro do Segredo” de José Luís Peixoto, que dizer? Que uma tristeza se apoderou de mim como os tentáculos de um polvo em volta do meu pescoço de cana de açúcar; e por mais que eu tente, não consigo imaginar-me a viver num País como a Coreia do Norte),
Prefiro ser mordomo e loucamente apaixonado pela minha patroa, senhora distinta, frágil como uma semente de girassol, foi artista de circo, trapezista nas nocturnas noites de Luanda, sobre o arame não havia igual, e tal como as serpentes do velho Domingos, também ela necessita de uns dedos de arame com sabor a baunilha, e beijos e beterraba, e
Havia flores no cabelo da Patroa, o mordomo, loucamente apaixonado pelos circos ambulantes que aportam nas cidades e aldeias e vilas e mares clandestinos das avenidas mortas pelo tédio das grandes e longas mãos que engolem a flauta do velho Domingos, e a serpente de areia saltita em pedaços de milímetros amarrotados nas manhãs antes de acordarem as sombras do tio Francisco, o amor, o amor e a velha paixão de amar o desconhecido poema com palavras de vidro, e
E
Eu era um menino húmido com pétalas de papel crepe,
E
Nunca mais o esqueceu, iam passear para os descampados longínquos das casas de madeira e zincadas, como as chaves de casa, ou quando se abriam os portões dos quintais com mesas de madeira, e cadeiras de cimento, e sobre as mesas, garrafas vazias de cerveja Cuca, botões em decomposição que saltavam das camisas que aos poucos inchavam como pedaços de esponja com as chuvas de fim de tarde, numa parede verde com flores amarelas.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Barbies madrugadas com seios de prata

Não sei
nunca percebi as tuas palavras despidas
e nuas
não sei e não percebo as antigas línguas de fogo
que as tuas mãos aprisionam como o fazem todos os amores das noites inventadas,

Acordam os amantes e as lágrimas derramadas
barbies madrugadas com seios de prata
e olhos em penumbra escuridão aos lábios em marés de silêncio
não sei
como será a lua depois da morte,

Não sei
como será o amor depois do vidro coração
se partir e repartir em pedacinhos
que as alvoradas cintilações adormecem
e comem como se comem as torradas com fénix dilacerada,

E nada
nem a noite
nem a triste madrugada
nem uma janela desesperada
no asfixiar sémen das palavras por dizer,

Ela suicida-se nos peitos amargos dos amantes de luz
deita a cabeça
cerra hermeticamente os olhos de solidão
puxa por um cigarro esquecido sobre a mesa-de-cabeceira
e percebe que ele há nove meses que não fuma,

E não sabe
e eu também não sei
se é menino
menina
ou gémeos contratados como as estrelas de papel dos orgasmos nocturnos,

Que voam
voam como pássaros imundos
sujos
sem cigarros como eu
como eu há nove meses sem fumar.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Fingidos torrões de açúcar

Desejava morangos, ofereceste-me pêssegos com sabor a ácido acetilsalícilico, hesitei, depois deste-me um pau de carvão para escrever o meu nome na parede do sono, tentei, sabes que sim, mas foi tão difícil, e não consegui, desisti, e mergulhei
Na triste insónia da dor que as madrugadas deixam ficar sobre os corpos húmidos dos amantes antes de partirem, e trazem depois o dia, tristes às vezes, límpidos, suados, molhados como as folhas das árvores depois da miudinha chuva de fim de tarde, nas Primaveras cansadas, entre pedras de paixões proibidas e os vidros fumados dos pulmões doentes do velho de mãos encardidas pelo tempo dos sonhos, ouvia-te mergulhar nas lágrimas dos poemas de amor que a tua mãe tinha semeado, antes de partir para o eterno descanso, e assim nasceu o primeiro beijo, construído com hélices de tungsténio e as turbinas que os púbis desprotegidos das montanhas deixam ficar junto à ribeira das águas onde brincavam as palmeiras do largo com pavimento em paralelepípedo,
Ontem havia cenouras ao jantar, cansavam-me os pêssegos com sabor a ácido acetilsalícilico, e confesso, a ti, só a ti, o que eu desejava mesmo eram morangos com pétalas azuis e olhos esverdeados, como as nocturnas miúdas que esperam pelo amor junto aos candeeiros a petróleo, sílabas, palavras cada uma a cinco cêntimos
Vai uma voltinha, meu querido poeta?
Inseria a moeda na ranhura, fincava os dentes como se tivesse na minha boca um aloquete made in China, e eu sentia o perfume das flores mortas dentro dos lençóis de carqueja que até chegar ao cimo da montanha desgovernada, eu, o desgraçadinho homem das sete palavras e meia, ia deixando aqui e ali, e hoje, hoje a montanha parece um ninho de morcegos, quartos duplos com casa de banho privativa, pequeno-almoço incluído, por uma módica quantia de vinte e cinco euros, a pensão envelhecia, do proibido amor, que
Vai uma voltinha, meu querido poeta?
O poeta desgraçadinho, aquele que desejava morangos em vez de pêssegos com sabor a ácido acetilsalícilico
Desculpa, não percebi,
E as portadas da noite desciam até encobrirem todas as árvores da cidade que um coração de xisto alimentava, acariciava, que todos os homens fingiam não existir, que todas as mulheres diziam ser um embuste, falso, maligno, o coração de pedra, e no entanto, eu
Desculpa?
Eu prefiro os corações de pedra aos fingidos torrões de açúcar.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Vulcão de areia


Um vulcão de areia
entranha-se na minha pedra mão
como se os Sábados fossem silêncios de prata
cansados do orvalho que durante a noite
poisa levemente sobre as árvores nuas,

Acreditava eu
que os bichos tinham na algibeira beijos de silício
e ramos de alecrim
acreditava ela
que eu escrevia palavras nos lábios das estrelas,

E suspendiam-se em mim
as garras perfeitas das canetas de tinta permanente
que sobre a solidão de uma folha de papel
sozinha
desenhava sorrisos com dentes de poesia mórbida,

Ouviam-se os corredores da morte
procurando as suas almas
e mesmo assim
acreditava que me amavas
como os pássaros amam os pedacinhos de sol das searas abandonadas,

Tinha medo das cartas de amor
que nunca conseguiste escrever
porque dentro de ti
há uma janela com diamantes
que deixa fugir todas as palavras belas que a paixão amealhou.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A catalogadora de ossos

As cerejas pareciam loucas de ciúme enquanto ele saboreava um cacho de uvas cor de sílabas mentirosas e sorrisos de poeira, e conforme o retirou da nobre videira assim foi saboreando cada bago, bolinhas de sumo com sabor inconfundível, bolinhas imaginárias com olhos de prata apontando os desfiladeiros que o levavam até ao rio, curvas de carris caminhavam como se fossem grãos de areia a descer a montanha, bem lá no altíssimo altar da natureza, jazia um abrunheiro com bronquite e ao lado, na cama número treze, um pequeno pessegueiro a queixar-se de dores intensas na coluna, o médico, um castanheiro de meia-idade tinha-lhe diagnosticado reumatismo agudo, devido à doença da Tinta, em frente a ele, na cama número nove dormia o limoeiro, que devido aos sedativos que sobejavam dos pingos das bolhas castanhas que uma fina prata de alumínio derramava, pedrado como os seixos brancos dos mares clandestinos, há dois dias que tinha levantado voo e apenas víamos o corpo esquelético sobre os cobertores de aço onde se deitava, o resto
Ninguém sabia onde encontrar,
Tinham-se esquecido de encerrar as janelas, estava vento, tínhamos medo que a sua força levasse os frágeis ossos do adormecido limoeiro, uma roseira, experiente catalogadora de ossos, numerou-os, e um a um, todos, como se fossem pedras de granito quando um ricaço qualquer as resolve transladar para outro local, a bananeira, desenhadora e escritora, fez o respectivo esboço, e assim, tínhamos a garantia que tudo o que acontecesse ao coitado do limoeiro, sempre o podíamos reconstruir, e levá-lo para outro local, se necessário,
Tenho quarenta e sete anos, sou um plátano e perdi vinte e cinco quilogramas, e tudo por apenas três drageias por semana, agora sinto-me..., sinto-me como se tivesse vinte anos, o tronco está mais delgado, e os meus ramos, encolheram, e agora até já consigo sentar-me num dos bancos de madeira que vivem no jardim ou baixar-me e colocar a caixa vazia de cigarros na papeleira, e tudo quase sem esforço, e tudo por pouco dinheiro,
E ninguém sabia onde encontrá-lo, na aldeia até já tinham pedido ao senhor Prior para rezar uma missa pela sua pecadora alma, e em uníssono diziam
Coitado do limoeiro, no fundo era um desgraçado, e tirando o vício, uma jóia, uma jóia de árvore
O senhor Prior rezou a missa pelo seu desaparecimento, ao centro da Igreja tinham colocado a fotografia a preto e branco de quando ele ainda era uma árvore robusta, forte, e nem a mais agreste das tempestades a conseguiam derrubar, mas agora, agora vive na agonia de partir sem que venham a saber a verdadeira história dele, e talvez por essa razão, hoje relate a vida e os saborosos limões que este meu amigo limoeiro deu, vendeu, e se não fosse o maldito vento
Ninguém sabia onde o encontrar, e o maldito vento conseguia arrastar as rochas do fundo do mar até ao santuário, nas algibeiras viemos a descobri pedaços de corda de nylon, não percebíamos qual a sua utilidade, mas hoje sabemos que foi com essas mesmas cordas que o triste limoeiro se suicidou, quando acordou da sonolenta paixão pelas bolhas castanhas, amarrou-se com uma das pontas da corda de nylon e a outra ponta prendeu-a a um dos pilares da enfermaria, depois
Depois coitado, ninguém sabia onde o encontrar,
E depois, quando já a noite poisava sobre o pavimento irregular da enfermaria-montanha, ergueu-se, cruzou os braços e voou em direcção ao abismo, e gritava enquanto sufocava
Detesto mentiras, Detesto mentiras, Detesto...

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Uma grade de aço com boca de quadriculas

Cessaram-se-lhe todos os ínfimos pingos de chuva que mergulhavam nos olhos vendados do homem prisioneiro da janela dos sonhos, havia silos de areia para ornamentar o regresso das navalhas de prata que docemente alimentariam o peito almofadado, acordava o vento que dançava abraçado aos ramos cintilantes das eternas manhãs desprovidas do orvalho semeado durante a noite por um vagabundo com um chapéu de palha seca, começava a chover pedacinhos de botões de açúcar, e mesmo antes de cessarem-se-lhe todos os ínfimos pingos de chuva que mergulhavam nos olhos vendados, ele cuspia pequenas golfadas de vento que fazia correr as folhas mortas que poisavam sobre a relva como um cobertor de lã sobre uma cama imaginária, que todos sabíamos, só ele, apenas ele, conseguiria ver, tocar, deitar-se nela, os dias passava-os sentado numa pedra granítica que tinha sobejado da reconstrução do cais do silêncio, e tinha por hábito cruzar os braços e fincar os lábios nos dentes de gesso há muito fora de validade,
Eu temia o regresso às árvores de poeira com ramos de algodão, sentia-lhes o cheiro intenso quando um interruptor de luz desligava-me os aparelhos vários que dentro de mim habitavam, e que eu já me tinha habituado, tão habituado, que muitas das vezes nem de dava conta que vivia com electrodomésticos no interior do meu estômago, ou um exaustor no interior dos meus pulmões calcinados pelo betuminoso que eu pisava na rodovia que me levava até casa, sentia-me completamente só, e nem os pássaros embalsamados, também eles sós, dormiam tão tristemente como eu dormia, quando as noites chegavam e eu fazia de conta que não estava em casa, batiam-me à porta e eu sabia que do outro lado ninguém à minha espera, talvez um velho morcego, em voos nocturnos, ou um pedra da calçada que se tenha soltado quando da passagem do eléctrico,
Ele acreditava nos abraços do amor e nas relíquias de espuma que o desejo deixava ficar sobre a mesa de pedra no centro do quintal, em volta, uma ramada servia de parede diurna e que quando da vindima colhiam uvas ranhosas completamente embriagadas pelas abelhas do senhor António Joaquim José de Pedro, e um enormíssimo ramo de flores com apetites de pólen esvoaçava como esvoaçavam as gaivotas sobre os velhos cacilheiros que o antigo Tejo abrigava como um pai quando pega no seu filho, e o beija, e o acaricia, e lhe diz baixinho,
Deus te proteja, meu querido filho,
Desconheço se algum dia o meu pai fez o mesmo, e se o fez, nem sequer me apercebi, porque perante Deus não existo, como não existo
Ele tinha medo do sono,
Como não existo nos dias ímpares, como não existo estatisticamente neste País de marinheiros sem embarcações robustas, e as poucas que existem, são como o xisto dos socalcos do Douro, parecem esponjas que absorvem toda a água, e os rios tornam-se chatos, amargos, tristes, e de olhar carrancudo,
Ele tinha medo do sono, vestia-se de preto, e no pouco cabelo que lhe cambaleava sobre a cabeça, prendia-lhe uma rosa com um arame de oiro, descia e subia os poste da iluminação pública, e não quero mentir, mas dizia-se que ele era filho da noite e da Lua crescia, fruto de uma relação proibida e extraconjugal, como muitas, e tantas, algumas felizes, outras
Como não existo quando os sons da Primavera dançam no cimo da copa das árvores, como não existo quando me olhas como um louco, um morto-vivo, moribundo, murmúrio magma dos seios de marfim que um artesão esculpiu nas paredes de mármore do meu empobrecido túmulo, como nunca existi
Outras, um fumo azul-celeste rompia a sujidade húmida do cachimbo usado pelo velho António Joaquim José de Pedro, sabíamos que no tabaco bolorento misturava-lhe as drageias para a próstata, insónia e reumático, às vezes, quando não se esquecia, introduzia também pequenos grãos de pólen para as constipações, dizia-nos ele quando lhe perguntávamos o que faziam grãos de pólen misturados no tabaco de cachimbo,
Hoje ninguém se interessa pelo magnetismo que tinham e têm os espectáculos de circo, a magia da inocência, as pálpebras de lona suspensas no tecto embaciado das matinés embrulhadas no ténue cacimbo da saudade, ouviam-se os lilases sorrisos da menina trapezista sobre um arame invisível, eu conseguia ouvir-lhe a respiração ofegante, trémula às vezes, em gemidos de Pôr-do-Sol, outras,
Ele tinha medo do sono,
Duas galinhas tinham acabado de morrer por afogamento, e o zinco que as cobria, em círculos no quintal do vizinho, eu gostava dele porque às vezes via-o em pequenos voos em volta das mangueiras, e com um saco de rede, recolhia todas as sombras que encontrava, dizia-nos que serviam para nas horas vagas fazer pequenas esculturas que posteriormente as vendia na Baía de chocolate banhada pelo mar de amêndoa, e também sejamos francos, o que são duas galinhas e três ou quatro chapas de zinco?, trocos, miúdos (de frango?), bonecos de borracha pendurados num triciclo enferrujado, como eu, que deixei de existir, que deixei
Medo do sono,
Colorir-me com o medo do senhor António Joaquim José de Pedro e quando acordar em mim a insónia, fazer de conta que não existo, como sei que nunca existi
Para ti, para mim, para eles, para elas,
Em vidro opacos completamente mergulhados nas roldanas de um relógio de pulso, e sabia-o
Que nunca existiram pingos de chuva,
E sabia-o
Que nunca existiram olhos vendados,
E sabia-o
Que nunca existiu um homem prisioneiro e a janela dos sonhos era uma grade de aço com boca de quadriculas que faziam sombra nos silos de areia.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Envergonhados barcos em loucos oceanos de gelo

Que faço eu sobre este pedaço de gelo esquecido no intranquilo mar da solidão? Perguntavam-se-lhes homens com cabeça de abóbora e olhos de cinzento amanhecer, não respondiam, cerravam os lábios de giesta nas rochas onduladas do faminto monte dos milagres incompreendidos, olhávamos-nos, e víamos entre os poste de cimento que seguravam as velhíssimas videiras, constituindo assim a ramada mais longa e indigesta da aldeia dos bebés filhos da água, os feridos pássaros pelos suspiros das almas gémeas, havia
Que faço eu aqui, meu querido?
Peso? Espaço? Solidão ou paixão em limites parêntesis das quadriculas enumeradas pelo professor de Matemática, via nas equações o sofrimento das palavras, dos homens, e das mulheres disfarçadas de flores com pétalas de sol, e no entanto, não me respondes à simples questão
Que faço eu aqui, meu querido?
Havia pinheiros velhos com bengalas de sombra e da penumbra escuridão dos olhos cinzentos dos homens com cabeça de abóbora uma atmosfera de embriaguez soltou-se da mesa com piso de mármore onde deixavas ficar os pedaços de papel e a caneta esfomeada, sem tinta, secos os mamilos da poesia, e no entanto
Quando me perguntas
O que faço eu aqui?
Não sei minha pobre filha com sabor a morango, e no entanto, uma navalha entranha-se-te e olhas-me de soslaio sabendo tu que nas minhas mãos vivem grãos de pólen e sementes de aveia, e tu apenas desejas que eu te responda à simples questão
Que faço eu aqui, meu querido? E dizes-me que não és abelha, Eu não sou uma abelha, portanto não preciso do pólen das tuas mãos, confesso em voz baixa que
Ela tem razão, como têm todas as noites de vigia que eu passava a olhar as bandeiras pintadas de orvalho quando desciam a calçada as meninas com borboletas pintadas na saia, sobre os cabelos tinham uma vaga escura vinda do oceano quando ainda tínhamos oceano em casa, abríamos a janela e encontrávamos os lábios da doce nuvem pintalgada de desejo e olhar doentio, e quantas vezes perdemos o que desejamos por nos calarmos? Ouvia-a enquanto queimava alguns dos meus desenhos na lareira, e confesso em voz baixa que começo a ficar um sonhador liquefeito, e confesso em voz baixa que começo a ficar sonolento, e sinto-me escorrer para a sarjeta em frente à casa dos pilares de areia, cheira-me a ferro fundido, a aço emagrecido, cheira-me a bolhas de luz com dentes de alumínio, e
Quando me perguntavas
O que faço eu aqui?
Dizia-te que havia pinheiros velhos com bengalas de sombra e da penumbra escuridão dos olhos cinzentos dos homens com cabeça de abóbora uma atmosfera de embriaguez soltava-se da mesa com piso de mármore onde deixavam ficar os pedaços de papel e a caneta esfomeada, sem tinta, secos os mamilos da poesia, e no entanto, tal como ontem, hoje, amanhã, continuarás a perguntar-me
O que faço eu aqui?
E eu perguntar-te-ei se gostas de cá andar
Gostas de cá andar? No mundo? Responder-me-ás
E vais esconder-te nos dejectos das palavras em cio,
Como os rios misturados nos envergonhados barcos, ao longe sente-se o latido de um canino solitário, talvez, tal como a caneta de tinta permanente, aquela que há pouco ficou esquecida sobre a mesa de mármore, esfomeada, sem tinta, com os mamilos da poesia secos, extintos, talvez eu tenha de assassinar a mulher de porcelana e o homem de vidro, que vivem, que vivem perguntando-me
O que fazemos aqui? Quantos éramos antes de possuirmos o teu corpo?
Que vivem disfarçados e disfarçadas como as raízes dissolvidas no almofariz da noite voadora com penas de cetim, havia, havia, havia em cada electrão um raio ínfimo com a capacidade de transformarem-me em gelo, e assim, deitava-me liquefeito e acordava solidamente sorridente, como as perdizes cansadas que deixaram de voar no monte da fantasia, bastando-lhes para isso, baixarem bruscamente a temperatura do amor confuso, fusco, vigiado por cabeças de alfinete ante do Big Bang, e depois eu ficava um pedaço de gelo esquecido no intranquilo mar da solidão.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha