Desejava morangos, ofereceste-me pêssegos com sabor
a ácido acetilsalícilico, hesitei, depois deste-me um pau de carvão
para escrever o meu nome na parede do sono, tentei, sabes que sim,
mas foi tão difícil, e não consegui, desisti, e mergulhei
Na triste insónia da dor que as madrugadas deixam
ficar sobre os corpos húmidos dos amantes antes de partirem, e
trazem depois o dia, tristes às vezes, límpidos, suados, molhados
como as folhas das árvores depois da miudinha chuva de fim de tarde,
nas Primaveras cansadas, entre pedras de paixões proibidas e os
vidros fumados dos pulmões doentes do velho de mãos encardidas pelo
tempo dos sonhos, ouvia-te mergulhar nas lágrimas dos poemas de amor
que a tua mãe tinha semeado, antes de partir para o eterno descanso,
e assim nasceu o primeiro beijo, construído com hélices de
tungsténio e as turbinas que os púbis desprotegidos das montanhas
deixam ficar junto à ribeira das águas onde brincavam as palmeiras
do largo com pavimento em paralelepípedo,
Ontem havia cenouras ao jantar, cansavam-me os
pêssegos com sabor a ácido acetilsalícilico, e confesso, a ti, só
a ti, o que eu desejava mesmo eram morangos com pétalas azuis e
olhos esverdeados, como as nocturnas miúdas que esperam pelo amor
junto aos candeeiros a petróleo, sílabas, palavras cada uma a cinco
cêntimos
Vai uma voltinha, meu querido poeta?
Inseria a moeda na ranhura, fincava os dentes como
se tivesse na minha boca um aloquete made in China, e eu sentia o
perfume das flores mortas dentro dos lençóis de carqueja que até
chegar ao cimo da montanha desgovernada, eu, o desgraçadinho homem
das sete palavras e meia, ia deixando aqui e ali, e hoje, hoje a
montanha parece um ninho de morcegos, quartos duplos com casa de
banho privativa, pequeno-almoço incluído, por uma módica quantia
de vinte e cinco euros, a pensão envelhecia, do proibido amor, que
Vai uma voltinha, meu querido poeta?
O poeta desgraçadinho, aquele que desejava morangos
em vez de pêssegos com sabor a ácido acetilsalícilico
Desculpa, não percebi,
E as portadas da noite desciam até encobrirem todas
as árvores da cidade que um coração de xisto alimentava,
acariciava, que todos os homens fingiam não existir, que todas as
mulheres diziam ser um embuste, falso, maligno, o coração de pedra,
e no entanto, eu
Desculpa?
Eu prefiro os corações de pedra aos fingidos
torrões de açúcar.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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