Conheci um velho, fumava cachimbo e tinha como hobby
encantar e desencantar as serpentes invisíveis de um circo
ambulante, apaixonei-me pelo circo desde muito novo, fascinava-me
olhar as luzes, as mulheres que voavam sobre a circunferência em
formato de palco, no chão apenas um tapete de lona, sobre as
cadeiras uma penumbra de giz brincava nas ardósias masculinas que
acompanhavam os filhos, e as filhas, e as mulheres, e as namoradas, e
os namorados, e todas as moscas devido à presença de animais
domesticados que o domador ia desenhando numa parede verde com flores
amarelas, conheci o velho Domingos e desde esse dia
Nunca mais o esqueceu, iam passear para os
descampados longínquos das casas de madeira e zincadas, como as
chaves de casa, ou quando se abriam os portões dos quintais com
mesas de madeira, e cadeiras de cimento, e sobre as mesas, garrafas
vazias de cerveja Cuca, botões em decomposição que saltavam das
camisas que aos poucos inchavam como pedaços de esponja com as
chuvas de fim de tarde, e ele entre voos e fantasias, acreditava que
um dia ia ser artista de circo, malabarista, trapezista ou encantador
de serpentes como o velho Domingos, acabou por ser mordomo e
apaixonou-se pela patroa,
Saboreava as quitetas com o molho de sombra de
mangueira, de olhos vendados, noite e dia, lembrava-se das ondas do
mar de barcos em fila para entrarem na barra, um triste rebocador
puxava-o até que ele depois de encostar na plateia, sentava-se,
alinhava-se na cadeira e empurrava as pernas até encontrar os
silêncios de capim do recinto onde tinham atracado o circo dos
sonhos, os barcos misturados com as bailarinas, em círculos
concêntricos, e acabavam a noite a extrair a raiz quadrada dos seios
da menina Augusta, que sobre as mesas de madeira dos quintais, e
cadeiras de cimento, e sobre as mesas, garrafas vazias de cerveja
Cuca, botões em decomposição que saltavam das camisas que aos
poucos inchavam como pedaços de esponja com as chuvas de fim de
tarde, ela só, e só ela, abraçava-se à serpente que só o velho
Domingos com os seus dedos de arame sabia entreter,
Eu era um menino húmido com pétalas de papel
crepe,
(fico triste, muito deprimido, quando termino a
leitura de um livro e começo a leitura de um novo, e fico com a
sensação que algo dentro de mim se perdeu, morreu, enterro as
personagens antigas e visto-me com as novas, apago com o apagador o
giz da história de ontem e recomeço esta noite com uma nova
história, e às vezes tenho a necessidade de deixar uma história em
suspenso, hoje não sei, se recomeço “O Ano Em que Zumbi Tomou o
Rio” de José Eduardo Agualusa, ou comece um novo que espera por
mim há tempos infinitos e que por falta de tempo ou paciência fui
deixando para o futuro, e hoje, hoje talvez pegue no “Livro do
Desassossego”, porque não? Terminado o livro “Dentro do Segredo”
de José Luís Peixoto, que dizer? Que uma tristeza se apoderou de
mim como os tentáculos de um polvo em volta do meu pescoço de cana
de açúcar; e por mais que eu tente, não consigo imaginar-me a
viver num País como a Coreia do Norte),
Prefiro ser mordomo e loucamente apaixonado pela
minha patroa, senhora distinta, frágil como uma semente de girassol,
foi artista de circo, trapezista nas nocturnas noites de Luanda,
sobre o arame não havia igual, e tal como as serpentes do velho
Domingos, também ela necessita de uns dedos de arame com sabor a
baunilha, e beijos e beterraba, e
Havia flores no cabelo da Patroa, o mordomo,
loucamente apaixonado pelos circos ambulantes que aportam nas cidades
e aldeias e vilas e mares clandestinos das avenidas mortas pelo tédio
das grandes e longas mãos que engolem a flauta do velho Domingos, e
a serpente de areia saltita em pedaços de milímetros amarrotados
nas manhãs antes de acordarem as sombras do tio Francisco, o amor, o
amor e a velha paixão de amar o desconhecido poema com palavras de
vidro, e
E
Eu era um menino húmido com pétalas de papel
crepe,
E
Nunca mais o esqueceu, iam passear para os
descampados longínquos das casas de madeira e zincadas, como as
chaves de casa, ou quando se abriam os portões dos quintais com
mesas de madeira, e cadeiras de cimento, e sobre as mesas, garrafas
vazias de cerveja Cuca, botões em decomposição que saltavam das
camisas que aos poucos inchavam como pedaços de esponja com as
chuvas de fim de tarde, numa parede verde com flores amarelas.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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