foto de: A&M ART and Photos
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Éramos dois barcos dentro da mão da tempestade,
vivíamos sonhando como sonhavam os nossos antepassados, tínhamos
luas sem luar, ouvíamos as lágrimas da noite e dormíamos
acreditando que a noite era mãe das amendoeiras em flor, tínhamos
sidos enganos, só não éramos nada, tu e eu, como a noite nunca
existiu, só não éramos nada, como tu e eu, como os sonhos são uma
mentira inventada pelas nuvens de prata, só não éramos anda, tu e
eu, como a noite, sim, essa mesmo, como a noite nunca foi a mãe das
amendoeiras em flor, porque estas
Nunca existiram?
Existiram, e existem, mas... deixaram de habitar a
nossa aldeia depois dos incêndios que fizeram de nós, num verão
incandescente, como uma lareira enfeitada com papel florido e
pequenos desenhos em acrílico sobre tela, quanto vale
Nada,
Não vendo desenhos, não vendo vidas habitadas em
telas sem sentido, nuas, escuras, telas minhas que acreditava serem
também tuas, telas dela que eu acreditava serem dele... e nada lhes
pertencia, a manhã, o frio, as flores dos vasos que quando o vento
era mais forte os fazia estilhaçar na calçada, da varanda em queda
livre
Ajuda!,
E AJUDA nenhuma, apenas paralelepípedos de tristeza
mergulhados nas línguas dos magalas com gravatas em tecido
desbravado das costureiras envelhecidas, ela trôpegamente subia as
escadas, abria a porta de entrada e logo de seguida um velho gato
infestado de reumático lhe poisava não mão esquerda, enquanto com
a mãos direita afagava os colarinhos de uma gaivota tresmalhada,
envenenada pelas insónias vodkas dos bares em Cais do Sodré, e
putas de perfume inocência vagueavam a rua saboreando sexos murchos
dos candeeiros ancorados aos pinheiros de Trás-os-Montes acabados de
nascer, e cresciam, e cresciam
E AJUDA nada,
Descíamos pensando que subíamos,
Os braços da sombra Inglesa com rissóis de maré
grelhada e molho de pôr-do-sol, éramos quatro barcos, éramos
quatro vadios guindastes de marfim na boca de um crocodilo em
pau-preto, e se a princípio éramos apenas dois barcos
Como quatro hoje?
Barcos em flores acreditando nas gaivotas de
porcelana, como dois antes, os filhos dos filhos, e as putas de
perfume inocência vagueavam a rua saboreando sexos murchos dos
candeeiros ancorados aos pinheiros de Trás-os-Montes acabados de
nascer, e cresciam, e cresciam
Até
E cresciam...
Até morrerem.
P.S.
o habitáculo do desejo
dentro do habitáculo do desejo
a bailarina Caliente voa sobre as
gaivotas em flor
uma moeda insere-se na ranhura do piano
embriagado
ouvem-se sons dispersos nas coxas dele
ele geme
ela sente cada milímetro quadrado dos
gemidos dele
o piano enlouquece
o piano derrama a fina pauta de sémen
sobre a geada da alvorada
sinto a lareira do ciume nas planícies
do abismo coração solitário
e dentro do habitáculo
ela
ela ri-se e dos lábios sobejam as
finas pétalas do prazer...
Percebes agora a razão da existência dos quatro
barcos em vez de dois?
Não, não percebo,
Éramos dois barcos dentro da mão da tempestade,
vivíamos sonhando como sonhavam os nossos antepassados, tínhamos
luas sem luar, ouvíamos as lágrimas da noite e dormíamos
acreditando que a noite era mãe das amendoeiras em flor, tínhamos
sidos enganos pelo habitáculo do desejo, e dos vidros embaciados,
nasceram mais dois barcos, filhos dos dos dois primeiros barcos,
Percebes agora a razão da existência dos quatro
barcos em vez de dois?
Não, não percebo,
Tudo
Não percebes?
Tudo tão negro quando os gemidos da saudade se
entranham nas frestas dos complexos números do quadriculado caderno,
e de vez em quando
Poemas,
E de vez em quando
Percebes agora a razão da existência dos quatro
barcos em vez de dois?
Não, não percebo,
Como nunca percebi porque chamam Calçada à
AJUDA... quando ninguém é ajudado e o rio engole os sexos murchos
dos candeeiros ancorados aos pinheiros de Trás-os-Montes acabados de
nascer, e cresciam, e cresciam
E morriam.
(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 12 de Novembro de 2013
Barcos em flores acreditando nas gaivotas de
porcelana