terça-feira, 9 de abril de 2019

O círculo


Desenho o círculo, o quadrado e o triângulo, nos teus lábios de papel quadriculado,

Escrevo-te enquanto brincas na chuva, como uma criança mimada,

Tenho pena dos jardins e das flores,

Quando me sinto abandonado,

Pela tempestade, quando acorda a madrugada,

Na sanzala dos amores.

Leio-te.

Todas as palavras escritas no teu corpo de cerâmica, e na tua pele, o perfume do silêncio amargurado,

Leio-te, como se fosses um livro de poesia,

Quando o poeta está triste,

Com heresia,

Na chuvinha que não resiste,

Ao beijo da alvorada.

Sinto a paixão das palavras no meu corpo cansado.

Desenho o círculo, o quadrado e o triângulo, nos teus lábios de papel quadriculado,

Percorro socalcos,

Pego no xisto,

Sei que existo,

Porque dos teus lábios, brotam a neblina da loucura,

Na cidade, encontro-me encurralado,

Como uma arma de fogo, uma navalha… apontada ao Sol,

E, no entanto, gosto das nuvens de algodão.

Tenho na mão o fogo do amor,

As luvas da paixão,

Tenho na mão a dor,

Quando a espada se entranha no chão.

O círculo,

O quadrado,

O triângulo…

Todos.

Apaixonados.

Todos.

Cansados.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

09/04/2019

segunda-feira, 8 de abril de 2019

A mosca


Parem todos os imbecis.

Parem todos os ignorantes,

Energúmenos e os ausentes.

Parem todos os automóveis,

Parem todos os loucos,

Parasitas e poucos.

Parem todas as campainhas,

A minha,

A do vizinho.

Parem a Terra,

O silêncio,

E as mulheres belas.

Parem o trânsito,

As ruelas,

Ruas,

Cadelas.

Parem as putas,

Os putos…

E as naus encarceradas nas tuas mamas.

Parem.

Por favor, parem.

Parem as flores,

Os jardins,

Os amores.

Parem.

(Parem todos os imbecis.

Parem todos os ignorantes,

Energúmenos e os ausentes).

Parem os chulos,

Prostitutos,

Afins…

Parem tudo. Dói-me a cabeça.

 

Parem.

 

E, respeitem os ciganos!

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

08/04/2019

domingo, 7 de abril de 2019

As gaivotas de Luanda


O chão semeado de sombras,

Dentro de mim, o mar,

Descalço,

A convidar-me para brincar.

O cheiro da terra húmida,

As palmeiras envenenadas pelo silêncio,

Quando as gaivotas de Luanda, dormem na Baía…

Oiço-as.

O chão semeado de sombras,

O capim molhado com cheiro a sonho,

Sobre a terra,

Os barcos de papel da infância.

O som dos transeuntes mabecos perto da sanzala,

As crianças brincando com a tarde salgada,

Que um velho sábio trouxe do mar.

Abraço-me às mangueiras, deito-me no chão semeado de sombras,

Sonho com uma Lisboa desconhecida, onde se passeiam putas e bêbados…

Pelas avenidas escurecidas.

E, no entanto, ainda hoje, desenho no teu corpo, gaivotas.

Uma Lisboa embrulhada em cheiros e sabores,

As tasquinhas, nas paredes, o peixe frito com sabor a cebola,

O vinho misturado com a água salgada,

E as pipas parecem esconderijos de marinheiros.

As gaivotas, meu amor,

As gaivotas que desenhei nos teus seios,

Dos incêndios da minha infância…

Alucinações,

Eu, eu brincando com as galinhas da minha avó,

De calções,

Sandálias…

E sonhos.

 

E hoje, sou apenas um velho esperando a morte.

 

 

Querida Lisboa,

 

Dos enfartes que as guloseimas de uma criança, deixa sobre a terra,

 

Querida Luanda; as gaivotas dos teus braços.

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

07/04/2019

sábado, 6 de abril de 2019

Suspenso no teu olhar.


Vou assassinar todos os meus livros,

Dar-me como culpado,

E durante a noite, enquanto as estrelas dormem, ser incinerado.

Vou assassinar o teu corpo, apenas o teu corpo,

E fugir para a Lua,

Vou beijar os teus lábios,

Antes de assassinar todos os meus livros,

Dar-me como culpado,

E deitar-me nas tuas cinzas,

Eu, cremado,

Como os meus livros,

Como o meu corpo…

Incinerado.

Vou queimar os teus seios,

Antes de escrever neles, amo-te,

Vou assassinar todos os meus livros,

Quando começar a madrugada.

Quando eu morrer,

E, os meus livros,

E, o teu corpo,

Vou,

Talvez,

Ser feliz.

Como os meus livros,

Como o teu corpo,

Como o meu corpo.

Vou assassinar todos os meus livros,

Dar-me como culpado,

E durante a noite, enquanto as estrelas dormem, ser incinerado…

Como a vida é complexa…

 

Como o teu corpo, suspenso no teu olhar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

06/04/2019

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Morre-se de quê?


Das lágrimas do mar de rosas,

Nasceram os teus olhos de Primavera.

Dançam as andorinhas sobre a poeira tarde,

Como palavras brincando com o vento.

Das lágrimas do mar de rosas,

Obtenho o silêncio dos teus lábios,

Tão belos, no chão desenhados,

Na eira brinco com o papagaio de papel,

Corro, corro, corro sem parar,

E abraçar,

O teu corpo,

De silício.

Grito pelo mar,

Sempre ausente de mim,

Eu que vivi,

Sobre o mar,

Sobre o vento,

E hoje, pareço um transatlântico traumatizado pelas ondas melódicas da noite,

O profano,

O homem da paixão,

Que por engano,

Que por medo,

Diz não,

Diz não.

Das lágrimas do mar de rosas,

Nasceram os teus olhos de Primavera.

Pego na tua mão de porcelana,

Acaricio o teu rosto de cristal,

E no final da tarde,

À hora do lanche,

Ofereço-te um beijo,

Sem perceber,

Que habita em mim o Oceano teu desejo,

São os livros, meu amor,

São os livros que que alimentam a paixão.

 

Morre-se de quê?

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

05/04/2019

quinta-feira, 4 de abril de 2019

Os teus olhos


Os teus olhos são o mais belo livro de poesia,

Uma canção,

Uma melodia.

Os teus olhos são a escuridão,

Nocturna das almas perdidas,

As palavras prometidas.

Os teus olhos são a mais bela pintura, do teu corpo,

Nua…

Na despedida.

Os teus olhos são a geada,

A cidade endiabrada,

Quando me olhas debaixo do luar,

E, ao longe, sei que habita o mar,

E o jardim das flores apaixonadas.

Os teus olhos, meu amor, são as tardes de brincadeira,

O baloiço de uma criança,

Quando desce a ribeira,

E o meu olhar te alcança.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

04/04/2019

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Cartas e outros objectos


Enquanto ela dormia,

Sob as nuvens de iodo,

O poeta desenhava palavras nos seios da serpente.

Era noite,

Tinha sobre a secretária, todas as cartas recebidas e não respondidas…

O espelho pertencia-lhe, e, via o seu corpo embrulhado nos meus braços.

Naquele momento, nada queria ver,

Nem o mar,

Nem o carteiro que todos os dias me trazias as cartas…

Apenas queria acariciar-lhe os lábios,

Desenhar-lhe nas coxas a cidade efervescente dos dias de loucura,

E mesmo assim,

Quando abria os olhos,

Dizia-me que eu era o mar.

Talvez,

Porque hoje percebo as dores nas costas,

O peso dos petroleiros,

Veleiros,

E outros…

Começava a tremer de frio,

Era Verão,

Mas tinha sempre frio…

Tremiam-me as mãos de cerâmica que o meu pai comprou em Luanda,

Às vezes, poucas, transportava no meu peito o sofrimento,

A dor,

Os vómitos,

A ressaca das noites sem dormir,

E, ela, deitada nos meus cabelos.

Enquanto ela dormia,

Eu, eu sentia,

Não vivia…

E sabia…

Que um dia queimaria todas as cartas.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

03/04/2019

terça-feira, 2 de abril de 2019

Borboletas em papel


Borboletas no meu velório,

Apenas borboletas,

Ninguém,

Ninguém à minha espera,

Comigo, morreram as palavras,

Todos os livros, machos e fêmeas,

Segunda-feira ou Terça-feira?

O xisto amarfanhado pelo silêncio da poesia,

As frases afundaram-se nas tuas mãos,

Como gaivotas em cio.

O poço,

O cheiro nauseabundo dos velhos livros,

Abraçados a mim,

Tenho um corpo de merda,

E uma rua dentro de mim, sem nome, sem casa, sem nada…

Dormir,

Não durmo,

Comer…

Não como nada.

Peço aos amigos, a todos, paciência,

Nada mais do que isso,

Nem flores,

Odeio flores e odeio o teu sorriso,

Odeio o mar e o todos os rios…

São recheados de falsidade,

Como tu, pobre pomba poisada no meu ombro,

Dormir,

Não durmo,

Comer…

Quase nada.

Borboletas em papel,

Sombras em pastel,

Telas esbranquiçadas com lábios de suor…

É esta a minha vida,

Embrulhado em palavras,

Dormindo,

Não dormindo,

Dentro das sílabas assassinadas.

Despeço-me, e do cimo do monte…

Enterro o teu nome,

Escrevo na terra…

Amo-te, não te amo, amo-te… só quando nascer a noite.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

02/04/2019

segunda-feira, 1 de abril de 2019

As palavras que nunca te vou escrever


Tenho palavras na algibeira,

São tantas,

Que parecem os peixes voando debaixo do mar,

Por medo,

Por vergonha,

Estas palavras, as minhas palavras,

Nunca chegarão a ti,

Como a chuva invisível,

Que cai sobre o teu cabelo,

E, ele, sempre seco,

Esbelto como as estrelas.

Estas palavras adivinham, morte,

Tempestades,

E tormentas…

Que só o meu veleiro sabe desbravar,

Como uma floresta doente,

Como os pássaros, também eles, recheados de palavras…

Mas…

São palavras que nunca te vou escrever,

Podia dizer-te que és um amor,

Um bombom,

Ou o luar quando a noite se vai banhar no Oceano…

 

Tenho palavras na algibeira…

Que não me servem de nada,

De palavras está a cidade infestada,

Como ratos,

Sem-abrigo,

Ou eu, um falido comerciante de palavras.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

01/04/2019

domingo, 31 de março de 2019

O fogo


A morte do fogo, quando a água das palavras, caem sobre o meu corpo,

Em chamas, em brasas.

 

E sobra nada.

 

Simplicidade, risadas…

 

O pó.

 

A madrugada.

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

31/03/2019

sábado, 30 de março de 2019

Os teus olhos


Os teus olhos são as cataratas do Niágara,

O cansaço do povo,

Os teus olhos são a luminosidade da saudade,

O silêncio prometido,

Alto,

Esguio…

 

Das parais encantadas.

 

Os teus olhos são a Primavera,

A mudança da hora,

Deste velho relógio,

Que adormece no meu pulso,

 

Quebrado,

Triste,

Cansado.

 

Difuso.

 

Os teus olhos, meu amor,

São a tempestade nocturna,

A cidade em chamas,

 

E das aldeias perdidas,

 

Nos teus olhos, meu amor.

 

Os teus olhos são o sorriso da madrugada,

A velha jangada,

Poisado na mão do rio…

 

Quando regressa a tarde,

Chorando,

Sem querer…

Chorando.

 

Meu amor.

 

Os teus olhos.

Saudade,

Dos beijos,

Na claridade,

Dos teus olhos,

Quando logo, mais tarde,

Eu, pegar nos teus olhos…

 

E dormir,

Com a saudade.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

30-03-2019

sexta-feira, 29 de março de 2019

O fogo do prazer


Não posso, desisto.

Não posso, finjo, caminhar em tua direcção,

Descalço,

Não posso,

Fingir que te amo.

Se te amasse, amava-te,

Se te escreve, escrevia-te,

Mas, não, não posso,

Fingir,

Escrever,

Se pudesse, lia-te, todas as palavras começadas por A…

Não posso,

Fingir,

Que te lia todas as palavras começadas por A.

Amar.

Começar,

Caminhar,

Não posso.

Fingir.

Que sou o mar.

Lanço no poço da saudade o beijo desenhado,

Na alvorada,

Na eira,

O beijo embalsamado,

Fingido,

Doente,

Caminhando, caminhar,

O fogo do prazer,

Quando o teu corpo adormece,

Arde,

Tudo arde,

Mesmo o entardecer.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

29/03/2019

quinta-feira, 28 de março de 2019

A menina das palavras


O que é hoje o jantar?

Talvez nada,

Livros,

Ou,

Palavras,

Natas,

Cegonhas recheadas,

Poesia, hoje o jantar é poesia,

Não sei se gosto,

Não desgosto,

Talvez adore,

Olhe, menina…

Nunca experimentei.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

28/03/2019

terça-feira, 26 de março de 2019

Oiço-te


Oiço-te.

Penso nas tuas sílabas quando poisam nos meus lábios,

Oiço-te, a cada madrugada, a cada hora passada,

Quando eu deitado, na esplanada encerrada,

Descanso de pessoal,

E, no final do dia, as palavras embriagadas,

Quebram o teu silêncio,

Como uma fechadura,

Pobre,

Nua,

Oiço-te.

Na vanguarda da noite,

Carregado de cartazes,

Lutando contigo,

Lutando…

Até que um dia, novamente,

Perderemos a guerra,

Já o senti,

Já o vivi,

Mas hoje,

Hoje tenho o prazer de te ouvir.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

26/03/2019