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quinta-feira, 4 de maio de 2023

Gaivota

 Uma gaivota de sono

Poisa nos teus lábios,

E fico tão triste,

Tão triste… meu amor…

Porque não sei como afoguentá-la dos teus lábios

E tenho medo de que ela me roube o teu olhar,

 

Ai meu amor…

Como são tristes as janelas do teu silêncio,

Como são tristes,

Meu amor,

As palavras das minhas madrugadas,

Enquanto penso se essa maldita gaivota…

Te vai roubar esse lindo olhar,

 

Cartas que te escrevo

Nas suspensas manhãs de enxofre,

Enquanto nas tuas mãos ardem as flores do teu luar…

E essa maldita gaivota com asas de veludo

Que não se cansa de te rondar,

 

Qualquer dia,

Regressarão as tristes Primaveras,

De que nunca tive medo,

Medo não tenho,

Medo nunca o terei…

Mas preocupa-me essa gaivota de sono

Sem nacionalidade…

E filha da lua,

 

E dizem que o pai é a saudade.

Qualquer dia,

Um outro dia do meu dia,

Teremos dentro de nós as derramadas lágrimas da manhã…

Sem que regressem as rimas nocturnas do teu púbis,

 

E sendo assim,

Que faz essa gaivota,

Meu amor…

No silêncio dos teus lábios?

 

Uma gaivota de sono

Poisa nos teus lábios,

E fico tão triste,

Tão triste… meu amor…

É que nunca sei…

Se essa maldita gaivota te vai roubar o olhar,

Ou se essa maldita gaivota…

Apenas me quer chatear,

 

Olha, meu amor…

Tal como a madrugada,

Quando acorda,

Me lança ao cardume do silêncio,

E apressadamente,

Tenho de correr para o próximo apeadeiro do desejo,

 

E de comboios nada percebo,

Mas parece que não interessa nada perceber de comboios,

Não interessa nada perceber de aviões ou de barcos…

Tive muitos barcos, meu amor,

Muitos barcos em toda a minha vida…

E quase que sou capitão da marinha mercante e afins…

Estacionava-me nos teus braços…

E zás,

Lábios com lábios,

Boca com boca,

Cabelo com cabelo…

 

E quando lhe perguntaram qual é era a raiz quadrada de seiscentos e vinte e cinco…

Não sei, professor…

Nunca o soube,

Que tens uma gaivota de sono nos teus lábios…

 

E da rua da masturbação número vinte e cinco,

As flores da tia Joana em decomposição,

Todas elas mortas,

Todas,

Todas elas em profundo silêncio…

Enquanto rezávamos que a tarde nunca terminasse,

 

E como é triste, meu amor…

Como é triste a partida daqueles que amamos…

Um filho perde o pai,

Perde a mãe,

Perde o seu melhor amigo,

O amigo já tinha perdido o melhor amigo…

Um pai e uma mãe…

Perdem tudo, quando perdem um filho…

E eu,

Nada,

Aqui sentado sobre uma pedra de sono,

Cinzenta,

 

Rabugenta,

E tenho medo, meu amor,

Tenho medo dessa gaivota de sono…

Tenho medo do sono que pertence a essa gaivota,

Tenho medo do feitiço da lua

E das garras da alvorada,

Cansaço do corpo que protege o silêncio,

E depois,

Bom…

Depois vinham a nós as primeiras palavras da noite,

 

E a noite traz-nos de tudo,

Traz-nos as sementeiras da noite anterior,

Traz-nos o desejo do próximo dia…

E sempre que posso,

Rezo à minha mãe…

Que me proteja,

E que nunca me falte a paciência para um novo dia,

 

Abraço-me à imensidão deste mar selvagem,

Onde os cardumes da paixão sobrevivem apenas com duas gotas de água…

E um pequenino silêncio de sono,

O teu sono,

Esconde-se na minha mão,

 

Remexo os papeis,

Todos,

Encontro tudo,

Tudo,

Menos aquilo que procuro,

Apenas, meu amor,

Apenas preciso de um pedacinho do teu corpo…

Onde desabafar as alvoradas que perdi em Luanda,

 

Os vidros sem janelas,

O vento aprisionado na tua boca…

E se me perguntassem qual era a cor do silêncio…

Certamente,

Com toda a certeza,

Responderia…

Não o si,

Nunca o soube,

 

As cartas voam…

E só a maldita dessa gaivota é que não levanta voo,

Essa gaivota de sono,

Sem dó nem piedade…

Que se alapou nos teus lábios…

E que não me deixa aproximar…

E tão pouco escrever o que penso sobre a equação de Deus,

 

Não sei, meu amor,

Não sei se a resolva…

Ou simplesmente a deixe ficar, tal como está, em cima do guarda-vestidos…

O professor Carlos Andrade, põe-te fino Francisco…

O professor Luís Mesquita, põe-te fino Francisco…

E o Francisco que também é Luís,

Nunca sabe se quando está a falar com os professores…

É o Luís poeta,

Se é o Luís escritor de estória sem fundo…

Se se é o pintor…

Que mal acordou, após nascer…

Escreveu nos olhos da doce mãe…

Amo-te,

 

As madrugadas são como os vidros,

Sem janelas,

Sem barcos de engate,

(e se eu pudesse afugentar essa maldita gaivota de sono.)

Mas não o posso fazer,

Não,

 

Quando do silêncio,

Uma pequena árvore se ergue no teu cabelo…

Um pequeno sorriso se desenha nos teus seios de esmeralda…

E depois,

Nada,

Como sempre,

Sento-me sobre esta pedra cinzenta…

E rezo,

E rezo muito…

Que nunca tenha asas de verdade.

 

 

 

 

Alijó, 04/05/2023

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 12 de abril de 2023

Cartas de amor

 Já ninguém escreve cartas. Já ninguém escreve cartas de amor, cartas perfumadas… papel com corações, janelas que se abriam e só se encerravam depois da alvorada.

E enquanto escrevia cartas, sentia no rosto os pingos da ausência, sentia no rosto as lágrimas embalsamadas das cartas que escrevia, das cartas que guardava, já ninguém escreve cartas, já ninguém… me envia cartas.

E às vezes, muitas vezes, pergunto-me se recebesse cartas… o que faria eu?

Provavelmente, não as abria.

Enterrava-as junto ao mar, ou muito mais simples, queimava-as antes de abrir.

Uma vez por semana, esperava o regresso do carteiro, que me trazia uma carta perfumada, uma carta escrita na alvorada, hoje, hoje já ninguém escreve cartas, já ninguém escreve cartas de amor.

Cartas perfumadas. Papel com corações desenhados, fotografias a preto e branco, um telefonema de dois em dois dias… e claro, uma vez por semana, o amigo carteiro trazia-me cartas, cartas perfumadas, cartas de uma ausência, a minha, quase sempre não as lia, quase sempre as guardava na gaveta dos sonhos, por abrir; depois, dias depois, quando eu regressava das minhas viagens à lua, abria-as todas, uma por uma, e enganava a ressaca com as palavras de amor que recebia.

Ai as cartas, as cartas perfumadas, as cartas da ausência, nas cartas onde me escondia, nas cartas onde eu sabia que tinha um abraço, um beijo, um… quase nada.

Cartas.

As ausentes e as remetidas, as cartas recebidas e expelidas contra o sono, e durante toda a noite ouvia o ranger dos meus ossos, e durante a noite

Cartas, recebia cartas.

Aos ausentes, aos mortos que ainda hoje, alguns, me enviam cartas.

Cartas perfumadas, cartas de uma ausência enquanto a noite entrava em mim e sentia no meu corpo as amarras do cansaço, e sentia no meu corpo o brotar das flores de aço e dos pregos que aos poucos,

Das cartas em sono,

O meu regresso da lua.

Coitadas das cartas, coitadas…

Hoje, hoje já ninguém escreve cartas;

Cartas de amor.

Cartas perfumadas.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

12/04/2023

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Cartas e outros objectos


Enquanto ela dormia,

Sob as nuvens de iodo,

O poeta desenhava palavras nos seios da serpente.

Era noite,

Tinha sobre a secretária, todas as cartas recebidas e não respondidas…

O espelho pertencia-lhe, e, via o seu corpo embrulhado nos meus braços.

Naquele momento, nada queria ver,

Nem o mar,

Nem o carteiro que todos os dias me trazias as cartas…

Apenas queria acariciar-lhe os lábios,

Desenhar-lhe nas coxas a cidade efervescente dos dias de loucura,

E mesmo assim,

Quando abria os olhos,

Dizia-me que eu era o mar.

Talvez,

Porque hoje percebo as dores nas costas,

O peso dos petroleiros,

Veleiros,

E outros…

Começava a tremer de frio,

Era Verão,

Mas tinha sempre frio…

Tremiam-me as mãos de cerâmica que o meu pai comprou em Luanda,

Às vezes, poucas, transportava no meu peito o sofrimento,

A dor,

Os vómitos,

A ressaca das noites sem dormir,

E, ela, deitada nos meus cabelos.

Enquanto ela dormia,

Eu, eu sentia,

Não vivia…

E sabia…

Que um dia queimaria todas as cartas.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

03/04/2019

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Desenhava-te no espelho da montra do senhor Ernesto

foto: A&M ART and Photos

Percebia-se, pelas tuas nádegas de algodão, que a noite entranhava-lhes como pássaros na algibeira de um mendigo, dormiam em caixas de papelão, pobrezinhos, escreviam sobre as ombreiras do ensonado dia, “caixas simples cartão”, porque era chique, porque estava na moda, porque ao fundo da rua sentia-se o ressonar da lua, e a transpiração de saliva dos pulmões de aveia, não tínheis pequeno-almoço, preçário, cardápio ou subsídio diário, uma sandes de pouca coisa, ou quase anda, chorava no interior de duas finas fatias de pão, sem saberdes que lá fora, ao longe, de uma escada em madeira, desciam os anjos e os gemidos silêncios da verdura que cobrem os campos da aldeia, como pedras, lajes de granito, lápides em cimento, e aos poucos, de poucos, apagariam-se-lhes todas as letras da literatura pura e nua, entre desenhos e sílabas, entre candeeiros de vidro e lâmpadas de papel,
gostava muito de ti,
Desenhava-te no espelho da montra do senhor Ernesto, em traços finos, colocava-te sobre os olhos um fio doirado de cabelo, dava-te lábios com sabor a chocolate, tinha-te na boca como oxigénio essencial à minha respiração, ouviam-se coisas mortas, objectos despedidos, canas de pesca, carretos e chumbeiras, bóias, anzóis e as pesadíssimas botas de borracha, e mesmo assim, ouvia-te
gosto de ti,
Percebia-se, pela ausência de cubículos para todos, que nem nus somos iguais, uns, mais diferentes do que outros, e havia sempre um que ficava sem onde pernoitar na fria noite de Janeiro, aqui, porque lá, bastava-lhe cobrir-se com um ramo de palmeira, havia um largo, eles abraçaram-se longamente e esqueceram-se que eram uma rocha à beira do rio, do largo, mais acima, uma duas palmeiras adormeciam já devido às distantes horas que estavam previstas para regressarmos, nem um único som, uma única palavra, nada
só e só o beijo da despedida,
Só e só, e não muito mais, como anos depois, as palmeiras continuam adormecidas, mais velhas, claro, mas ainda estão vivas, não há muito tempo, estive com elas, almoçamos juntos, e recordamos noites, noites, noites que eu mesmo já tinha esquecido, falaram-me de uns pássaros que poisavam nos nossos ombros, e também de umas flores, se não estou enganado, isto é, se não fui enganado por elas, de umas flores amarelas, ou cinzentas, ou
gostava muito de ti,
Ou incolores, como os beijos, ou indolores, como as ondas do Oceano que ficávamos a olhar até desaparecerem sobre os telhados de Lisboa, o cheiro do rio entrava dentro dos nossos corpos escondidos em caixas de papelão,
“caixas simples cartão”
E hoje, quando estou no largo, debaixo das velhas palmeiras, ao longe a lua em movimentos descoordenados, sem luz de candeeiro, dos minguados olhos que o sol deixou sobre a mesa-de-cabeceira, e derramadas sombras construindo imagens na esplanada dos arbustos com braços negros e pernas encarnadas, perguntava-te pelas cartas perfumadas, e tu
queimei-as, porquê?
Apenas pelo perfume, porque pelas palavras perdia o sentido das letras, deixei de amar palavras, frases, livros, cadernos, poemas, “... e toda a merda comestível...”, só e só pelo perfume, só e só quando desce a noite e de barriga para o ar, eu deitado, olho o tecto, vejo estrelas azuis, estrelas pretas, estrelas... como chuva friorenta em Primavera, e só e só, tenho saudades do perfume
das amoreiras em flor, das mimosas, de deitar-me no chão e fazer desenhos imaginários no céu nocturno da cidade, a cidade proibida, com calçadas, ruas, ponte e pontões, “putas” e “cabrões”, a cidade dos barcos com ferrugem, a cidade das casas comestíveis depois da sobremesa, e homens com alegria, e homens em bebedeira em fila Indiana para ter acesso a uma merda de uma caixa de papelão,
“uma linda caixa em fino cartão, três assoalhadas, uma varanda para o Tejo, casa de banho completa, e ascensor, e muitas cartas, cartas de amor, todas elas, perfumadas...”
E eu dava-lhe a mão, e passávamos a noite dentro do ascensor, em subidas, em descidas, e às vezes
parávamos, e esquecíamos-nos que algum dia estivemos debaixo de duas velhas palmeiras a construir o beijo mais literário de sempre, o beijo poético
E às vezes,
o beijo fatídico,
E às vezes adormecias nos meus braços...

(ficção não revisto)
“Alguém vai dizer: ficção o caralho...!”
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 14 de abril de 2013

(eras triste, tímida, e tinhas medo, e tens medo, da minha voz)

foto: A&M ART and Photos

Inventaste o meu nome numa lápide de areia, inscreveste a minha misera data de nascimento, e a possível data do meu desaparecimento, e depois, também tu, desapareceste entre a neblina cinzenta de uma triste manhã de Novembro,
(poucas palavras ouviam-se da tua boca)
Nunca as ouvi, as tuas palavras, e se existiram, nunca percebi o seu significado, tinha consciência que de vez em quando, na tua pele escura, apareciam cavernas de sílabas, tocava-lhes, acariciavas-as, e
(tantas as loucas tardes de nós dos vidros espelhados dos óculos de sol sobre a mesa-de-cabeceira)
E havia barcos encalhados em ti, e havia luzes de amêndoa nos teus doces olhos, porque dos teus lábios submergia a maré de fim de tarde, percebia-se da tua língua, que uma fina e áspera folha de desejo aguardava ordens para passar a barra e atracar no meu peito de âncora bronzeado a lixívia, e nada do que eu ouvia correspondia à verdade, e quando me perguntava – Qual verdade, esta dos percevejos e das pulgas, elas, pertencerem ao meu grupo restrito de amigos – claro que era mentira, claro que também era mentira existirem nuvens de prata nas tuas coxas, procurei-as incessantemente, e nunca sorriram para mim, e nunca apareceram na varanda do silêncio amanhecer,
(eras triste, tímida, e tinhas medo, e tens medo, da minha voz)
Não te condeno, porque a minha voz parece um trovão quando rosna e rompe na noite até chegar à janela do teu quarto, levemente levitas a tua cabecinha meiga, e vês-me em forma de som, um camafeu, um pilantra que sempre odiaste, e amaste nas horas escuras das persianas encerradas,
(amo-te)
Como amava os bonecos e os livros antigos e os chapéus e as calças frustradas..., que habitavam nos corredores da feira de velharias, no tabelier do velho Opel de 1964 tínhamos aventuras em pequenos quadrados, símbolos desconhecidos, olhávamos-nos no areal de centeio que servia para escondermos cromos, pequenas moedas sem valor monetário, e solos,
(desenhei o mapa do local exacto do esconderijo... e perdi-te para sempre)
Desorientei-me, e deixei de ver a fraga onde te tinha deixado, dentro de uma caixa de madeira, lá, mergulhadas nas profundezas da terra húmida, ficaram as tuas cartas e um retrato colorido, percebo agora que sempre fui apaixonado por retratos a preto-e-branco, e tinham um sabor a qualquer coisa, eram perfumadas
(E havia barcos encalhados em ti, e havia luzes de amêndoa nos teus doces olhos, porque dos teus lábios submergia a maré de fim de tarde, percebia-se da tua língua, que uma fina e áspera folha de desejo aguardava ordens para passar a barra e atracar no meu peito de âncora bronzeado a lixívia, e nada do que eu ouvia correspondia à verdade, e quando me perguntava – Qual verdade, esta dos percevejos e das pulgas, elas, pertencerem ao meu grupo restrito de amigos – claro que era mentira, claro que também era mentira existirem nuvens de prata nas tuas coxas, procurei-as incessantemente, e nunca sorriram para mim, e nunca apareceram na varanda do silêncio amanhecer, encostavas-te a mim, sentia-te na escuridão da vida, agora percebo porque “maldita vida”, mas na altura, ontem, diria, feliz vida, aquela, quando sentia a tua pele da espessura de uma membrana celulósica no post scriptum das tuas cartas de amor, e quando percebia que no fundo de tudo havia um “P.S.”, sentia que o mercúrio do medo estava prestes a entranhar-se em mim, como os pregos do famosíssimo faquir quando de um Circo que alicerçou asas por estas bandas, me encostou a um muro em xisto e numa voz meiga e melódica – Não respire! - e começo a sentir o pregos a espetarem-se-me no corpo, pergunto-lhe se os pregos não eram para serem espetados à volta do contorno do meu corpo – Que sim, mas só as máquinas é que não falham - e tinham um sabor a qualquer coisa, eram perfumadas)
Tão profundas, tão inertes, que hoje não reconheceria a letra que faz parte da lápide de areia.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha