quinta-feira, 3 de outubro de 2013

nas palavras pertencentes ao teu alfabeto

foto de: A&M ART and Photos

acreditava nas palavras embalsamadas das tuas mãos de sílaba adormecida
tínhamos uma ponte em madeira quando entrava a noite no túnel do desejo
e dentro de nós
uma fogueira vagabunda
suja
… imunda
caminhava até que a Lua desaparecia no silêncio vestida em candeeiros a petróleo
fumávamos as letras de um distante alfabeto
inaudível
incompreensível...
como são as janelas do teu irreal olhar
depois de derreterem os cortinados de porcelana

imaginava-te louca sentada numa cadeira de lágrimas
imaginava-te voando sobre a cidade encurralada nos cadeados de aço
imaginava-te
… imunda
suja
uma fogueira vagabunda
correndo pelas arcadas do magnetismo sofrimento
que fazem das paredes de gesso esqueletos doridos
há pregos que rompem as nuvens dos telhados de vidro
e acreditava nas palavras... de sílaba adormecida...
e dentro de nós
um foguetão de areia semeado no quintal da infância

havia cavalos saltitando no zinco das traseiras vizinha
havia uma varanda com dentes de marfim
e lábios de seda que o mel abelha deixou sobre a cortiça madrugada
e eu
acreditava
e tu
acreditavas
nas palavras pertencentes ao nosso alfabeto
imaginava-te
… imunda
suja
uma fogueira vagabunda em gotinhas de suor...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
quinta-feira, 3 de Outubro de 2013

A chuva, para ti, é o quê?

foto de: A&M ART and Photos

Habitas os planaltos castanhos desde que foram construídos pelos teus olhos em flor, habitas como sombra dentro do meu corpo, dentro do meu cubo esquelético, e dos meus olhos triangulares sinto os ângulos obtusos entranharem-se-me como agulhas, como serpentes de aço, barcos e caravelas enferrujadas, velhas, caquécticas sentadas à mesa do café, pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis,
A chuva, para ti, é o quê?
Um corpo húmido circula concêntrico na fogueira dilacerante que os morcegos deixaram antes de todas as luzes se acenderem, ouvia gritar o meu nome no espelho de um guarda-fatos de mármore, a cama cheirava a sexo e a palha, o colchão picava os corpos transparente que tinham sobejado do Verão minguado, havia uma mão na tua boca, havia
A chuva, para ti, é o quê? Pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis, escrevem sobre a mesa as folhas tristes do Outono, desnudas, as árvores, abraçam-se aos guindastes plastificados em brinquedos crianças, vêm as lágrimas, vêm os primeiros holofotes de néon depois de partirem as madrugadas, e os corpos, os nossos, e os deles
Apodrecem os ramos...
E os corpos amanhecer suspensos nos alfinetes do alfaiate, as calças ficam-me pelos tornozelos, ele ri-se como se eu fosse um boneco de palha espetado no centro do campo de trigo em Carvalhais,
Você cresceu, amigo!
Pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis, a chuva
A chuva, para ti, é o quê?
Um corpo magoado, ausente, triste e cansado, um corpo molhado, um corpo em pura lã virgem antes de acenderem-lhe os braços, ela sorri, encerra os olhos como um navio antes de partir, olhava os porões... e lá longe, homens do tamanho de agulhas, passeavam-se como abelhas de colmeia em colmeia, como velhos
De asilo em asilo,
As ovelhas brincavam sobre a erva doirada das tardes de Primavera, no intervalo entre duas cervejas, uma delas diz-me que se sente apaixonada pelo distinto orvalho, faço-lhe ver que o orvalho é um gajo mal disposto, mal educado, que é um gajo
A chuva, para ti, é o quê?
E ela insiste, e ela que o amor não escolhe idade, religião, sexo ou cor... que o amor apenas acontece, e nada mais de que isso, e que as ovelhas são umas grandes cabras, e que as cabras, às vezes, parecem e nunca o conseguiram ser... mulheres vestidas de chuva, mulheres que pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis, que fuma cigarros quando sentadas num banco em granito, e que
E que caiem as folhas das árvores porque elas, as árvores, estão tristes, porque elas, as árvores
E que ninguém quer perceber,
As árvores sinto-as vacilarem como cordéis de neblina no centro esquerdo do cais das borboletas flutuantes, o lago espirra, tosse, tosse... e o dióxido de carbono aloja-se nos teus seios de incenso, como a noite, como todas as mulheres...
Pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis,
A chuva, para ti, é o quê?
Gajas nuas, gajas... saltando muros em xisto.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 3 de Outubro de2013

Poema de Francisco Luís Fontinha em destaque – Sapo Angola – Blogue Cachimbo de Água.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

vivo inventando rosas

foto de: A&M ART and Photos

odeio-me por existirem dentro do meu peito as palavras das encarnadas flores
vivo inventando rosas
amores
e chuva miudinha sobre as íngremes rochas do mar da tristeza
sou um barco em fuga das conversas loucas que iluminam os teus lábios de papagaio em papel
e sobes entre o Céu nocturno do desejo
e desces às catacumbas do silêncio
há em ti uma palavra prometida numa tarde de Outono
e éramos crianças vestidas de negro
dançando sobre a mesa de um velho café
esquecendo as amarras Luas dos sótãos clandestinos como divãs de areia
na mala de couro adormecido que a tua mão saboreava

me levavas encarcerado até encontrares os beijos das garças quando rompem o cacimbo embriagado pelo capim dos poemas encalhados
distantes
doentes
húmidos
… teu corpo e teu vestido
sós simples abandonados... molhados como saliva de sémen na clarabóia da insónia
o texto reflecte-se no espelho da agonia
dorme
vomita
sangra das veias suicidadas as ardósias com sabor a chocolate
e baunilha

terminas a noite voando sobre a cidade dos anjos
entranhas-te em mim
és minha
como todos os livros que vivem na minha algibeira,,,
imagino-te sentada no Rossio
vendando folhas de cartolina com caracteres inanimados
mortos
imagino-te brincando em Cais do Sodré correndo sobre os carris da paixão
escrevem-me e esqueço-me que deixaste de pertencer aos meus sonhos
que deixaste de fabricar sorrisos nos fósforos das manhãs embaciadas
ruas infinitas à volta de uma fogueira de casas abandonadas
e... odeio-me por existirem dentro do meu peito as palavras das encarnadas flores


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 2 de Outubro de 2013

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Hoje perco-me de ti nos teus braços de hoje, e ontem...


As palavras, os sons... porque hoje o silêncio mistura-se nas palavras por dizer e em trocados olhares, porque hoje, hoje tudo parece adormecer como uma doce boneca de trapos nas mãos de uma criança, e o céu, e o mar, e os sons... mergulham nas esplanadas do abismo, comem poemas não escritos, e, e escondidos nas clarabóias do nocturno beijo que as árvores de papel crepe deixam cair sobre as tuas mãos de acrílico sobre tela
Há uma tempestade dentro do meu coração,
Cair sobre os charcos que vivem nos musseques de ontem, e de hoje, e talvez amanhã, um sofrimento de capim grite sobre os telhados de zinco
Há uma,
Sobre tela, o acrílico desejo em sons uivos dos alicerces amaldiçoados pelos mabecos revoltados, embondeiros dormem de pé esperando a chegada do silêncio e este mistura-se nas palavras por dizer e em trocados olhares, porque hoje, hoje tudo parece adormecer como uma boneca de trapos nos ramos feridos das folhas mortas que vão caindo sobre o paralelepípedo castanho que as sílabas de prata escrevem no caderno em pequenas despedidas,
Perco-me de ti nos teus braços de hoje, e ontem...
Havia uma tempestade dentro do meu coração, e ontem
Eu era um cadáver em movimento curvilíneo, suspenso por um cordel ao tecto das amendoeiras preguiçosas, sem flor, caindo em pedaços apodrecidos sobre as paredes do amor impossível, indesejado... do amor não vivido, do amor proibido, às palavras, às linhas transversais das marés de Inverno...
(o cosseno de trinta graus é raiz de três sobre dois)
Havia uma tempestade dentro do meu coração, e ontem Havia uma tempestade dentro do meu coração, e ontem Havia uma tempestade dentro do meu coração, e ontem Havia uma tempestade dentro do meu coração, e ontem Havia uma tempestade dentro do meu coração, e ontem Havia uma tempestade dentro do meu coração, e ontem Havia uma tempestade dentro do meu coração, e ontem Havia uma tempestade dentro do meu coração, e ontem,
Há uma,
Havia muitas...
As palavras, os sons... porque hoje o silêncio mistura-se nas palavras por dizer e em trocados olhares, porque hoje,
Hoje perco-me de ti nos teus braços de hoje, e ontem...
(o cosseno de trinta graus é raiz de três sobre dois).

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 1 de Outubro de 2013

as areias movediças da insónia

foto de: A&M ART and Photos

dormes sobre as areias movediças da insónia
alimentas-te dos corpos flutuantes que a morte absorve
nas tardes infinitas de Outono
dormes sobre a tempestade imaginada pelo esqueleto de aço do beijo
e lá fora junto à lápide sinto o teu nome reflectido no espelho da solidão
há borboletas no teu cabelo loiro que as nuvens de algodão comem...
e da tua mão em papel cinzento... o livro da paixão em pedaços de sofrimento na lareira de sémen prateado das algibeiras clandestinas que as janelas de olhos vendados
sentem
gritam
choram...
adormeces no banco em madeira no rés-do-chão de uma decrépita estação de comboios

voando sobre a cidade dos pássaros
voando...
e choram
gritam
e sentem
sentem as areias movediças da tristeza

dormes sobre o meu cansaço travestido de areia movediça
e sinto-te entranhada no pólen da minha pele ensanguentada pelas palavras parvas
absortas
lânguidas...
abstractas
palavras filhas das palavras parvas...

e dizem que o amor é impossível entre sucata de carris
e carris sucata de barcos em Agosto flor
oiço as tuas lágrimas como se elas fossem letras semeadas na planície dos lençóis de linho
húmidos
voando...
e choram
gritam
e sentem
as alheias paredes de granito que dividem os círculos azuis dos teus seios
em sons melódicos que um velho piano bebe dos guindastes junto ao Tejo
e dizem que sou apenas uma sombra
e dizem que tu és uma lápide sobre o meu peito...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 1 de Outubro de 2013

Texto em destaque - Sapo Angola - Blogue Cachimbo de Água - Francisco Luís Fontinha.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

E... livres de sonhar...


E tudo o vento levou... ficaram as palavras em revolta, contam estórias, cantam, gritam, amuam..., e repentinamente, e em abraços de xisto, acordam os prisioneiros das madrugadas sem horário, e tudo o vento levou, e deixou, e apenas, só... a esperança de recomeçarmos, reaprendermos, sermos livres, livres como as gaivotas de Maio.
Regressaram as palavras, e as nuvens são de prata...
Somos livres como a seiva das árvores descendo o corpo do amor, somos livres como os calções de chita e a t-shirt branca com sabor a tristeza, regressaram as palavras, ainda são poucas, ou nenhumas..., e tudo o vento levou, e tudo na fogueira da vaidade ardeu como arderam os manuscritos de Gogol, somos livres pois então, e brevemente, regressarão todas as palavras roubadas aos sonhos inventados por uma criança dançando num baloiço de cordas, brevemente, são de prata, as palavras e as bocas que gritam as palavras...
E apenas a tua mão no cais à minha espera; regressei, voltei para os teus braços... para novamente sermos livres, de escrever
Amar?
E... livres de sonhar...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

era Domingo

foto de: A&M ART and Photos

voávamos sobre as espigas cremadas do centeio
e era Domingo
e... sentíamos nas asas o perfume da madrugada
voávamos conforme tínhamos combinado na véspera da tempestade de areia
sentíamos no rosto as lâminas de xisto impregnado na pele doirada dos nossos corpos de açúcar
e da água víamos-nos desaparecer no cesto de papeis junto à escrivaninha embriagada
bebíamos licor de amêndoa como se dentro dos pequenos cálices de cristal
houve uma árvore com braços de prata
uma árvore recheada de pássaros
barcos
e montículos de areia
com sabor a insónia

amávamos as raízes escondidas nos túneis nocturnos das lâmpadas em flor
e era Domingo
e
e... voávamos nas encostas íngremes do silêncio
da boca rasgada do amanhecer ouvíamos os gemidos enlouquecidos dos mabecos adormecidos
e corríamos em direcção ao mar
e dormíamos sobre um cobertor de poesia
papeis voavam sobre o teu rosto de sílaba apaixonada
e das teclas de escrever que poisavam na tua fina mão de cerâmica
os sons metódicos de um máquina engasgada nas janelas de orvalho
descíamos as escadas do inferno...
e sabíamos que nunca mais ouviríamos as perdizes cinzentas nos corredores do desejo

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 30 de Setembro de 2013

não sei se me ouves


não sei se me ouves
nas cinzas clandestinas das tuas mãos
não sei se recordas os momentos que passamos
e as conversas que desperdiçamos à volta de um copo de qualquer coisa
fumamos muita merda
dormimos noites invisíveis sem percebermos que a noite era a noite

sem percebermos que o dia
que o dia era uma gaja cheira de manias
travestida...
uma gaja mendiga

porra... porque partes sem nada dizer
sem deixares sobre as planícies graníticas
as palavras
coisas
desenhos
abraços
nada
nada
partes...
partes como se esta merda de vida fosse uma viagem
um panfleto de heroína voando em direcção ao Sol
debaixo do mar

a tua dor
as tuas paixões confessadas em noites de embriaguez
flutuam
e vivem
e amam como amaram as primeiras letras da tua boca

não sei se me ouves

não sei se algum dia conseguirei olhar-te
não sabendo que a viagem que agora preparas
termina
não termina

não sei se me ouves

mas se me ouves...
que descanses em paz...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha- Alijó
Madrugada de Segunda-feira, 30 de Setembro de 2013