Desenhava a tua voz no meu cansaço, sentia as tuas
palavras amorfas nos meus braços, e tínhamos a consciência do
término do dia, as horas para nós apenas significavam sombras,
dispersos espinhos de uma rosa em decomposição, e havia dentro de
nós o abismo disfarçado de melancolia, acordávamos tristes,
dormíamos embrulhados em pequenas lâminas de prazer, sabia que o
teu corpo flutuava numa janela envidraçada, virada para o Tejo,
desenhava nas paredes do teu cabelo o afago da despedida, partias,
voltavas, partias..., como os barcos a vapor procurando marinheiros,
como lareiras acesas quando o doce Inverno invadia a cidade recheada
de estrelas com sabor a embriaguez, lá fora
Preciso de ti, meu amor, ouvia-te enquanto te
olhavas no espelho da saudade,
Pertencíamos às fogueiras imaginárias do quarto
penumbra que nos servia de esconderijo, habitávamos no exíguo
refúgio da literatura barata, pobre, esfomeada, e tu
Preciso de ti, meu amor,
Havia arbustos escondidos nas tuas mãos, pedaços
de chuva miudinha nas tuas nobre pálpebras e
Preciso...
E quando percebíamos que a noite tinha sido
engolida pela boca do caranguejo de mil patas..., tu, tu
Preciso de ti, meu amor, eu, eu ouvia-te do outro
lado a caverna iluminada por morcegos, alguns vultos que nunca
cheguei a conhecer, e claro, pelos teus beijos disfarçados de
desejo, sentia-me perfeitamente feliz, quando não o era, sentia-me
perfeitamente humano, quando não o era, e desenhava na tua voz as
palavras que nunca escrevi, dizia-te que te amava... e não te amava,
dizia-te que te desejava...
Preciso,
E...,
Preciso meu amor,
E nunca te desejei, e nunca foste a âncora que
aprisionava o meu corpo ao cais das Colunas, eu regressava, sentia o
peso dos caixotes em madeira, lá dentro quase nada, lá dentro...
apenas, apenas objectos e memórias, e dor, e sofrimento com
tentáculos,
E,
Preciso de ti, meu amor,
Um cigarro, um cigarro cor de amendoim sobre a mesa
do café, ouvia um CD com os poemas de “AL Berto na Casa Fernando
Pessoa”..., e
Preci...
E esperava que o mar entrasse em mim, que nunca
entrou, que nunca me levou, apenas...
Te trouxe?
Regressei como um sonâmbulo amachucado, um menino
que trazia na algibeira sonhos, calções e que acreditava no
silêncio da gaivota pergaminho que dormia todos os dias na mesa da
sala de jantar, perguntava
Precisam de mim?
E o amor respondia que sim, que precisava, que
Te trouxe?
Era meia-noite e o horizonte encerrou-se como os
cortinados no Teatro, fim da peça, as personagens evaporavam-se à
medida que tu
Precisas de mim, meu amor?
E eu, e eu...
Não, não quero regressar, não, não preciso de
ti, meu amor, porque desenhei a tua voz no meu cansaço...
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 6 de Março de 2014