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terça-feira, 15 de novembro de 2022

O sonâmbulo das palavras

 Trazes até mim

O velho sonâmbulo das palavras

O velho inconformado

Lavadinho

Diplomado

 

Entre o sexo e o desejo

Quando percebe que desejado

Ser o velho sonâmbulo

Como diz o velho ditado

Que o velho arde na fogueira

 

Ele não sabe

Que o mar habita no seu peito

Que os cigarros que fuma

São pinceladas coxas em pequenos voos de ninguém

E das palavras do velho sonâmbulo

 

Uma flor de jasmim

Corre sobre os carris da insónia

Os guindastes que rosnam no peito

São papoilas de saudade

São palavras deste velho

 

Sonâmbulo

Sem perceber que já não tem idade

Cidade

Ou localidade onde dormir

Apenas morrer e ser o sonâmbulo das palavras

 

 

 

 

Alijó, 15/11/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 6 de abril de 2014

O sonâmbulo amachucado


Desenhava a tua voz no meu cansaço, sentia as tuas palavras amorfas nos meus braços, e tínhamos a consciência do término do dia, as horas para nós apenas significavam sombras, dispersos espinhos de uma rosa em decomposição, e havia dentro de nós o abismo disfarçado de melancolia, acordávamos tristes, dormíamos embrulhados em pequenas lâminas de prazer, sabia que o teu corpo flutuava numa janela envidraçada, virada para o Tejo, desenhava nas paredes do teu cabelo o afago da despedida, partias, voltavas, partias..., como os barcos a vapor procurando marinheiros, como lareiras acesas quando o doce Inverno invadia a cidade recheada de estrelas com sabor a embriaguez, lá fora
Preciso de ti, meu amor, ouvia-te enquanto te olhavas no espelho da saudade,
Pertencíamos às fogueiras imaginárias do quarto penumbra que nos servia de esconderijo, habitávamos no exíguo refúgio da literatura barata, pobre, esfomeada, e tu
Preciso de ti, meu amor,
Havia arbustos escondidos nas tuas mãos, pedaços de chuva miudinha nas tuas nobre pálpebras e
Preciso...
E quando percebíamos que a noite tinha sido engolida pela boca do caranguejo de mil patas..., tu, tu
Preciso de ti, meu amor, eu, eu ouvia-te do outro lado a caverna iluminada por morcegos, alguns vultos que nunca cheguei a conhecer, e claro, pelos teus beijos disfarçados de desejo, sentia-me perfeitamente feliz, quando não o era, sentia-me perfeitamente humano, quando não o era, e desenhava na tua voz as palavras que nunca escrevi, dizia-te que te amava... e não te amava, dizia-te que te desejava...
Preciso,
E...,
Preciso meu amor,
E nunca te desejei, e nunca foste a âncora que aprisionava o meu corpo ao cais das Colunas, eu regressava, sentia o peso dos caixotes em madeira, lá dentro quase nada, lá dentro... apenas, apenas objectos e memórias, e dor, e sofrimento com tentáculos,
E,
Preciso de ti, meu amor,
Um cigarro, um cigarro cor de amendoim sobre a mesa do café, ouvia um CD com os poemas de “AL Berto na Casa Fernando Pessoa”..., e
Preci...
E esperava que o mar entrasse em mim, que nunca entrou, que nunca me levou, apenas...
Te trouxe?
Regressei como um sonâmbulo amachucado, um menino que trazia na algibeira sonhos, calções e que acreditava no silêncio da gaivota pergaminho que dormia todos os dias na mesa da sala de jantar, perguntava
Precisam de mim?
E o amor respondia que sim, que precisava, que
Te trouxe?
Era meia-noite e o horizonte encerrou-se como os cortinados no Teatro, fim da peça, as personagens evaporavam-se à medida que tu
Precisas de mim, meu amor?
E eu, e eu...
Não, não quero regressar, não, não preciso de ti, meu amor, porque desenhei a tua voz no meu cansaço...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 6 de Março de 2014