segunda-feira, 7 de outubro de 2013

domingo, 6 de outubro de 2013

O meu “mundo”


Solidificado no vórtice da mentira quando sei que das tuas mãos linhas transversais dividem dois corpos em duas laranjas, solidificado este meu triste olhar quando sinto no espelho teus lábios sofridos, teus molhados lábios, a boca estremece, desce ao mais intimo poço da insónia, no meu “mundo” vive-se sentado sobre uma placa de xisto, no meu “mundo” vives húmida como as árvores depois da neblina, solidificado no meu “mundo”
Nosso “mundo”,
vives húmida como cavernas em sais de prata a preto e branco, a imagem bloqueia, a imagem deseja a tela sobre ela sabendo que do outro lado do abismo, o
Nosso “mundo”?
Vive e diverte-se,
Chora, grita entre uivos e orgasmos doirados, no nosso “mundo” há uma clarabóia com olhos de gaivota e asas em papel, no meu “mundo”, vive-se, chora-se, deseja-se
Desejam-se as fotografias, as minhas e as tuas, as nossas imagens tridimensionais multiplicam-se, dividem-se... e acordam os teus seios depois da madrugada partir, sem deixar rasto ou paixão como fazem os barcos quando abandonam o porto de abrigo e sente-se uma corda esmorecer, coitada, e aos poucos vê-se o corredor na morte o teu púbis comestível nas páginas de um livro,
O meu “mundo”
No nosso “mundo” tudo pertence às fotografias, tudo é sombra, tudo é desejo...
( ….... )


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 6 de Outubro de 2013

cristais vagabundos

foto de: A&M ART and Photos

porque te alimentas do néon moribundo das portas em ruína
e percebes que os meus olhos são cristais vagabundos
sem número de policia
apenas uma simples janela de porcelana
quando regressa a noite
disfarça-se de gaivota
deixa ficar os poucos vidros sobre a mesa-de-cabeceira
e voa na cidade do medo

leva na algibeira o candeeiro mordomo
que sua senhora adorada lhe ofereceu um dia longínquo
quando ainda existiam lábios de borboleta
nas plantas marginais
do silêncio com algas
e dentro de um velho caderno
o esqueleto de duas ou três integrais
simples duplas triplas... como o teu corpo em despedida

partias no primeiro autocarro da carreira sem rumo definido
entre curvas e lagartos
livros e camaradas apaixonados pela vodka da menina Alice
partias
e eu deixava de ver-te logo a seguir à curva junto à ravina
despedia-me de ti dentro do meu quarto escuro
e chorava
chorava medalhas de prata que me ofereceste e nuca fui capaz de as usar...

(porque te alimentas do néon moribundo das portas em ruína
e percebes que os meus olhos são cristais vagabundos
sem número de policia
apenas uma simples janela de porcelana)

por medo
ou vergonha
nunca encontrei as tuas mãos no meu rosto triangular
e chegava a casa
e a casa parecia-me um cubo em betão armado
com braços em aço
com olhos em cristal
como os meus

(cristais vagabundos)


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
(não revisto)
Domingo, 6 de Outubro de 2013

sábado, 5 de outubro de 2013

(ai como eu sofro)

foto de: A&M ART and Photos

Morre o abajur e cessa a luz do desejo, uma mesa-de-cabeceira definitivamente órfã, e do naperon construído nos serões de Inverno... ouvem-se pequenas lágrimas misturadas com pegajosas sílabas de carvão, sei que o teu rosto viveu numa tela e tal como aconteceu com o abajur
Morreu
E cessaram no teus olhos as madrugadas sem a presença de mãos calejadas pelo engaço, o peso da enxada absorve os poucos ossos do teu empobrecido esqueleto, e tudo em ti
Pobre,
Morreu,
Cessou a luz que ilumina os trilhos nocturnos das montanhas de alecrim, sentia-te bocejar junto ao gesso em pedaços de tabique onde um lindo crucifixo da mãe Arminda, coitado, suspenso, só... e no entanto, olho-o e pergunto-me
Porquê?
Morreu e cessou,
E pergunto-me se ainda vou a tempo de regressar, e pergunto-me
Pobre,
Morreu?
(não temos sorte nenhuma, senhor Luís)
O carrossel das palavras girava ferrugento e as ventoinhas cinzentas, em madeira, vomitavam vogais, outras vezes, sentíamos os sorrisos castanhos das abelhas de asa encarnada, ouvíamos as crianças deambulando mentiras de pano na fragilidade do sono, encerravam as janelas com fotografia para o dia de ontem, e
Pobre,
Morreu,
(não temos sorte nenhuma, senhor Luís)
O carrossel em círculos ao redor de uma haste óssea, e lembrava-me do teu esqueleto de geada nas manhãs de Inverno, queríamos descer as escadas graníticas, e
(não temos sorte nenhuma, senhor Luís)
Tombávamos sobre o pavimento dorido, cansado, e triste
Magoado?
(não temos sorte nenhuma, senhor Luís)
(ai como eu sofro)
Morre o abajur e cessa a luz do desejo, uma mesa-de-cabeceira definitivamente órfã, e do naperon construído nos serões de Inverno... ouvem-se pequenas lágrimas misturadas com pegajosas sílabas de carvão, sei que o teu rosto viveu numa tela e tal como aconteceu com o abajur
Morreu
E tal como a Primavera,
Morreu?
Não
Morre o abajur e cessa a luz do desejo, uma mesa-de-cabeceira definitivamente órfã, e do naperon construído nos serões de Inverno... ouvem-se pequenas lágrimas misturadas com pegajosas sílabas de carvão, sei que o teu rosto viveu numa tela e tal como aconteceu com o abajur
Morreu,
Recordo-me dos telhados em zinco voarem sobre um tapete de lã, recordo-me dos alicerces aldrabados por um sucateiro, e no final do dia, tudo dava certo, as metralhadoras dos teus abraços acordavam sobre as mangueiras do quintal esquecido no centro de uma cidade, as munições em puro aço rompiam os muros em xisto e ouvíamos o telintar dos guizos de um chibo mal educado, de um chibo
Morre o abajur e cessa a luz do desejo, uma mesa-de-cabeceira definitivamente órfã, e do naperon construído nos serões de Inverno... ouvem-se pequenas lágrimas misturadas com pegajosas sílabas de carvão, sei que o teu rosto viveu numa tela e tal como aconteceu com o abajur
Morreu,
E o carrossel dançava nos cabelos loiros dos barcos em flor, e o carrossel das palavras, não de todas, mas o carrossel só de algumas palavras
(não temos sorte nenhuma, senhor Luís)
(ai como eu sofro)
Sentiam-se sós... quando descia sobre as árvores do Tejo uma gabardina esbranquiçada que escondia no seu interior
Morte?
(não temos sorte nenhuma, senhor Luís)
(ai como eu sofro)
Os poucos ossos sobejados do esqueleto que te acompanhava enquanto eu fazia amor com o teu corpo mergulhado em sombras e lá fora
Morte,
(não temos sorte nenhuma, senhor Luís)
(ai como eu sofro)
Lá fora dormiam os candeeiros que um louco semeou no centro do passeio, os carros rosnavam
e
“Cuidado Com os Carros”
Mordem?
E lá fora um cortinado guilhotinado vendia o corpo como robalos sobre um pedaço em madeira...
“Hollywood... pá”.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 5 de Outubro de 2013

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

rochedo da saudade

foto de: A&M ART and Photos

no rochedo da saudade vive o teu meu coração repatriado
escondíamos-nos do amanhecer quando todas as estrelas cessavam de brilhar
quando sentia o teu sorriso no espelho da paixão
comestíveis beijos insufláveis desciam das árvores em solidão
no rochedo da saudade
vivia
amava
e comestíveis beijos com esqueletos de prata

no rochedo da saudade vive o teu meu cansaço
quando tínhamos noites intermináveis sentados num banco de jardim
conversávamos sobre tudo e sobre nada
e sentia o brilho do teu olhar
como uma donzela tela
pincelada com acrílicas cores
depois tínhamos a sombra dos plátanos
de livro na mão

liam-nos poemas
escrevíamos-lhes poemas
sentados num banco de jardim...
e imaginávamos à nossa frente o palpitar do rio furioso por ter perdido o mar
víamos veleiros pintados na claridade da aurora boreal em comestíveis chamas de suor
liam-nos poemas
escondidos caracteres minúsculos sobejavam das rosas de papel
e diziam-nos que a lua amava o silêncio

como nós
um piano vadio brincava no soalho da biblioteca
e tínhamos acabado de regressar das montanhas alicerçadas às gaivotas desgovernadas
sentadas
como nós
num simples banco em madeira
e liam-nos poemas
e escrevíamos-lhes poemas como se fossem migalhas de pão depois do pequeno-almoço...

não acordávamos porque a noite embriagava-nos com palavras
textos
e comestíveis beijos
e poemas
por comestíveis pinceladas acrílicas saborosas que os teus lábios iluminavam
e víamos o rochedo da saudade
chorar
e pigmentos sólidos de vento balançavam nos teus cabelos de limalha incandescente...

não sabíamos que existia a teoria da relatividade
e desconhecíamos a trigonometria
pensávamos que os círculos eram mulheres deitadas
nuas
sobre a geométrica cama com lençóis de porcelana
e lá
no teu peito
os rochedos da saudade vomitando cinza de velhos cigarros como poemas envenenados pelo ciume...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 4 de Outubro de 2013

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

nas palavras pertencentes ao teu alfabeto

foto de: A&M ART and Photos

acreditava nas palavras embalsamadas das tuas mãos de sílaba adormecida
tínhamos uma ponte em madeira quando entrava a noite no túnel do desejo
e dentro de nós
uma fogueira vagabunda
suja
… imunda
caminhava até que a Lua desaparecia no silêncio vestida em candeeiros a petróleo
fumávamos as letras de um distante alfabeto
inaudível
incompreensível...
como são as janelas do teu irreal olhar
depois de derreterem os cortinados de porcelana

imaginava-te louca sentada numa cadeira de lágrimas
imaginava-te voando sobre a cidade encurralada nos cadeados de aço
imaginava-te
… imunda
suja
uma fogueira vagabunda
correndo pelas arcadas do magnetismo sofrimento
que fazem das paredes de gesso esqueletos doridos
há pregos que rompem as nuvens dos telhados de vidro
e acreditava nas palavras... de sílaba adormecida...
e dentro de nós
um foguetão de areia semeado no quintal da infância

havia cavalos saltitando no zinco das traseiras vizinha
havia uma varanda com dentes de marfim
e lábios de seda que o mel abelha deixou sobre a cortiça madrugada
e eu
acreditava
e tu
acreditavas
nas palavras pertencentes ao nosso alfabeto
imaginava-te
… imunda
suja
uma fogueira vagabunda em gotinhas de suor...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
quinta-feira, 3 de Outubro de 2013

A chuva, para ti, é o quê?

foto de: A&M ART and Photos

Habitas os planaltos castanhos desde que foram construídos pelos teus olhos em flor, habitas como sombra dentro do meu corpo, dentro do meu cubo esquelético, e dos meus olhos triangulares sinto os ângulos obtusos entranharem-se-me como agulhas, como serpentes de aço, barcos e caravelas enferrujadas, velhas, caquécticas sentadas à mesa do café, pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis,
A chuva, para ti, é o quê?
Um corpo húmido circula concêntrico na fogueira dilacerante que os morcegos deixaram antes de todas as luzes se acenderem, ouvia gritar o meu nome no espelho de um guarda-fatos de mármore, a cama cheirava a sexo e a palha, o colchão picava os corpos transparente que tinham sobejado do Verão minguado, havia uma mão na tua boca, havia
A chuva, para ti, é o quê? Pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis, escrevem sobre a mesa as folhas tristes do Outono, desnudas, as árvores, abraçam-se aos guindastes plastificados em brinquedos crianças, vêm as lágrimas, vêm os primeiros holofotes de néon depois de partirem as madrugadas, e os corpos, os nossos, e os deles
Apodrecem os ramos...
E os corpos amanhecer suspensos nos alfinetes do alfaiate, as calças ficam-me pelos tornozelos, ele ri-se como se eu fosse um boneco de palha espetado no centro do campo de trigo em Carvalhais,
Você cresceu, amigo!
Pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis, a chuva
A chuva, para ti, é o quê?
Um corpo magoado, ausente, triste e cansado, um corpo molhado, um corpo em pura lã virgem antes de acenderem-lhe os braços, ela sorri, encerra os olhos como um navio antes de partir, olhava os porões... e lá longe, homens do tamanho de agulhas, passeavam-se como abelhas de colmeia em colmeia, como velhos
De asilo em asilo,
As ovelhas brincavam sobre a erva doirada das tardes de Primavera, no intervalo entre duas cervejas, uma delas diz-me que se sente apaixonada pelo distinto orvalho, faço-lhe ver que o orvalho é um gajo mal disposto, mal educado, que é um gajo
A chuva, para ti, é o quê?
E ela insiste, e ela que o amor não escolhe idade, religião, sexo ou cor... que o amor apenas acontece, e nada mais de que isso, e que as ovelhas são umas grandes cabras, e que as cabras, às vezes, parecem e nunca o conseguiram ser... mulheres vestidas de chuva, mulheres que pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis, que fuma cigarros quando sentadas num banco em granito, e que
E que caiem as folhas das árvores porque elas, as árvores, estão tristes, porque elas, as árvores
E que ninguém quer perceber,
As árvores sinto-as vacilarem como cordéis de neblina no centro esquerdo do cais das borboletas flutuantes, o lago espirra, tosse, tosse... e o dióxido de carbono aloja-se nos teus seios de incenso, como a noite, como todas as mulheres...
Pedem chá para três e conversam sobre as marés dos orgasmos invisíveis,
A chuva, para ti, é o quê?
Gajas nuas, gajas... saltando muros em xisto.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 3 de Outubro de2013