Recomeço, esqueço-me que estou vivo, oiço na TV
um grupo de Jazz, deslumbrante para um Sábado sem memória, escrevo
sem saber porque o faço, talvez recorde os teus beijos, talvez
recorde a tua ausência, talvez viva sem o saber,
Que estou vivo,
Permaneço inconstante, finjo ser uma equação
diferencial sem solução, pego numa integral tripla e acaricio os
teus lábios de garra madrugada, e amanhã sobejam palavras escritas
por mim na tua degradante janela, o velho Augusto pega no cigarro
enrolado pela tristeza, amanhã não sei se estou vivo, amanhã não
sei se estarás ao meu lado, amanhã sinto que tal como o título do
Livro de Miguel Esteves Cardoso “O amor é Fodido” eu... eu estou
fodido... tal como o amor, oiço o programa de jazz, imagino a tua
pele rosada embainhada nos lençóis de uma cidade a que apelidaram
de Lisboa, esqueço a poesia, tenho raiva da poesia, porque sou uma
incógnita vestida de equação trigonométrica,
Que estou vivo,
Tenho medo que morras, porra... porque morrerás tu,
porque escrevo sabendo que a inveja infesta as minhas palavras, os
meus olhos, sei que existes dentro de um cubo de vidro, um aquário
com barbatanas de papel, e lá fora regressam os corações de
cintilantes pergaminhos com bordados e flores envelhecidas, percebo a
tua dor, percebo que aos poucos te vou perder, e nada, nada consigo
fazer para te resgatar do rio apelidado de medo, oiço-os, vejo-os na
tua mão como se fossem pedras acabadas de nascer, que estou vivo? E
amanhã o saberei,
A inveja dos outros quando as palavras crescem nos
teus seios, a inveja de partires e não ser capaz de te procurar-te
no Oceano mais longínquo das minhas veias argamassadas, via-te
sentada numa esplada de vidro, sentia o pulsar do teu desejo quando
abríamos um livros de AL Berto e líamos um dos mais belos poemas,
depois... depois tínhamos o Pacheco e o magala travestido de poeta,
eu, deambulando pela rua à procura do banco em madeira onde nos
sentávamos, e... e pegava na tua mão, e escrevia no teu corpo,
tantas e tantas... vezes em sentido, eu
Que estou vivo, que estou vivo sem o saber,
O uísque desaparece e entranha-se no gélido teu
orgasmo, apaixonei-me pela escrita de António Lobo Antunes, cresci
com Milan Kunera, e hoje, hoje apenas vivo finjindo que vivo, sou um
cadáver em movimento curvíleneeo e uniformente acelerado, não sou
Angolado, não sou Português... sinto-me apátrida como o destino,
penso, não caminho, olho os jardins e sei que algures por lá andas
escondida, talves te tivesses transfomado em arbusto, em saudade
ou... ou em objecto de velharia na banca de uma qualquer feira,
recomeço, esqueço-me que estou vivo, oiço na TV um grupo de Jazz,
deslumbrante para um Sábado sem memória, escrevo sem saber porque o
faço, talvez recorde os teus beijos, talvez recorde a tua ausência,
talvez viva sem o saber,
Que estou vivo, que há pessoas prontas a
assassinarem-me intelectualmente, mas eu, eu estou vacinado conta a
inveja, mas eu, eu estou habituado a ser huminhado, e o velho Augusto
perdido nos cigarros de enrolar, e eu perdido no gélido teu corpo de
amendoeira, e, eu...
Que estou vivo, que estou vivo sem o saber,
Que amnhã existirá um amanhecer, que amanhã...
amanhã sem o saber, tu, tu quererás pertencer às minhas palavras,
porra... não podes morrer, não, não poedes,
Que estou vivo?
E uma âncora de desejo permanecerá no teu corpo...
(texto de ficção)
Francisco Luís Fontinha –
Alijó
Domingo, 23 de Marvo de 2014