sábado, 7 de março de 2015

As mãos de um sábado...


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


habito dentro deste livro inacabado
existo porque gritam as palavras
e os sonhos amargurados
não tenho tempo para olhar o mar
nem percebo o cheiro deste rio envenenado pelo silêncio
um cigarro
mal-educado
apagado
sessenta anos encurralado nestes socalcos sem nome
habito
dentro
do livro inacabado...

os tristes sorrisos das lanternas da solidão
vendo-me
vende-se
tudo
nada
coisas estranhas
esta calçada
viva
vivo
apagado
não tenho
o tempo

nem a vida
de marinheiro
sou um barco enferrujado
sou o aço triturado pelas mãos de um sábado...
apenas
outras coisas
como as simples janelas de uma prisão
prisão
a prisão
do meu falar...
habito
habitar no teu peito de livro encalhado.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 7 de Março de 2015

sexta-feira, 6 de março de 2015

Eu?
Nunca,
O amor, a casa recheada de cacimbo e palmeiras desgovernadas, o meu irmão reaparece e mal o reconheço, que estou mais velho, cansado..., claro, tantos anos...
Como estás, meu querido?
Eu?
Nunca
A relatividade em equações, a luz enfestada de palavras e beijos de adormecer, e eu
Eu?
E eu olhando as singelas pálpebras do Oceano de prata, nada a acrescentar em minha defesa, perdi-me na ponte do solitário adeus, morreram os sonhos
Amanhã
Três horas da tarde, cemitério da Ajuda, os sonhos, o corpo dela engasgado nos rochedos da paixão, Foder ou não foder...
Eis a questão do artista, a tela simplificada, amanhã restará uma única sílaba ao acordar, o espelho
Mais nada a acrescentar aos teus desejos, meu filho...
Cansei-me das palavras, mãe, das flores, dos sonhos e das cidades de vinil, cansei-me das mãos de porcelana da madrugada, sem janelas
O cubículo?
Morreu, algemou-se ao silêncio da noite, escreveu no olhar
Amo-te,
Escreveu no olhar as suas últimas palavras, despediu-se das árvores, despediu-se das gaivotas, cerrou os olhos, e
Vive-se numa selva, dizia-me ela ao acordar, e eu
E tantas coisas belas dentro de ti, e eu segmentado, e eu ensanguentado das lágrimas das equações trigonométricas do sexo, o prazer, a confusão de corpos numa cama imaginária, gemes, abraçam-se às amoreiras do dia, acendem a luz, e
E eu?
Nunca...
E eu parecendo uma página velha de um velho livro, o reumático, as atrozes, os pontos ocos suspensos no espaço, e mesmo assim, ela
Amo-te!
Claro que não, claro que não...
O que é o amor, meu querido irmão?
Coisas,
Nunca...
Percebi porque o mar me abraçava.



(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 6 de Março de 2015

Pincelados corações de pólen


O acrílico beijo
na tela do desejo
sem medo de perder
o acordar da madrugada
ele abre a janela
e percebe que afinal...
a madrugada é um fantasma
uma coisa de nada
sombras
silêncios
e
e abraços na escuridão

ela sabe que os dias morrem
e nas aldeias de granito
habitam pássaros de papel
coloridos
aventuras
sem destino
acorrentados aos gritos da caverna do adeus
ela sabe que os dias
poucos
nenhuns
absorvem a luz
disparada por um olhar invisível

e no entanto
o beijo transforma-se em fotografia
negra
como o poço da morte
na infância de uma cidade perdida
há nos seus lábios abelhas
e pincelados corações de pólen
e voam
poucos
nenhuns...
homens conseguem entranhar-se no seu corpo
e ela desaparece em cada avenida do sofrimento.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 6 de Março de 2015

quinta-feira, 5 de março de 2015

Os berros argamassados da menopausa, o sal brincando nas encostas do abutre negro, a carne em putrefacção, distante, os berros
Amanhã vamos?
Berros, os berros das medusas entranhados no corpo, os sonhos morrem, morrem os beijos e as carícias da madrugada, menstruais palavras dentro do poema, gritam, da menopausa, perdeu-se o silêncio eterno das andorinhas em flor,
João?
Sim, pai,
Onde puseste os meus óculos?
Sei lá...!
Dentro da fala, os sons em delírio, porque dentro deste quarto habitam livros decadentes, desenhos sem rosto, imagens, fotocópias de fotografias a preto e branco, muito longe
João?
Sim... pai...!
Os homens chegaram, temos de retirar todas as rosas do nosso jardim, não vamos deixar que nos penhorem a melhores rosas da aldeia, pois não'
Não, pai...!
Aos berros, da menopausa, o sal brincando nas encostas do abutre negro, sobre ela o beijo desenhado na areia, colorido, embrulhava-a numa estrofe envergonhada, levava-a para as cabanas dos sonhos adormecidos, cerrou os olhos
Foi bom, amor,
Só?
Os olhos na cárcere do sofrimento,
Stop...
Só, as sílabas dos fósforos em aventuras,
Stop, aos berros... o Rossio embriagado...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 5 de Março de 2015

Trapézio do sono


Tenho na sombra do sono
um pilar de areia
uma casa em ruínas
sem telhado
sem braços
sem cabeça
tenho na sombra do sono
o cansaço das palavras
o sorriso do poema
enquanto o poeta gagueja
sofre
e sofre

(sem braços
sem cabeça
sem telhado)
os olhos da serpente
fingindo corações de luz
como charcos de lama
sapateando junto ao mar
e eu
na sombra do sono...
inventado papéis de amar
comestíveis
ao pequeno-almoço

(sem braços
sem cabeça
sem telhado)
este poema disparado
pela mão do sofrimento
levanto-me da insónia
pensando que já acordou o dia
levanto-me do dia...
acreditando que já é noite
escura
húmida
e vagabunda...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 5 de Março de 2015

Calçada da Ajuda


Está escuro
no exíguo espaço dos teus braços
mantenho-me aceso como uma fogueira invisível
no meio do campo
deserto
sem árvores
pássaros
ou... enforcados marinheiros
procuro a enxada do silêncio
e gemem as pedras xistosas dos lábios da alvorada
escuro
nada

como o transeunte sentado
na Calçada da Ajuda
procura
procura o carteiro
carta escrita
sem remetente
vem a morte
e leva-o para a biblioteca
abre um livro
folheia-o como se fosse o teu corpo adormecido sobre as lágrimas do veneno...
afugenta as palavras
e a tempestade alicerça-se-lhe no peito

começa a voar nos cortinados da noite
acende o seu último cigarro do dia...
e pergunta-se
quando?
quando terminará este dia...
a morte dos sonhos
envergonhados
lânguidos nas janelas sem vidros
o mar dança-lhe na algibeira da solidão
bebe um uísque...
e acredita que a poesia
habita no terceiro esquerdo dos teus seios...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 5 de Março de 2015

quarta-feira, 4 de março de 2015

Sentava-me no Tejo a contar cacilheiros, no final da tarde, depois de alguns cigarros, percebia que todos aqueles cacilheiros pertenciam ao exército dos apaixonados anónimos, tristes, convictos, passeavam-se como se fossem crianças num qualquer recreio de uma escola já extinta, encerrada,
Morta
Morreu, o Miguel trazia na algibeira meia dúzia de moedas encardidas pela sombra da noite, dormia debaixo de alguns cobertores de cartão, antes de adormecer desenhava no passeio pedestre algumas das imagens sem nome, de tantas outras... as fotografias de família
Morta?
Pais, avós... irmãos?
Sentava-me no Tejo, brincava com as gaivotas, saltávamos à corda, pegava num cinzeiro e esvaziava a algibeira quase...
Morta?
Irmão de papel, fumado, defumado, as palavras no quase... e ele... procurando irmãos invisíveis numa cidade invisível, não há miúdas nesta terra? Ainda é cedo, mais logo, talvez
Quase a desmaiar, sem sonhos, talvez imaginasse esta terra a terra prometida, mas não
Esqueceu-se do aparelho, Sr. António? E agora... como vai ouvir-me...! Sentava-me junto ao Tejo, mas não, fumava charros de areia enquanto a preia-mar se abraçava a mim, beijava-me, fodíamos como dois livros entrelaçados...
Ẽ?
Toca o telefone, morta...
Morta?
Quase...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 4 de Março de 2015

Olhares em beijos de luar...


Esboço os teus olhos na carlinga nocturna do prazer
finjo caminhar sobre as pedras íngremes do silêncio
em vulcão
as palavras desalmadas do caderno negro
as imagens da melancolia
no espelho secreto dos teus seios
fujo
e sem regresso...
imagino os rochedos da insónia
mergulhando na constelação do adeus
o plágio mágico de uma fotografia
e a simplicidade dos sentidos embainhados nas florestas em solidão
canso-me
e fujo
dos lábios em desejo
como as formigas procurando alimento
nas esplanadas da dor
esboço os teus olhos
o esquisso em desassossego dentro da caixa de madeira
janelas
portas
o segredo
quando os dardos envenenados atingem mortalmente o peito do artista
o circo ofegante
em murmúrios e pequenos gestos pincelados de sangue
os aplausos falsos
e os falsos sorrisos
na aldeia
entre ventos e tempestades de areia
sinto em mim o mar
e todas as marés do amor
o poeta adormece junto ao rio
escreve na espuma tingida de saudade
e canso-me
das palavras
e dos olhares em beijos de luar...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 4 de Março de 2015

terça-feira, 3 de março de 2015

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Mãe, como é o mar?
Lençóis de espuma, meu filho, silêncios de sombras poisadas numa tela virgem, aos poucos reaparecem as palavras e os riscos, a arte de amar e de navegar num beijo invisível, sem imagens, sem noite para chorar, as ruas completamente indiferentes às minhas tristezas, as cintilações dos versos descendo os socalcos imaginados pelas tuas brincadeira de menino,
Fui menino, mãe?
Cansei-me das palavras,
Escrita... nunca,
Mais
Amanhã restará uma única sílaba ao acordar, o espelho
Mais nada a acrescentar aos teus desejos, meu filho...
Cansei-me das palavras, mãe, das flores, dos sonhos e das cidade de vinil, cansei-me das mãos de porcelana da madrugada, sem janelas
O cubículo?
Morreu,
As janelas e o espelho completamente envergonhados pela partida do monstro das quatro cabeças, nada mais do que isso, literatura ao jantar, poesia ao pequeno-almoço, e
Morreu,
E alguns gladíolos apaixonados pelo jardim dos arciprestes, sabes? Falamos sobre isso, lembras-te?
Não, não...
Morreu.


(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 3 de Março de 2015


segunda-feira, 2 de março de 2015


(desenho de Francisco Luís Fontinha)

O fugitivo regressa, aparece disfarçado de pássaro, não voa, deixou de voar, sonhar, deixou de viver, e de construir castelos de areia junto ao mar, quando dizias que aos três anos de idade já voava...
Eles chegaram, o caixão ainda cheirava à tinta fresca da manhã, brincava um silêncio de olhos verdes no vão de escada,
Foder num vão escada, como fodem todas as palavras do poema...
Sabíamos que o corpo não pertencia às nossas vidas, e o fugitivo sem regressar aos nossos lençóis de sémen foragido, sem pátria, destino
A porta de entrada encerrada,
Janelas ainda não tinham acordado,
Destino, viver dentro de duas folhas brancas com olhos verdes, um círculo, o Sol, a Lua, o vazio do corpo na alvorada clandestina, fria, fria e amarga,
A porta
Deus, criador de tudo e de todos, a porta gaguejando, rangiam os biombos da literatura quando imaginava o mar na parede da biblioteca,
Apetecia-me
Queimar todos os livros, meus, desenhos, vozes, corpos de insectos e rosas embalsamadas, queimar as fotocópias e os fósforos da insónia, beijar-te, e olhar-te
A mim?
A porta entranhada entre dois segundos, as lâmpadas lá de casa todas fundidas, sós, escuras, como a humidade das palavras enquanto pessoas, nenhumas... monstras, vazio, a astronomia do ciume suspensa num cabo de aço, Rua da Nossa Senhora..., Não está, hoje,
O Doutor, a secretária do Doutor, e a porta, envergonhada como eu, porque hoje não houve madrugada, porque hoje morrem as palavras...


(cansei-me, vou deixar de escrever durante uns tempos e de frequentar as redes sociais, cansei-me e apetece-me ouvir Wordsong... embrulhar-me nos sons das palavras... e imaginar AL Berto voando junto ao Tejo. Vou ler muito mais e dedicar-me ao desenho)


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 2 de Março de 2015