sábado, 23 de janeiro de 2016

No peito uma flecha de sémen rodopiando no gelo do ringue de patinagem...

Sim, tu, mãe,
Quando dizias que aos três anos de idade já voava...
Eles chegaram, o caixão ainda cheirava à tinta fresca da manhã, brincava um silêncio de olhos verdes no vão de escada,
Foder num vão escada, como fodem todas as palavras do poema...
Sabíamos que o corpo não pertencia às nossas vidas,
Clandestino, eréctil nas disciplinas do abismo, o poema esfomeado esperando o amante suicidado,
amanhã, amanhã nascerá um cansaço de medo no afastamento dos círculos das cidades embriagadas,
Sem iluminação, sem mulheres ou bares para combater a distracção, uns panfletos expostos na parede xistosa,
Há Tripas,
O caixão dançava no centro da sala de estar,
Confesso,
Nunca tinha assistido à dança de um caixão...
Já imaginaram o dançar de um caixão?
Há tripas e...
Moelas,
A aldeia padece de claridade, existem fios de escuridão nos telhados cansados das palhotas de algodão,
Enigmático, eu?
Nunca tinha assistido à dança de um caixão...
Já imaginaram o dançar de um caixão?
Há tripas e...
Moelas,
E palavras sem coração, sentia-me embriagado nas mãos do amanhecer, sentia-me um miúdo encostado à sonolência da idade,
A aldeia em chamas, os campos esbranquiçados na tela do desejo imaginavam canções de moluscos e alguns grãos de areia,
O desenho teu na cidade dos alicerces alienados, os bares em combustão, as miúdas dançando canções de solidão,
Amas-me?
Que não,
Que a arte vive e vai morrer no teu olhar,
Ouves-me?
E palavras sem coração, avenidas nuas, travestidas de machimbombos reumáticos voando sobre a cidade, eu... eu... adormecia,
Inventava beijos nos teus braços, a minha primeira paixão, imaginava-te uma flor triste e cansada, nos circos ambulantes da saudade,
Os sete orgasmos do Mussulo, a liberdade sobre as palmeiras invisíveis que me atormentavam, como campânulas de sofrimento, ao deitar, o caixão que dançava deixou de o fazer, dificuldades com o cachê, dispensa de artistas e cadáveres de cera, um altar recheado de almas, tantas almas como os versos do sem-abrigo quando sentado numa cadeira apodrecida de um circo ambulante,
Quero ser artista, mãe!
Nem penses..., nem... penses...
Filho meu não é artista!
Nunca,
Nunca, mãe?
Os sete, juntos, e sós, no Mussulo era mais barato, a saia descaída, o soutien desenhado no peito
E...
Nunca, mãe?
Nunca,
Nunca
No peito uma flecha de sémen rodopiando no gelo do ringue de patinagem... o belo, a dança... e o corpo em pequenas rotações...
Os teus lábios acorrentados aos meus beijos embriagados pelo desejo, não o sinto, o vulcão da tua pele, não vejo o sorriso da tua mão, em vulcão, mergulhada nas palavras que o silêncio desenha na melancolia,
É falso,
O dia disfarçado de lápide, os outros destinos rejeitados pelo cacimbo, há uma fogueira no corpo da sinfonia do amor,
É falso,
O falso prazer, a liberdade to TEXAS e Cais do Sodré gingavam na penumbra salgada do abismo,
O querido dança?
Fumo,
É falso,
São falsas, os textos a beleza e o amar, quando o amar pertence aos clandestinos eternos sonos dos Narcisos de prata, o pilar central do orgasmo mergulhada entre duas árvores,
Amar, amor,
Ao fundo os homens calcetando labaredas em poesia adormecida... é falso, que o amor morra nas planícies salgas do deserto...
Os outros, o monstro das quatro cabeças brincando dentro de mim, saltava à corda, subia aos pinheiros pintados em papel cenário..., e havia sempre um pigmentado sorriso nos seus lábios, era Sexta-feira, daquelas Sextas-feiras que iluminam as imagens a preto e branco, o sono, a agonia de olhar o mar desenhado numa das paredes do quarto, escuro, ainda boiava a noite nas veias da adrenalina constelação do amor, aquele amor inventado apenas para adormecer na poesia, nada mais do que isso...
Isso o quê, meu amor!
Os outros, o monstro
Batem à porta,
Livros, livros nas mãos cardume do carteiro, assine aqui se faz favor, assinei, foi-se embora, escondido no arvoredo comecei a acariciar o envelope, lá dentro percebia-se que alguém existia para me abraçar, daqueles abraços trigonométricos, sabes?
Sei, os outros, o monstro, a perfeita nostalgia, sebes de papel laminado voando sobre o jardim
O gajo passou-se, dizem...
Que sim, livros, Isso o quê, meu amor! Batem à porta, e falou comigo,
Beijou-me literariamente, sorri, levantei o olhar em direcção às palavras de amar, não tive coragem de abraçá-la com as vogais e as consoantes do poema, alegremente imaginava-me um transeunte sem identidade, nos sonhos aparecias vestida de melancolia, as fotocópias e as fotografias, sem identidade, nome, palavras de amar
Amanhã?
Não o sei, percebi que as pálpebras do desejo habitavam nos nossos corpos de cinza, perdia-me nos teus braços como se perdem as gaivotas nos cacilheiros da saudade, palavras, palavras enigmáticas em construção, o corpo minguava na escuridão, o monstro das quatro cabeças dançando nos meus ombros, sentia-me uma circunferência sem olhar, sem.… sem um corpo para aportar, a saudade
Sentidas,
Os tristes silêncios da minha infância saltando os muros da Primavera, as amendoeiras em flor, as andorinhas apaixonadas, e eu
Sentidas,
A saudade que os meus braços abraçavam,
Saudade?
Caminhei sobre as pedras sonolentas da literatura, cansei-me dos teus poemas e da “merda” dos teus desenhos,
Sentidas?
Sem identidade...
Podíamos ancorar a estes versos, permanecermos impávidos das celestes lágrimas do Universo, Saudade? Caminhei, sentei-me sobre as quatro sombras da preguiça, sofri, sonhei, aprendi que o amor é um cubículo sem janelas,
Junto ao mar,
É tão lindo, o mar, mãe...
Os barcos e as jangadas de silêncio, os embriagados corpos dançando no texto, encerra-se o livro, e morre o escritor,
Um poema...
Palavras, sons, imagens, barcos, marés... sucata amaldiçoada pela fresta do luar, a astronomia e a matemática, dormem, saciam-se nas metáforas da insónia, corpos, nus, entre eles... o sexo desenhado em cada esquina, a porta do quarto rangia, gemia, e sabíamos que ninguém nos ouvia,
Orgia?
De palavras e de poesia,
Um poema?
Negro, opaco, sem corpo nem cabelo, morto, fictício..., mas pouco, pouco, como os dias à tua espera...
O fugitivo regressa, aparece disfarçado de pássaro, não voa, deixou de voar, sonhar, deixou de viver, e de construir castelos de areia junto ao mar, quando dizias que aos três anos de idade já voava...
Eles chegaram, o caixão ainda cheirava à tinta fresca da manhã, brincava um silêncio de olhos verdes no vão de escada,
Foder num vão escada, como fodem todas as palavras do poema...
Sabíamos que o corpo não pertencia às nossas vidas, e o fugitivo sem regressar aos nossos lençóis de sémen foragido, sem pátria, destino
A porta de entrada encerrada,
Janelas ainda não tinham acordado,
Destino, viver dentro de duas folhas brancas com olhos verdes, um círculo, o Sol, a Lua, o vazio do corpo na alvorada clandestina, fria, fria e amarga,
A porta
Deus, criador de tudo e de todos, a porta gaguejando, rangiam os biombos da literatura quando imaginava o mar na parede da biblioteca,
Apetecia-me
Queimar todos os livros, meus, desenhos, vozes, corpos de insectos e rosas embalsamadas, queimar as fotocópias e os fósforos da insónia, beijar-te e olhar-te
A mim?
A porta entranhada entre dois segundos, as lâmpadas lá de casa todas fundidas, sós, escuras, como a humidade das palavras enquanto pessoas, nenhumas... monstras, vazio, a astronomia do ciúme suspensa num cabo de aço, Rua da Nossa Senhora..., Não está, hoje,
O Doutor, a secretária do Doutor, e a porta, envergonhada como eu, porque hoje não houve madrugada, porque hoje morrem as palavras...
(cansei-me, vou deixar de escrever durante uns tempos e de frequentar as redes sociais, cansei-me e apetece-me ouvir Wordsong... embrulhar-me nos sons das palavras... e imaginar AL Berto voando junto ao Tejo. Vou ler muito mais e dedicar-me ao desenho)
Mãe, como é o mar?
Lençóis de espuma, meu filho, silêncios de sombras poisadas numa tela virgem, aos poucos reaparecem as palavras e os riscos, a arte de amar e de navegar num beijo invisível, sem imagens, sem noite para chorar, as ruas completamente indiferentes às minhas tristezas, as cintilações dos versos descendo os socalcos imaginados pelas tuas brincadeiras de menino,
Fui menino, mãe?
Cansei-me das palavras,
Escrita... nunca,
Mais
Amanhã restará uma única sílaba ao acordar, o espelho
Mais nada a acrescentar aos teus desejos, meu filho...
 
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
In- Amargos lábios do Poema
sábado, 23 de Janeiro de 2016


sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O regresso dos papeis do sono


Vem de longe o teu regressar

Sem regressares

Aos meus frágeis braços,

Deixaram de existir beijos

Nos meus tempestuosos lábios embrulhados na noite,

E mesmo assim…

A noite incomoda-me,

Tenho medo das suas garras

Enquanto espero o sono,

Sentado numa cadeira invisível

E sonolenta,

Vem de longe… o teu regressar ao meu corpo moribundo.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

sexta-feira, 22 de Janeiro de 2016

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Palavras e ventos


Não tenham pena de mim,

Sou pobre e infeliz…

Às vezes sinto a falta dos cigarros,

Tenho-os na algibeira

Mas a preguiça é tanta…

Que não me apetece destruí-los,

Olho-os cuidadosamente,

E vejo o fumo invisível

Alojado no meu cansaço,

Não durmo

Quando sei que no meu mar imaginário navega um barco em esferovite

Ressuscitado da infância,

 

Não,

Não tenham pena de mim,

Não tenho nada…

E sou tão rico!

 

Tenho um inabitável quintal

Onde semeio palavras e ventos,

Tenho árvores onde poiso o meu corpo

Em horas de descanso,

Não tenham pena de mim

Por ser pobre e infeliz,

Tenho Oceanos desenhados nas paredes do meu quarto,

Tenho marés escritas nas mãos,

Tenho um rio sempre à minha disposição…

Porque têm pena de mim?

Quando todo o luar é meu

E vive no meu olhar…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quarta-feira, 20 de Janeiro de 2016

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

O segredo


O segredo,

O meu segredo,

As palavras engasgadas no silêncio,

O medo,

O medo de amar não amando,

O medo da paixão…

Não desejando,

Este infeliz transeunte abandonado,

Abandonando o poema,

Fugindo dos desenhos construídos na escuridão,

O medo,

O medo da solidão,

Todas as noites,

Cai o cortinado sobre as pálpebras da tristeza,

Invento certezas,

Invento sofrimento nas amoreiras dos teus lábios,

Porque sinto,

Porque minto

Amar-te,

Não te amando,

E não te querendo,

Hoje,

Amanhã…

Logo à noite,

Logo à noite talvez,

O infeliz petiz

Galgando as amarras do prazer,

O clitóris da sinfonia floridas dos cardos

Cospem metáforas, calçadas e sorrisos,

O segredo,

O meu segredo,

O nosso segredo… morto junto ao rio.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

terça-feira, 19 de Janeiro de 2016

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

O corpo de matar!


Este amontoado de sucata que apelidaram de corpo

Enferrujado como os ventos que assombram a montanha

Encurralado nos rochedos desde o amanhecer

Até ao sol-posto,

Não quero querer

Que este corpo pertence à geada

Que este corpo é feito de velhos papeis e ossos em poeira

Esquecido numa velha calçada,

Não quero querer

Que este corpo brincou na eira

E hoje faz-se transportar pelas palavras envenenadas

Entre marés de sono e noites cansadas,

Ai… ai este corpo amontoado de sucata amordaçada

Vivendo da escuridão da cidade

Sem janelas para o mar

Sem vida, sem idade,

Este amontoado de sucata

que apelidaram de corpo…

não é de prata

nem sequer oiro maciço…, mas é o meu corpo, o corpo de matar!

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 18 de Janeiro de 2016

domingo, 17 de janeiro de 2016

Sim, sim, Clarissa, meu amor, sim…

Clarissa, meu amor, este presídio humilhado na humidade nocturna das estrelas invisíveis, a falta da minha mãe ao acordar
Amo-te meu filho,
Quando não me apetece acordar, quando não me apetece… tu sabes, Clarissa, meu amor, tu sabes que este presídio é feito de espuma, branca, com círculos de desejo, se fossem gajas de Cais do Sodré? Não, não são gajas de Cais do Sodré, antes fossem, meu amor, Clarissa, antes fossem gajas de Cais do Sodré, amanhã, não sei se vou acordar, e tu,
Amo-te meu filho, e tu, e tu, Clarissa, meu amor, embrulhada nos lençóis da amargura, poisa a tristeza nos teus ombros, e por minha causa
Amo-te, meu filho,
Os dias passados junto ao mar, e tu, Joaquim… Clarissa meu amor, e tu, Joaquim acorrentado a um rádio a pilhas, o Benfica perdia, pontapeavas o balcão do café, e tu, Clarissa, meu amor
Amo-te meu filho, hoje, não, hoje não me apetece acordar, este presídio um nojo, pulgas, carraças e sonhos…, meu amor, amo-te meu filho, Clarissa, meu amor, amanhã acordarei, mãe, amanhã, Clarissa, meu amor, a tempestade na calçada, não tenho forças para regressar, então Joaquim? Vai-te “foder” meu amigo, vai-te “foder” … perdemos, sim, sim meu amor, Clarissa, amanhã a liberdade, deixo este presídio de sons e palavras, amanhã deixo este caixote do lixo no passeio em frente à nossa casa, e o homem da limpeza
Amo-te meu filho!
Pai?
Sim, sim, Clarissa, meu amor, sim…
 
(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
domingo, 17 de Janeiro de 2016

sábado, 16 de janeiro de 2016

Clarissa

Clarissa, meu amor, viver nesta quinta é um pesadelo, sempre a olhar o rio, sempre o rio a olhar para mim, como se eu fosse um sem-abrigo, um “cabrão” diplomado, de fato e gravata, engatando gajas em Cais do Sodré,
E tu, meu amor, Clarissa, sabes que a minha vida está por um fio, esta maldita doença levar-me-á até aos teus braços, aos teus beijos, e esta maldita
Levanto-me, olho-me no espelho encurralado na insónia o meu rosto de cadáver, sinto muito, morreu…os dias despidos nas aventuras das tuas coxas, os dias libertos da prisão do Adeus, ontem, sabes, meu amor, Clarissa? Apaixonei-me pela razão, e sabes, meu amor, Clarissa, tu pertences aos pássaros do meu jardim,
E esta maldita morte que não me larga, três drageias ao pequeno-almoço e uma ao deitar… amanhã está como o aço,
Enferrujado, penso como se estivesse a conversar de futebol com o Joaquim, sempre o melhor, e eu que detesto futebol, e eu que detesto futebol… se fossem gajas de Cais do Sodré?
 
(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 16 de Janeiro de 2016

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

As quatro esferas da saudade


Tenho na mão

As quatro esferas da saudade,

Silencio no meu peito este empobrecido coração

Com janelas para a madrugada,

Vejo a cidade,

Oiço os passos revoltados descendo a calçada,

Tenho na mão a pedra do silêncio envelhecer

Que me vai matar,

E depois de morrer…

O meu corpo será lançado ao mar,

Como uma jangada fundeada no desejo

Dos lábios o doce beijo.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

sexta-feira, 15 de Janeiro de 2016

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Da noite e do luar


Flutuo sobre os lábios cinzentos da sombra,

Sinto a ferrugem da saudade a entranhar-se nos meus ossos,

Pareço uma velha peça de aço no interior de uma qualquer sucata…

Esperando o embarque,

Alicerço-me aos braços da solidão

Como se eu fosse uma estátua em granito

Tombada no chão,

Esqueço-me da noite e do luar,

Esqueço-me do dia e da majestosa manhã junto ao mar,

Flutuo…

Invento coisas com pedaços de papel

E sorrisos escondidos na penumbra madrugada,

Invento coisas com pedaços de papel

E Invernos desgostosos que nunca mais acabam…

Como o meu corpo desaparece

Quando abro a janela…

E a saudade desembarca no meu peito.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quinta-feira, 14 de Janeiro de 2016

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016


Ele desaparecia do meu imaginário, acendiam-se os holofotes da glória e da fortuna, ao longe o comboio deslizava suavemente sobre o pavimento improvisado quando da montagem dos milhentos ferros e ferros e companhia falida, aproximava-se do banco de jardim onde me sentava, sentia

Ouvia-se perfeitamente o cheiro do rio dentro das clarabóias das paixões proibidas pela loucura, das flores felizes, e infelizes, a tristeza

Aos trambolhões da nuvem número três, tempos depois, privatizada, deixou de chover, morreram todos os comboios e todos os circos e todos os jardins, ele, e

E docemente colocava a sua cabeça no meu ombro esquerdo, eu, eu sorria, e desacreditava-me que seria possível encher todo aquele espaço, e minutos depois,

Morreu,

Não sabia, sempre pensei que tinha sido privatizada,

E paz à sua alma,

Amém,

Os rios?

Não me digas que os rios são de pedra, porque, não o são, não, não me digas que a fome é invisível, porque, não o é, não, não me digas que o teu corpo é inacessível, como uma janela altíssima, quase junto à lua, porque eu não acredito que ele esteja tão longe de mim, não

(é atarde ainda para pegar na tua mão)

Não, não acredito, e por favor, não me digas que a chuva são as lágrimas de Deus, porque, não o são, não, não

(imerso nas profundezas da tristeza que a tarde aproxima com a ajuda do vento, imerso nos cabelos das nuvens sabendo que não existem nuvens, e pergunto-me, o que tenho eu nos meus lábios? Qualquer coisa estranha e parecida com os cabelos de um ser humano, com esqueleto e na boca sinto-lhe pequenos orifícios, cavernas melhor dizendo, e escrevendo, e dizem-me que não podem ser lábios porque não existem lábios nas nuvens, E, E se não foram nuvens que o vento trouxe? Que trouxe então o vento? E se em vez de tristeza, não, não são profundas nem tristes..., E se forem? E se a água da chuva forem as lágrimas de Deus?)

Não, Não o são, porque se o fossem, eu saberia, não, não me digas que hoje é terça-feira, porque não o é, porque se o fosse, eu, eu estaria completamente quilhado, pois era hoje que partiria para a eterna viagem de barco para o longínquo

(de pedra, os rios?)

Oh minha querida, como poderiam ser de pedra os rios..., como caminhavam os barcos no interior das pedras? Não, não o são, não...

(e o mar, meu querido?)

Não, não acredito, e por favor, não me digas que a chuva são as lágrimas de Deus, porque, não o são, não, não, e, no entanto, é tarde e eu sem entrar em casa, e, no entanto, caminho sobre um rio que se tu não estivesses ao meu lado, juro, com medo que me oiças, dir-te-ia que o rio onde caminho é de pedra sim, sim o é, mas não o digo, para não o ouvires, porque vais logo dizer

(VÊS COMO EU TINHA RAZÃO!)

E, não, não a tinhas,

(de pedra, os rios?)

Não a tinhas e nunca a tiveste, aparecias-me como se eu fosse o teu canino de estimação, colocavas-me uma gravata de plásticos, um pouco comprida diga-se, e pegavas em mim e levavas-me para o jardim em frente à nossa casa, um sexto andar em ruínas, sem elevador, com alguns dos degraus completamente embriagados pelo silêncio e pela escuridão, não tínhamos luz, e quando forçado a erguer-me do chão e subir até ao tecto do céu, três degraus depois, estava a cerca de seis degraus do local de partida, assim

(não, não)

Tão pequeninos, assim tão próximos dos alicerces fortificados pelas mãos calejadas quando pendurávamos o cigarro na beirinha da grade da varanda, e

(já agora vais dizer-me que os barcos são de papel, não?)

Não, não, e, quando percebíamos... o cigarro com a ajuda do vento e da lei da gravidade, pumba... mesmo no centro do capô do automóvel estacionado na rua, coitado dele, e um deslumbre cinzento começava a erguer-se, e a erguer-se, até que acabou por desaparecer, eu tremia, o medo que ele se incendiasse, eu quase que me lancei da varanda para mais depressa conseguir resolver aquilo que o vento tinha provocado, e não me lancei e o automóvel não ardeu, E será que o vento apenas trouxe nuvens com cabelos e cavernas? Mas, tu não acreditas em nuvens com cabelos e cavernas!

Tão pequeninos, assim tão próximos dos alicerces fortificados pelas mãos calejadas quando pendurávamos o cigarro na beirinha da grade da varanda, e

(já agora vais dizer-me que os barcos são de papel, não?)

E neste momento acredito que os cigarros inventem dores de cabeça na copa das árvores, porque se assim não o fosse, os pássaros fumavam, os frutos fumavam, as folhas fumavam, a chuva que dizes ser as lágrimas de Deus, fumavam, e como sabes, não fumam...

Árvores, pássaros, frutos, folhas, ou mesmo, como tu gostas de o dizer, as lágrimas de Deus, aquelas que ultimamente não nos largam, dia e noite, já não bastava não termos luz, água canalizada ou gás, ainda temos o problema do telhados, como qualquer coisa relacionado com bicos de papagaio, e claro, entra-nos as lágrimas sobre os cobertores embrulhados em insónias e soluços de Carnaval, aparentemente, desisto de construir um lugar seguro, eterno, com os rios de pedra, porque a tua teimosia, porque a falta de cigarros

(VÊS COMO EU TINHA RAZÃO!),

Eu

Também, respondia-lhe, morreu, vendem-se laranjas, vendem-se livros, quadros, ele

E docemente colocava a sua cabeça no meu ombro esquerdo, eu, eu sorria, e desacreditava-me que seria possível encher todo aquele espaço, e minutos depois

Fingia que eu era um estranho, louco, pouco, talvez dizimado pelas sombras das noites cobertas por um oleado de vidro, estrelas em pétalas azuis suspensas nas orelhas das madames à porta do cabaré, e sempre que lhe perguntava

Quem é?

Respondiam-me,

Não sabemos, não sabemos

Ínfimas películas de tristeza que o vento trazia, adormeciam, depois, sobre as águas dilatadas que a nuvem número três deixou escorregar sobre

Não sabemos,

Morreu,

Não sabia, sempre pensei que tinha sido privatizada,

E paz à sua alma,

Amém,

Eu

Também, sempre que posso, sempre que me deixam, ele

Morreu,

Não sabia, sempre pensei que tinha sido privatizada,

E paz à sua alma,

Amém,

Eu,

Não somos o vento, porque se o fossemos... tínhamos nas mãos asas... e temos dedos, dedos de acariciar corpos sofrendo, corpos desejando, corpos... acreditando,

Deve vir de longe, pensei,

E eu, eu ali, suspenso entre o olhar obtuso e a penumbra neblina do fumo do meu pobre cigarro, comecei a manuseá-lo como se fosse o rosto de alguém desconhecido, alguém que pela primeira vez tocava nas minhas mãos, senti um leve arrepio e sou embrulhado em palavras, confesso, palavras que nunca na minha vida de carteiro tinha encontrado, tocado..., ou, tocar toquei..., mas apenas nos selos, e por alguns minutos,

Me perdi, desencontrei, me amei…

 

(ficção)

In “Noites de Mim”

Francisco Luís Fontinha – Alijó

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Sombras de aço


Há arte abstracta no teu olhar

Uma sinfonia de cores

Que se diluem na madrugada

Se cruzam na avenida mais obscura da cidade

E se deitam em cada tela adormecida pela paixão,

 

Há palavras nos teus lábios

Sílabas extintas pelo vulcão da saudade

Casas ignoradas

Árvores envenenadas

Nos solstícios do desejo,

 

Há silêncios no teu corpo

Medusas embriagadas pelo cansaço

Sombras de aço

Sobrevoando o teu cabelo

Que o vento assassinou…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

terça-feira, 12 de Janeiro de 2016

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Dois fedelhos apaixonados pelo mar…


Éramos dois fedelhos

Escondidos no capim,

Brincávamos aos pássaros

E desenhávamos sorrisos no meu jardim,

 

Éramos dois fedelhos

Suspensos na chuva miudinha que abraçava as mangueiras,

Dois pontos de luz

Nos lábios do luar,

Éramos dois fedelhos

Apaixonados pelo mar…

 

Construíamos marés de vidro

Nos alicerces da cidade,

Vestíamos a escuridão enraizada na tarde,

E regressava a noite

Com os beijos da melancolia,

Dois pássaros

Ao nascer do dia…

Dois pássaros fugindo da claridade.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 11 de Janeiro de 2016

domingo, 10 de janeiro de 2016

Sinfonia da loucura


Não acredito,

Meu amor,

Que as tuas noites ingrimes

Sejam o teu desejo,

Porque não tens desejo,

Porque desejo-te não me desejando,

Como as obscuras noites de Inverno,

Como as tristes planícies do Alentejo,

Camufladas pelos teus beijos,

Não acredito, meu amor,

Na geometria,

Na física

E na sinfonia da loucura,

Pareço-te um prisioneiro,

Na cancela do adeus,

Esperando os circunflexos odores da madrugada,

Perdi a alma,

Perdia a minha amada,

Não,

Não acredito na minha infância,

Nunca tive infância,

Amor,

Amar,

Desamar…

A flor,

O guindaste da solidão

Submerso na minha mão,

Só e só…

Não acredito,

Meu amor,

Nas jangadas de vidro

Que se deitam na nossa cama,

Que nunca a tivemos,

Imaginária

Dentro da cabeça de um louco,

Tu,

Eu,

Nós…

Na loucura das sílabas amordaçadas,

O pedestre menino enrolado nas finas folhas do prazer,

Os vigaristas poetas

Roubam-me a poesia,

Roubam-me as palavras,

E eu,

Eu… acorrentado aos teus lábios,

Em papel crepe,

Vermelho,

O cansado abutre

Vestido de alegria,

O cansado abutre

Vestido de dia,

Não,

Não meu amor,

Não acredito nos teus lençóis

Nem nas tuas mãos à volta do meu pescoço,

Fingida manhã,

Triste manhã do meu acordar,

E morrer,

Sem saber a amar…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 10 de Janeiro de 2016