quinta-feira, 10 de outubro de 2013

desalmado corpo

foto de: A&M ART and Photos

sou um desalmado corpo suspenso nas madrugadas de adormecer
corro sem saber que dentro do vento
uma árvore morre
e um pássaro
filho do amanhecer
saltita sobre os muros das cidades de xisto

sou estes olhos que te lêem e estas mãos que te folheiam
brincam com as tuas palavras desconexas
sou a enxada que transportas dentro de ti
sou um desalmado corpo
perfumado pelos cansaços dos telhados de chocolate
sou a não vaidade

as sílabas castanhas dos cortinados sem janelas
sou as caricias tuas quando um espelho fica em migalhas
o teu corpo voa e esconde-se na neblina de um quarto alugado
sobes as escadas e bates à porta
… sou um desalmado homem que vive no duzentos e dezasseis
envergonhado de mim quando procuro os cigarros adormecidos nos cinzeiros das montanhas

abraçava-te e sabia-te volátil como serpentes enroladas nos tornozelos da tarde
ouvíamos as canções dos mendigos sentados sobre as lágrimas do silêncio
havia música com bata-frita e amêndoas grelhadas e cheirávamos as réstias sebentas com versos sós e magoados pelos copos vazios da vodka abandonada pelas flores de papel
sou um desalmado corpo suspenso nas madrugadas de adormecer
corro sem saber que dentro do vento

uma mulher vestida de negro
não alegre
não gaivota procurando os montes da paixão esquecida nos tentáculos dos braços de aço
que sobem as calçadas como corredores da morte
sou o milagre escondido que todas as mulheres tentam sobreviver
sou um pedaço de pedra deitado numa cama abandonada


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 10 de Outubro de 2013

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

os vampiros da paixão

foto de: A&M ART and Photos

são intensos
são mórbidos como sílabas de falsa prata
são comestíveis como os peixes do teu lago
no centro do teu jardim
são invisíveis
são caracteres desconhecidos que descem dos teus lábios...
são tristes as noites tua chuva
quando os alicerces de uma canção
caiem na escada de acesso ao sótão da solidão
são tristes
os corredores do teu coração
os olhos sem cor

tristes
de ti e em ti
são intensos
lindos
cansados
castanhos belos
apaixonados
como gargantas volúpias em desgovernados uivos

e beijos loucos nas cavernas dos púbis encarcerados
são intensos
são complicados
distantes noites
manhãs sem literatura
poesia adormecida
sem ternura
vadia
mendiga
são intensos
lamentos
os silêncios da insónia mergulhada na tua mão de cinza depravada

são rios
mares com algas voando entre as rochas
são frias
nocturnas
sexos evaporados nas lanternas de cartão
são destemidos
intensos
os vampiros da paixão

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 9 de Outubro de 2013

terça-feira, 8 de outubro de 2013

letras e letras e uma mão sobre o teu rosto envenenado pela insónia

foto de: A&M ART and Photos

não sei como és
não percebo das tuas sombras a neblina das rosas ao amor
não entendo a tua presença nas andorinhas em flor
não o sei
como és
ou... se o és
também
tu
uma flor
não sei como és
nuvem
ou simples pedaço de xisto

não como és
não percebo o porquê dos teus sete pecados mortais
das avenidas embainhadas
nas madrugadas
como és
ou se... és o que eu acredito que o sejas
uma gaivota disfarçada de veleiro
muitas fotografias esquecidas nos jornais
e no entanto
não sabendo como és...
acredito nos espelhos com abraços em aço Janeiro
não como o és

mas... seres o vento
uma janela mal fechada
um pérfido edifício em ruínas
como tu
eu
o és...
somos esqueletos vagabundos mergulhados no mosto cerâmico da paixão
mas... seres o vento
o amanhecer construído por jangadas de vidro
montanhas encarnadas
ribeiras
feiticeiras

ou... simples palavras
adornadas nas esquinas prateadas
não sei
como
o
és
não percebo as acácias em flor
os julgamentos complexos por aviadores com capacetes de cartão
escrituras
letras e letras e uma mão sobre o teu rosto envenenado pela insónia
não sei como és
não percebo das tuas sombras a neblina das rosas ao amor


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 8 de Outubro de 2013

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Um corpo submerso nas sílabas do desejo

foto de: A&M ART and Photos

Um corpo estaticamente só, um corpo submerso nas sílabas do desejo, um corpo entre montículos de saudade e rochas de insónia, uma luz alimenta este corpo, um espelho alimenta a luz que alimenta este corpo, um corpo... não é um corpo, um corpo vazio, solidificado, um corpo voando sobre a montanha da solidão,
Vens à janela, abres-te e sentes o vento em ti,
Um corpo inocente coberto pela espuma volátil do incenso, um corpo de água, só, um corpo cintilante, um corpo
Ausente?
Dorido, que não sente o corpo em corpo das flores...
Um corpo estaticamente só, um corpo submerso nas sílabas do desejo, um corpo entre montículos de saudade e rochas de insónia, um corpo poisado sobre o peito de um homem...
A imagem emagrece o corpo, a luz que alimenta este corpo, é alimentada por um outro corpo,
E o espelho depois de ser corpo.
Imagem, flutua sobre as vértebras do cansaço, e és transparente como as noites vestidas de negro, e és desejada como os pilares de areia das madrugadas em delírio, despes-te e olhas-te no espelho
(alimento a luz que alimenta o corpo)
O teu,
Quero ser um pedaço de montanha, ou um veleiro agasalhado de lareira acesa, caminhar junto a um rio com dentes em marfim, um corpo belo, desejável, um corpo em decomposição, a parte física sobre a mesa-de-cabeceira e a parte invisível dentro de mim, dentro da trovoada, das nuvens envergonhadas quando a luz ejacula sobre o abajur da tristeza e eu
O teu corpo é teu?
(alimentado pela luz que alimenta o corpo)
Desculpem... morri,
Um corpo de água, só, um corpo cintilante, um corpo
Ausente?
Quero ser o vestíbulo que habita no teu quarto secreto, a cabeça onde poisa o ombro, também ele... secreto, todo o corpo teu não existe, nunca apareceu à janela do meu castelo, o teu corpo é um embuste, falsificado, o ilustre Doutor das clarabóias domésticas que a tua mão abraça,
Quero o ser como são as palavras antes de escritas, aquelas que são pensadas e que por
Vergonha?
Pudor?
Um corpo belo esconde-se no interior de um cobertor, invento marés e mesmo assim
Não o consigo, não sou capaz que te dispas e fiques só corpo, só
Pudor?
Vergonha das palavras que tenho medo de escrever, vergonha dos beijos que tenho medo de desenhar na parede dos teus seios, o teu corpo, meandro sabático das sandálias em couro, os calções parecem perdizes brincando nos patamares no coração do Douro,
Vamos jantar?
Comer o teu corpo, ele, apenas ele... dentro do prato cerâmico, outrora em alumínio, hoje mendigo, o espelho que alimenta a luz ou a luz que alimenta o teu corpo, e uma corda feliz saltita nas mãos de uma criança...

(ficção – não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 7 de Outubro de 2013

Texto de Francisco Luís Fontinha em destaque - Sapo Angola - Blogue Cachimbo de Água.

domingo, 6 de outubro de 2013

O meu “mundo”


Solidificado no vórtice da mentira quando sei que das tuas mãos linhas transversais dividem dois corpos em duas laranjas, solidificado este meu triste olhar quando sinto no espelho teus lábios sofridos, teus molhados lábios, a boca estremece, desce ao mais intimo poço da insónia, no meu “mundo” vive-se sentado sobre uma placa de xisto, no meu “mundo” vives húmida como as árvores depois da neblina, solidificado no meu “mundo”
Nosso “mundo”,
vives húmida como cavernas em sais de prata a preto e branco, a imagem bloqueia, a imagem deseja a tela sobre ela sabendo que do outro lado do abismo, o
Nosso “mundo”?
Vive e diverte-se,
Chora, grita entre uivos e orgasmos doirados, no nosso “mundo” há uma clarabóia com olhos de gaivota e asas em papel, no meu “mundo”, vive-se, chora-se, deseja-se
Desejam-se as fotografias, as minhas e as tuas, as nossas imagens tridimensionais multiplicam-se, dividem-se... e acordam os teus seios depois da madrugada partir, sem deixar rasto ou paixão como fazem os barcos quando abandonam o porto de abrigo e sente-se uma corda esmorecer, coitada, e aos poucos vê-se o corredor na morte o teu púbis comestível nas páginas de um livro,
O meu “mundo”
No nosso “mundo” tudo pertence às fotografias, tudo é sombra, tudo é desejo...
( ….... )


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 6 de Outubro de 2013

cristais vagabundos

foto de: A&M ART and Photos

porque te alimentas do néon moribundo das portas em ruína
e percebes que os meus olhos são cristais vagabundos
sem número de policia
apenas uma simples janela de porcelana
quando regressa a noite
disfarça-se de gaivota
deixa ficar os poucos vidros sobre a mesa-de-cabeceira
e voa na cidade do medo

leva na algibeira o candeeiro mordomo
que sua senhora adorada lhe ofereceu um dia longínquo
quando ainda existiam lábios de borboleta
nas plantas marginais
do silêncio com algas
e dentro de um velho caderno
o esqueleto de duas ou três integrais
simples duplas triplas... como o teu corpo em despedida

partias no primeiro autocarro da carreira sem rumo definido
entre curvas e lagartos
livros e camaradas apaixonados pela vodka da menina Alice
partias
e eu deixava de ver-te logo a seguir à curva junto à ravina
despedia-me de ti dentro do meu quarto escuro
e chorava
chorava medalhas de prata que me ofereceste e nuca fui capaz de as usar...

(porque te alimentas do néon moribundo das portas em ruína
e percebes que os meus olhos são cristais vagabundos
sem número de policia
apenas uma simples janela de porcelana)

por medo
ou vergonha
nunca encontrei as tuas mãos no meu rosto triangular
e chegava a casa
e a casa parecia-me um cubo em betão armado
com braços em aço
com olhos em cristal
como os meus

(cristais vagabundos)


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
(não revisto)
Domingo, 6 de Outubro de 2013

sábado, 5 de outubro de 2013

(ai como eu sofro)

foto de: A&M ART and Photos

Morre o abajur e cessa a luz do desejo, uma mesa-de-cabeceira definitivamente órfã, e do naperon construído nos serões de Inverno... ouvem-se pequenas lágrimas misturadas com pegajosas sílabas de carvão, sei que o teu rosto viveu numa tela e tal como aconteceu com o abajur
Morreu
E cessaram no teus olhos as madrugadas sem a presença de mãos calejadas pelo engaço, o peso da enxada absorve os poucos ossos do teu empobrecido esqueleto, e tudo em ti
Pobre,
Morreu,
Cessou a luz que ilumina os trilhos nocturnos das montanhas de alecrim, sentia-te bocejar junto ao gesso em pedaços de tabique onde um lindo crucifixo da mãe Arminda, coitado, suspenso, só... e no entanto, olho-o e pergunto-me
Porquê?
Morreu e cessou,
E pergunto-me se ainda vou a tempo de regressar, e pergunto-me
Pobre,
Morreu?
(não temos sorte nenhuma, senhor Luís)
O carrossel das palavras girava ferrugento e as ventoinhas cinzentas, em madeira, vomitavam vogais, outras vezes, sentíamos os sorrisos castanhos das abelhas de asa encarnada, ouvíamos as crianças deambulando mentiras de pano na fragilidade do sono, encerravam as janelas com fotografia para o dia de ontem, e
Pobre,
Morreu,
(não temos sorte nenhuma, senhor Luís)
O carrossel em círculos ao redor de uma haste óssea, e lembrava-me do teu esqueleto de geada nas manhãs de Inverno, queríamos descer as escadas graníticas, e
(não temos sorte nenhuma, senhor Luís)
Tombávamos sobre o pavimento dorido, cansado, e triste
Magoado?
(não temos sorte nenhuma, senhor Luís)
(ai como eu sofro)
Morre o abajur e cessa a luz do desejo, uma mesa-de-cabeceira definitivamente órfã, e do naperon construído nos serões de Inverno... ouvem-se pequenas lágrimas misturadas com pegajosas sílabas de carvão, sei que o teu rosto viveu numa tela e tal como aconteceu com o abajur
Morreu
E tal como a Primavera,
Morreu?
Não
Morre o abajur e cessa a luz do desejo, uma mesa-de-cabeceira definitivamente órfã, e do naperon construído nos serões de Inverno... ouvem-se pequenas lágrimas misturadas com pegajosas sílabas de carvão, sei que o teu rosto viveu numa tela e tal como aconteceu com o abajur
Morreu,
Recordo-me dos telhados em zinco voarem sobre um tapete de lã, recordo-me dos alicerces aldrabados por um sucateiro, e no final do dia, tudo dava certo, as metralhadoras dos teus abraços acordavam sobre as mangueiras do quintal esquecido no centro de uma cidade, as munições em puro aço rompiam os muros em xisto e ouvíamos o telintar dos guizos de um chibo mal educado, de um chibo
Morre o abajur e cessa a luz do desejo, uma mesa-de-cabeceira definitivamente órfã, e do naperon construído nos serões de Inverno... ouvem-se pequenas lágrimas misturadas com pegajosas sílabas de carvão, sei que o teu rosto viveu numa tela e tal como aconteceu com o abajur
Morreu,
E o carrossel dançava nos cabelos loiros dos barcos em flor, e o carrossel das palavras, não de todas, mas o carrossel só de algumas palavras
(não temos sorte nenhuma, senhor Luís)
(ai como eu sofro)
Sentiam-se sós... quando descia sobre as árvores do Tejo uma gabardina esbranquiçada que escondia no seu interior
Morte?
(não temos sorte nenhuma, senhor Luís)
(ai como eu sofro)
Os poucos ossos sobejados do esqueleto que te acompanhava enquanto eu fazia amor com o teu corpo mergulhado em sombras e lá fora
Morte,
(não temos sorte nenhuma, senhor Luís)
(ai como eu sofro)
Lá fora dormiam os candeeiros que um louco semeou no centro do passeio, os carros rosnavam
e
“Cuidado Com os Carros”
Mordem?
E lá fora um cortinado guilhotinado vendia o corpo como robalos sobre um pedaço em madeira...
“Hollywood... pá”.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 5 de Outubro de 2013

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

rochedo da saudade

foto de: A&M ART and Photos

no rochedo da saudade vive o teu meu coração repatriado
escondíamos-nos do amanhecer quando todas as estrelas cessavam de brilhar
quando sentia o teu sorriso no espelho da paixão
comestíveis beijos insufláveis desciam das árvores em solidão
no rochedo da saudade
vivia
amava
e comestíveis beijos com esqueletos de prata

no rochedo da saudade vive o teu meu cansaço
quando tínhamos noites intermináveis sentados num banco de jardim
conversávamos sobre tudo e sobre nada
e sentia o brilho do teu olhar
como uma donzela tela
pincelada com acrílicas cores
depois tínhamos a sombra dos plátanos
de livro na mão

liam-nos poemas
escrevíamos-lhes poemas
sentados num banco de jardim...
e imaginávamos à nossa frente o palpitar do rio furioso por ter perdido o mar
víamos veleiros pintados na claridade da aurora boreal em comestíveis chamas de suor
liam-nos poemas
escondidos caracteres minúsculos sobejavam das rosas de papel
e diziam-nos que a lua amava o silêncio

como nós
um piano vadio brincava no soalho da biblioteca
e tínhamos acabado de regressar das montanhas alicerçadas às gaivotas desgovernadas
sentadas
como nós
num simples banco em madeira
e liam-nos poemas
e escrevíamos-lhes poemas como se fossem migalhas de pão depois do pequeno-almoço...

não acordávamos porque a noite embriagava-nos com palavras
textos
e comestíveis beijos
e poemas
por comestíveis pinceladas acrílicas saborosas que os teus lábios iluminavam
e víamos o rochedo da saudade
chorar
e pigmentos sólidos de vento balançavam nos teus cabelos de limalha incandescente...

não sabíamos que existia a teoria da relatividade
e desconhecíamos a trigonometria
pensávamos que os círculos eram mulheres deitadas
nuas
sobre a geométrica cama com lençóis de porcelana
e lá
no teu peito
os rochedos da saudade vomitando cinza de velhos cigarros como poemas envenenados pelo ciume...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 4 de Outubro de 2013