sábado, 15 de junho de 2013

Nem sombras rompiam pelas árvores que eu imaginava existirem

foto: A&M ART and Photos

Um, depois dizes-me que adormeço enquanto ficas sentada a olhar-me, porque sabes que eu detesto que me olhem, porque eu detesto que se comportem comigo como se eu fosse uma estátua sobreposta entre a luz e multidão, entre homens e mulheres, em delírio, revoltos os cabelos semeados na planície obscura da sangrenta sinfonia em palavras ainda não escritas,
Gostas de mim?
Talvez, e um dia acordamos, e a noite deixa de padecer aos movimentos corporais das amendoeiras em flor, a cerejeira do quintal sem os significativos sinais vitais, deixamos de a ouvir durante a noite, e de queixume em queixume, optou pelo silêncio,
Não sei!
Gostas? Gostas... vá lá, diz-me?
Não sei o que são janelas quando aprendi em miúdo que das janelas só vinham bichos, ou serviam, nem sempre, para imaginarmos o mar pintado nos vidros, alguns deles, quebrados, outros, já tinham partido para longínquos lugares, apenas resistiram as escadas em granito, e todo o resto, morreu, a porte de entrada, sucumbiu numa noite de Inverno, cessou a respiração e daí em diante ficou entreaberta, nunca mais ficou de boa saúde e a fechadura em recusa pelas drageia receitadas pelo senhor Armindo, aos poucos... trocá-mo-la por um cordel que de baixo custo tinha tudo e de nada no servia gritarmos contra as paredes do compartimento dividido por meia dúzia de metros quadrados de chita, de uma lado ficava a sala de jantar, e do outro
Não sei...
E
Do outro
Gostas?
O meu quarto, com uma porta meio envidraçada, meio esburacada, com vista insuflável como os pneumáticos dos roncos automóveis quando regressava a gripe, quando eu ia à varanda, e nada, nem sombras rompiam pelas árvores que eu imaginava existirem, e que nunca passaram da minha imaginação, e do outro, do outro, um pequena torradeira servia-nos de aquecedor, e o Janeiro foi tão frio que quando acordei pela manhã, as escadas de granito eram lâminas de gelo, o o céu aprecia cinzento, e não nuvens hoje pela manhã, e aos poucos, descobri que até novas ordens estava acorrentado ficticiamente a uma mesa e a quatro cadeira, velhas, tão velhas que ouvíamos o caruncho mergulhar aos peixes do chafariz também ele, congelado, também ele, como eu, acorrentado, ficticiamente...
Não, não sei se gosto de persianas, também eu, ficticiamente existente, chorando, rindo, vomitando alimentos que não me recordo de os ter algum dia ingerido, tudo, e apenas, milagres da vida, da fé, e da alegria de viver numa casa acabada de morrer, e desde a morte da cerejeira, não sei
Talvez!
Penso que nunca mais comi cerejas, e hoje, sei que elas existem, porque oiço da tua bocas soníferos sons saboreando pratos vazios que imaginas estarem cobertos de coloridas encarnadas cerejas de papel, e sim, talvez não, sei lá..., os significativos sinais vitais, deixamos de a ouvir durante a noite, e de queixume em queixume, optou pelo silêncio, porque falar muito provoca hemorróides como depois viemos a confirmar, quando eles se levantaram da cadeira almofadada, com rodinhas, e meu Deus... o cheiro intenso a madeira de putrefacto cadáver de lata; e há pessoas com uma tal lata..., mas que lata, das grandes.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Suspensos do amanhecer

foto: A&M ART and Photos

Tinhas-me inventado com palavras de vento
abríamos as janelas da imensidão suspensa no amanhecer
sofrendo-nos como às portas em versos poeirentos
velho cansado sofrimento
em ti me recusava escrever
sabendo eu que padeces perdida no centro dos inesquecíveis momentos,

Havíamos concedido imagens dos troncos sangrentos
pedacinhos em madeira adormecida
tínhamos vontades sofridas
como nas gargantas sílabas dos textos em divãs de areia
sobre uma paisagem imaginada por loucas rochas escaldantes
esmigalhados tormentos vivendo-se entre cidades e campos,

Tinhas-me inventado... de vento
como sandálias de cortiça pedestres em caminhos sem saída
sonhos presos aos tectos circunflexos por medida
e abríamos os socalcos da montanha mórbida em línguas gasosas do desejo alento
assento sobre a palavra derretida
havíamos inventado o tempo e os cardumes assassinos perdidamente arrolados...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Palpitas como sobejantes morcegos de porcelana

foto: A&M ART and Photos

Perdi-me como Sábados desperdiçados dentro de uma semana confundindo-se com o pôr-do-sol, perdi-me enquanto ouvia mendigos disfarçados de livros, à porta dos bares abrigos com arrais de aço e pequenas correntes de suor, bebia-se vodka até que descia o enjoo marinheiro quando em alto mar alguém avisava que o melhor para combater o enjoo marítimo era bacalhau cru, de preferência salgado, nunca o experimentei, porque nunca enjoei durante os treze dias de viagem, talvez porque as crianças não enjoassem, talvez porque da cidade de onde eu vinha, tinham-me habituado aos solavancos das calçadas húmidas depois da chuva, vinha o sol, acordavam as ervas mais sonolentas, e ainda de boca semiaberta, amarguravam sílabas de solidão, como às abelhas quando se lhes pedia
Escreve um poema,
As pobres das abelhas não escrevem, e que eu saiba, são felizes, o meu cão não escreve, e é feliz, eu não sou marinheiro, e sou feliz, ando de porto em porto, percorro os oceanos mais distantes do dicionário das palavras difíceis de pronunciar, engasgo-me com a saliva que os amanheceres violentos provocam em mim, e em ti, que vives dentro de mim, pareces com febre, as teclas estão quentes, pergunto-me se conseguirás sobreviver até ao final da noite, de todas as noites, até que regressa o Natal, e depois
Escreve-me um poema,
E depois eu cá em parvalhão escrevia, estás tão quente, hoje, sinto-te nas minhas mãos, palpitas como sobejantes morcegos de porcelana
(fico extremamente irritado quando estou a escrever e o parvalhão do telemóvel sempre a vomitar sons vibratórios, como um reles vibrador adquirido numa loja do Chinês, provocando orgasmos aleatórios na secretária – De madeira? - , sim, sim meu querido, de madeira...)
E partindo-se a porcelana, resta nada, luzes tristemente sós, fingindo melódicos anseios nos fins de tarde, ouviam-se-lhes os gemidos em grãos de areia, e um colchão de palha roçava-se nele,
(fico extremamente irritado quando estou a escrever e o parvalhão do telemóvel sempre a vomitar sons vibratórios, como um reles vibrador adquirido numa loja do Chinês, provocando orgasmos aleatórios na secretária – De madeira? - , sim, sim meu querido, de madeira...)
E também de mim, nova vibração, novo orgasmo, chegada de SMS, e a coitada da secretária – De madeira? - sim, sim, sim meu querido, de madeira, como as searas depois de mortas, como as cidades depois de incendiadas pelo ofegante arremesso de objectos contra natura, odiava as camisolas de gola altas e as calças à boca de sino, mal conseguia segurar-me sobre os sapatos de três andares, mais parecendo a quilha de um veleiro, e agora imagino o coitado do João, de saia, camisola de gola alta e sapatos a condizer, mexe-se como uma andorinha de plumas entre os dedos, pinta docemente os lábios com bâton ruge e quando acorda o dia, vejo-a deitada num qualquer banco de jardim, desesperada, à espera do autocarro, e Auroras Boreais
(fico extremamente irritado quando estou a escrever e o parvalhão do telemóvel sempre a vomitar sons vibratórios, como um reles vibrador adquirido numa loja do Chinês, provocando orgasmos aleatórios na secretária – De madeira? - , sim, sim meu querido, de madeira...)
Escreve-me um poema, e Auroras Boreais poisam como insignificantes poéticos desejos sobre o teu peito onde vive um coração de chocolate.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Poemas em flor

foto: A&M ART and Photos

No cinzento mergulho som da tua voz
há poemas em flor
como madrugadas suspensas de mãos em odor
o silêncio amargo da boca em teus anseios
há pontes imaginárias
há medos inultrapassáveis
como travessias sobre os rios da saudade
de estruturas cansadas e distantes marés em sofrimento,

Há dias parvos e tristes e outros são-no como dentaduras em marfim
procurando os esqueletos de veludo
sobre a poeira do amanhecer
há dias como hoje sentido-os no caos fluido até atingir o mar
como um relógio sem pulso
pertencente a um pedaço de braço derramado no xisto falso da manhã...
há seios de arrependimento poemas às palavras derretidas nas formas do silêncio
subindo e descendo paredes de Inverno até regressar a Primavera do teu olhar agreste,

Há fome na tua boca como silvestre framboesa com imagens de infância
uma escola perde-se na penumbra montanha com janelas de vista para o inferno
vestem-se eles com toalhas de linho
e pequenos papeis coloridos
há música no teu coração de granito
quando desço sobre ti perguntando-me onde moram as estátuas de milho
aprisionadas no canastro da aldeia
há... no cinzento mergulho som da tua voz... há, há poemas em flor...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha


quinta-feira, 13 de junho de 2013

Claro que isto é poluição dizia-me ela

foto: A&M ART and Photos

Também como eu, ele perdido nas aranhas nauseabundas das flores campestres que alguém resolveu trazer do interior mais longínquo à aldeia deixada ficar adormecida na montanhas dos cabelos castanhos, os olhos vestiam-se-lhe de púrpura como restos de comida transformados em vestidos de gala, nos lábios um leve sorriso a bâton em tom de encarnado, sobre as mandíbulas coxas um exuberante perfume de areia com sabor a hidratos de carbono, e quando lhe pedia para me emprestar o isqueiro, com voz de rinoceronte, dizia-me... há muitos a vender no café,
Claro que havia, também havia lâminas de vodka embalsamadas em colheres de sopa, sem sopa, como tinha a hora marcada para o temido xarope para a tosse, o médico que era dos cigarros, eu, não, para mim o problema estava na poluição que se fazia sentir à nossa volta, e bastava darmos as mãos, descer a calçada... e uma pasta negra começava a ser expelida através das narinas...
Claro que isto é poluição dizia-me ela,
E eu quando regressava às consultas queixa-me ao meritíssimo doutor que o meu problema era devido à poluição, e ele, olhava-me, olhava-me... e entre dentes
Tem juízo rapaz, e deixa os cigarros,
Trezentos corações de argila perdidos pela cidade dos sonhos, confesso, hoje, que nada me faz recordar os jardins dos teus olhos, aqueles que me olhavam à distância, e eu, dentro de um cavalo de ferro em direcção a um rio sem nome, ia-me perdendo, aos poucos caiam-me os dentes de leite, e quando assentei arrais sobre as laje verticais em pequenas folhas de alumínio, minúsculas, às vezes tremendo de frio quando na rua a temperatura rondava os quarenta graus centígrados, e curiosamente, vestia-me com o sobretudo castanho e sentava-me num banco do velho jardim à espera que regressassem os barcos vindos do outro lado da avenida, cansado, sentia-me perdido dentro de uma caixa de fósforos, e
E eu quando regressava às consultas queixa-me ao meritíssimo doutor que o meu problema era devido à poluição, e ele, olhava-me, olhava-me... e entre dentes
Tem juízo rapaz, e deixa os cigarros,
(olho-os)
E no meio do caos, sobre tijolos de argila, o amor surge como asas de uma gaivota regressada do distante Tejo, um homem e uma mulher, beijam-se enquanto um deles segura a Bandeira Turca, tamanha beleza é pouco, e é mais do que isso, é poesia, é loucura, é a paixão... e firmemente espera pela chegada do dia, da liberdade, e não há prisão que acorrente a paixão e o amor,
Porque os sonhos dos trezentos corações de argila, saltitam sobre as árvores em redor da Praça Taksim, e o prazer estremece os amedrontados, e excita os velozes homens e mulheres, destemidamente livres como os pássaros de Favarrel – Carvalhais – S. Pedro do Sul, e
(olho-os)
“Também como eu, ele perdido nas aranhas nauseabundas das flores campestres que alguém resolveu trazer do interior mais longínquo à aldeia deixada ficar adormecida na montanhas dos cabelos castanhos, os olhos vestiam-se-lhe de púrpura como restos de comida transformados em vestidos de gala, nos lábios um leve sorriso a bâton em tom de encarnado, sobre as mandíbulas coxas um exuberante perfume de areia com sabor a hidratos de carbono”..., e descobri o verdadeiro amor que vive na cidade dos rios de prata...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

marés nocturnas de um quarto de pensão

foto: A&M ART and Photos

Não desistas cidade adormecida
em procurar o mar perdido
não não desistas dos rios submersos e das esplanadas inventadas
por mulheres embriagadas
homens cansados mergulhados em marés nocturnas de um quarto de pensão
não desistas dos sexos embainhados e prontos à janela
esquecendo que dos pobres candeeiros a petróleo sofrem as mãos do poeta
batendo teclas e acorrentado a um edifício em formato de cadeira de vime,

Não desistas beijos aos socalcos rio entranhado nos seios da montanha
ruas desertificadas desertas amontoadas como lixo sobre a areia molhada
não desistas de brincar
e de desenrolar os lençóis em linho pergaminho
mulher da vida invertida
como uma pequena equação sobre a pele polaroid dos teus círculos de prazer...
luzes de esferovite começam das lágrimas sobre a copa das árvores imaginárias
e dos barcos teus lábios eu sinto-te dentro de mim como um vulcão estonteante,

E nobre
perdidamente apaixonado pelas pedras veias dos xistos encarnados
ente os dias de solidão
e as nádegas húmidas dos torrões de açúcar sobre a mesa-de-cabeceira
farto-me da tua voz parecendo uma galinha implorando a chegada de um qualquer Sábado
de uma infinita semana
e nobre
teu meu corpo de serpente envenenada...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Tínhamos um bibe com pintinhas

foto: A&M ART and Photos

Ouvíamos as poucas migalhas que a insónia deixava em nós como acontecia com os candeeiros em alumínio debaixo da nossa janela da casa de banho, durante a noite um corredio de chinelos entre o corredor e o Hall de entrada, que muitas das vezes, a porta ficava num estado de medo, assustava-se o corrimão de acesso ao nosso andar, e nunca percebemos a razão de tanta desgraça, e se havia fome entre as caixilharias, nunca o percebemos,
Os cobertores e os espelhos da velha escada de madeira, dormiam já, eu e ela, de mão dada, tropeçávamos nas sombras que do penumbro silêncio vindo da clarabóia ia aos poucos desenhando círculos de luz no gesso em pequenas frestas que nos conduziriam até ao terceiro andar, embriagados, nós, cambaleávamos como trapezistas sobre um arame que atravessava a rua não muito larga, em frente à casa onde tínhamos um quarto alugado, havia uma igreja, ante de introduzir a chave na ranhura da fechadura, benzia-me, e perdia a Deus que me acompanhasse na derradeira viagem sobre a noite até a um quarto com uma velha cama estreita e sem janela, e um vidro sobre uma chaminé invertida, mostrava-me o céu quando rompia a manhã,
Éramos crianças com bibe no recreio da escola, quando chegava a casa, acompanhava-me a comichão do bichos do velho pinheiro, e do outro lado da rua, mesmo em frente à escola, tínhamos o mar, o cais ficava a uns quinhentos metros, e eu, em vez de olhar a professora com as explicações de geometria, preferia contemplar a felicidade dos barcos, apreciava-lhes a liberdade, e sobre o oceano, ninguém, ninguém lhes interrompia os grandes voos de gaivota de motor a diesel,
Subíamos encostados aos cordéis das esplanadas da calçada inclinada, ombro com ombro, eu amparava-te, e tu, imaginavas segurar-me a mão como dálias do mesmo canteiro olhando o sol, em pedaços de milímetro desperdiçados nos paralelos solitários, pegava-te e erguia-te, e já dentro do pequeno cubículo, despia-te, e ficava assim..., como quem observa uma tela acabada de pintar, olhava-te, e no teu corpo, escrevia poesia com o meu olhar, e com as minhas mãos, desenhava-te o mar, sentia-te respirar e sabia que estavas viva, dormias, sonhavas com carcaças de velhos petroleiros deambulando durante a noite corredor fora, debaixo de nós ouvíamos o bater de asas dos barcos em pequenos voos rasantes, éramos novos ainda
Tínhamos um bibe com pintinhas,
Brincávamos no recreio, ouvíamos as poucas migalhas que a insónia deixava em nós como acontecia com os candeeiros em alumínio debaixo da nossa janela da casa de banho, durante a noite um corredio de chinelos entre o corredor e o Hall de entrada, que muitas das vezes, a porta ficava num estado de medo, assustava-se o corrimão de acesso ao nosso andar, e nunca percebemos a razão de tanta desgraça, e se havia fome entre as caixilharias, nunca o percebemos, como hoje, não percebo o teu nome murmurado enquanto dormes, e apenas sei que o teu cabelo ocupa a minha almofada, alimenta-se dela, vive nela, como viviam as palavras engasgadas da tua garganta recheada com melódicas canções e poemas por declamar,
Estávamos no recreio, sentia a tua voz, éramos do tempo do Bar um (em Vila Real) e os dois, de bibe, ficávamos até que toda a gente se evaporasse, até que tu e eu ficávamos frente a frente, mergulhados em vapores de iodo, como velhos sonhos em velhas camas, elas, rangiam, e percebíamos que dos orgasmos delas, uma apenas almofada, guardava o perfume do teu cabelo,
A professora chamava-nos, saíamos do Bar Um e voltávamos às lições de geometria, e um dia, aprendemos que o teu corpo era como os poemas de AL Berto; quantas mais vezes os líamos, mais apetecido ele era, é, e hoje, nós, sem os bibes, limitamos-nos a
Olá, estás bom?
Olá, como estás!
Vou, vou andando...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

o amor envergonhado

foto: A&M ART and Photos

imagino o amor envergonhado
aquele que procura nas palavras os abraços prometidos
o amor às vezes não desejado
que acontece como o granizo em plena tarde de Primavera

imagino e percebo
o desassossego dos olhos envenenados pela íris das sebentas
aos gemidos frios sonhos que inventavas

o amor
o raio do amor travestido e cansado
embrulhado num velho cobertor
entre palhas e silêncios
das janelas do abismo
os beijos
sem sentido
quando uma mão poisa sobre mim
sinto-a a argamassar-me como dentaduras em marfim
no meu pobre esqueleto de vidro
comendo-me ossos e sentimentos
e o amor zangado e perdido

o verdadeiro amor
de joelhos
junto ao mar
percebo das imagens reflectidas pelos espelhos do prazer
que zarpaste em direcção a uma ilha sem nome
idade
coração nem falar...
o amor
em ti
de ti
eu desejar
sonhar

o amor
fictício como lâminas de barbear
o amor sofrido sobre as árvores em flor
o amor...
aquele eterno amor
perdido numa calçada da Ajuda.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 11 de junho de 2013

A dactilógrafa em lápis de cor

foto: A&M ART and Photos

“Precisa-se de menina com o curso de dactilografia, experiência em teclados HCESAR, AZERTY e QWERTY, excelente apresentação, e terá como função desenterrar manuscritos de três velhas caixas de cartão onde jazem cerca de mil (textos e poemas), horário compatível com o vencimento, entrada imediata,”
Está frio, cercam-se os animais de encontro ao curral, as ovelhas paralelamente à linha do comboio com destino a Lisboa, Santa Apolónia, parecem substâncias amorfas, empobrecidas e levianas, levava comigo uma pequena mochila, pouca roupa, um par de sapatos, alguns papeis em branco, uma caneta e um lápis e uma velha borracha, no fundo, dormitava o único livro que me acompanhava, lembro-me como se fosse hoje, e podia eu lá esquecer, “Douto Jivago” de Boris Pasternak, Russo, ex-URSS, Prémio Nobel da Literatura em 1958, que infelizmente, e por razões políticas, não lhe foi permitida a deslocação a Oslo para receber o respectivo Prémio, coisas da vida, vida enfadada de coisas, no entanto, chego a Santa Apolónia com a esperança de ressuscitar o grosso volume em pedaços de cereja, e saboreados à beira Tejo, quase que o consegui, não fosse, eu não por razões políticas, mas meramente porque me distraía com o entrar e sair da barcos que quando voltava à leitura, já as páginas do meu livro tinham zarpado, levantando âncoras e desaparecido no horizonte, apenas tinha comigo mil escudos,
Havia montes e vales que eu desconhecia, havia árvores que eu nunca tinha observado em toda a minha vida, e claro, como podia eu esquecer-me das minhas ovelhas, quem sabe, perdidas, ao Deus dará, entre chuviscos e pequenas candeias de gesso que cambaleavam-se-lhes com o silêncio dos guizos, às vezes tinha medo por mim, quando acordava, olhava-me no espelho minúsculo e perguntava-me
Sonhaste com quê, hoje?
(e eu recordo-me que durante meses não sonhei)
Encontrava-me no final do dia com homens que se vestiam com plumas castanhas e com mulheres que se encharcavam em vodka até que o Tejo desaparecia do pôr-do-sol, e elas, começavam a voar em direcção à margem Sul, o Fernando cismava que queria um par de botas da tropa, e eu cismava que brevemente estaria novamente com as minhas queridas ovelhas, nem uma coisa nem a outra, apenas me lembro de ter aberto os braços...
Velhos ciúmes que um velho televisor a preto-e-branco inventa às mãos da dona Teresa, do rádio os gemidos sons da “Simplesmente Maria”, ouvia-a. Ouvia-a... e que nunca a percebi, confesso que era ignorante, e acreditava que os sons que entravam em mim vinham de um conduta como vinha a água potável, e em criança, apenas em calções, brincava com o arrefecimento lento da torneira do quintal, ouvia o galo desesperado por volta das cinco da madrugada, e mesmo ainda não conhecendo as horas e para que serviam os relógios, todos eles e que não eram muitos, desiludi-me quando descobri que o rio que eu olhava tinha deixado de existir,
Não acredito, dizia-me ele,
E quando acordo, sinto-me no fundo de uma planície de areia, sobre mim, hélices várias em movimentos vãos, como as páginas do livro de Pasternak que ainda eu vivo, lia vagarosamente, tão vagarosamente... que me esquecia de adormecer, que me esquecia que tinha terminado o dia, começado a noite,
E
Imaginava-a sentada a uma secretária, e conforme eu ia falando, ela silenciosamente teclava os silêncios do meus lábios, e percebi que tinha morrido,
Precisa-se de menina com o curso de dactilografia, experiência em teclados HCESAR, AZERTY e QWERTY, excelente apresentação, e terá como função desenterrar manuscritos de três velhas caixas de cartão onde jazem cerca de mil (textos e poemas), horário compatível com o vencimento, entrada imediata, e por motivos de GREVE os muros em betão do recreio da escola
O Fernando cismava que queria um par de botas da tropa, e eu cismava que brevemente estaria novamente com as minhas queridas ovelhas, nem uma coisa nem a outra, apenas me lembro de ter aberto os braços..., e tombado livremente como uma andorinha depois de fazer amor como o cacimbo,
E os muros em betão, estão lá, esperam-vos, como eu espero que apareças vestida de branco em movimentos circulares sobre o teu branco também cavalo, e apenas te peço, imploro, que me deixes ficar a olhar-te, poiso os cotovelos sobre o portão de entrada e imagino-te hoje a dactilografar este texto...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha