foto: A&M ART and Photos
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“Precisa-se de menina com o curso de
dactilografia, experiência em teclados HCESAR, AZERTY e QWERTY,
excelente apresentação, e terá como função desenterrar
manuscritos de três velhas caixas de cartão onde jazem cerca de mil
(textos e poemas), horário compatível com o vencimento, entrada
imediata,”
Está frio, cercam-se os animais de encontro ao
curral, as ovelhas paralelamente à linha do comboio com destino a
Lisboa, Santa Apolónia, parecem substâncias amorfas, empobrecidas e
levianas, levava comigo uma pequena mochila, pouca roupa, um par de
sapatos, alguns papeis em branco, uma caneta e um lápis e uma velha
borracha, no fundo, dormitava o único livro que me acompanhava,
lembro-me como se fosse hoje, e podia eu lá esquecer, “Douto
Jivago” de Boris Pasternak, Russo, ex-URSS, Prémio Nobel da
Literatura em 1958, que infelizmente, e por razões políticas, não
lhe foi permitida a deslocação a Oslo para receber o respectivo
Prémio, coisas da vida, vida enfadada de coisas, no entanto, chego a
Santa Apolónia com a esperança de ressuscitar o grosso volume em
pedaços de cereja, e saboreados à beira Tejo, quase que o consegui,
não fosse, eu não por razões políticas, mas meramente porque me
distraía com o entrar e sair da barcos que quando voltava à
leitura, já as páginas do meu livro tinham zarpado, levantando
âncoras e desaparecido no horizonte, apenas tinha comigo mil
escudos,
Havia montes e vales que eu desconhecia, havia
árvores que eu nunca tinha observado em toda a minha vida, e claro,
como podia eu esquecer-me das minhas ovelhas, quem sabe, perdidas, ao
Deus dará, entre chuviscos e pequenas candeias de gesso que
cambaleavam-se-lhes com o silêncio dos guizos, às vezes tinha medo
por mim, quando acordava, olhava-me no espelho minúsculo e
perguntava-me
Sonhaste com quê, hoje?
(e eu recordo-me que durante meses não sonhei)
Encontrava-me no final do dia com homens que se
vestiam com plumas castanhas e com mulheres que se encharcavam em
vodka até que o Tejo desaparecia do pôr-do-sol, e elas, começavam
a voar em direcção à margem Sul, o Fernando cismava que queria um
par de botas da tropa, e eu cismava que brevemente estaria novamente
com as minhas queridas ovelhas, nem uma coisa nem a outra, apenas me
lembro de ter aberto os braços...
Velhos ciúmes que um velho televisor a
preto-e-branco inventa às mãos da dona Teresa, do rádio os gemidos
sons da “Simplesmente Maria”, ouvia-a. Ouvia-a... e que nunca a
percebi, confesso que era ignorante, e acreditava que os sons que
entravam em mim vinham de um conduta como vinha a água potável, e
em criança, apenas em calções, brincava com o arrefecimento lento
da torneira do quintal, ouvia o galo desesperado por volta das cinco
da madrugada, e mesmo ainda não conhecendo as horas e para que
serviam os relógios, todos eles e que não eram muitos, desiludi-me
quando descobri que o rio que eu olhava tinha deixado de existir,
Não acredito, dizia-me ele,
E quando acordo, sinto-me no fundo de uma planície
de areia, sobre mim, hélices várias em movimentos vãos, como as
páginas do livro de Pasternak que ainda eu vivo, lia vagarosamente,
tão vagarosamente... que me esquecia de adormecer, que me esquecia
que tinha terminado o dia, começado a noite,
E
Imaginava-a sentada a uma secretária, e conforme eu
ia falando, ela silenciosamente teclava os silêncios do meus lábios,
e percebi que tinha morrido,
Precisa-se de menina com o curso de dactilografia,
experiência em teclados HCESAR, AZERTY e QWERTY, excelente
apresentação, e terá como função desenterrar manuscritos de três
velhas caixas de cartão onde jazem cerca de mil (textos e poemas),
horário compatível com o vencimento, entrada imediata, e por
motivos de GREVE os muros em betão do recreio da escola
O Fernando cismava que queria um par de botas da
tropa, e eu cismava que brevemente estaria novamente com as minhas
queridas ovelhas, nem uma coisa nem a outra, apenas me lembro de ter
aberto os braços..., e tombado livremente como uma andorinha depois
de fazer amor como o cacimbo,
E os muros em betão, estão lá, esperam-vos, como
eu espero que apareças vestida de branco em movimentos circulares
sobre o teu branco também cavalo, e apenas te peço, imploro, que me
deixes ficar a olhar-te, poiso os cotovelos sobre o portão de
entrada e imagino-te hoje a dactilografar este texto...
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha