foto: A&M ART and Photos
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Ouvíamos as poucas migalhas que a insónia deixava
em nós como acontecia com os candeeiros em alumínio debaixo da
nossa janela da casa de banho, durante a noite um corredio de
chinelos entre o corredor e o Hall de entrada, que muitas das vezes,
a porta ficava num estado de medo, assustava-se o corrimão de acesso
ao nosso andar, e nunca percebemos a razão de tanta desgraça, e se
havia fome entre as caixilharias, nunca o percebemos,
Os cobertores e os espelhos da velha escada de
madeira, dormiam já, eu e ela, de mão dada, tropeçávamos nas
sombras que do penumbro silêncio vindo da clarabóia ia aos poucos
desenhando círculos de luz no gesso em pequenas frestas que nos
conduziriam até ao terceiro andar, embriagados, nós, cambaleávamos
como trapezistas sobre um arame que atravessava a rua não muito
larga, em frente à casa onde tínhamos um quarto alugado, havia uma
igreja, ante de introduzir a chave na ranhura da fechadura,
benzia-me, e perdia a Deus que me acompanhasse na derradeira viagem
sobre a noite até a um quarto com uma velha cama estreita e sem
janela, e um vidro sobre uma chaminé invertida, mostrava-me o céu
quando rompia a manhã,
Éramos crianças com bibe no recreio da escola,
quando chegava a casa, acompanhava-me a comichão do bichos do velho
pinheiro, e do outro lado da rua, mesmo em frente à escola, tínhamos
o mar, o cais ficava a uns quinhentos metros, e eu, em vez de olhar a
professora com as explicações de geometria, preferia contemplar a
felicidade dos barcos, apreciava-lhes a liberdade, e sobre o oceano,
ninguém, ninguém lhes interrompia os grandes voos de gaivota de
motor a diesel,
Subíamos encostados aos cordéis das esplanadas da
calçada inclinada, ombro com ombro, eu amparava-te, e tu, imaginavas
segurar-me a mão como dálias do mesmo canteiro olhando o sol, em
pedaços de milímetro desperdiçados nos paralelos solitários,
pegava-te e erguia-te, e já dentro do pequeno cubículo, despia-te,
e ficava assim..., como quem observa uma tela acabada de pintar,
olhava-te, e no teu corpo, escrevia poesia com o meu olhar, e com as
minhas mãos, desenhava-te o mar, sentia-te respirar e sabia que
estavas viva, dormias, sonhavas com carcaças de velhos petroleiros
deambulando durante a noite corredor fora, debaixo de nós ouvíamos
o bater de asas dos barcos em pequenos voos rasantes, éramos novos
ainda
Tínhamos um bibe com pintinhas,
Brincávamos no recreio, ouvíamos as poucas
migalhas que a insónia deixava em nós como acontecia com os
candeeiros em alumínio debaixo da nossa janela da casa de banho,
durante a noite um corredio de chinelos entre o corredor e o Hall de
entrada, que muitas das vezes, a porta ficava num estado de medo,
assustava-se o corrimão de acesso ao nosso andar, e nunca percebemos
a razão de tanta desgraça, e se havia fome entre as caixilharias,
nunca o percebemos, como hoje, não percebo o teu nome murmurado
enquanto dormes, e apenas sei que o teu cabelo ocupa a minha
almofada, alimenta-se dela, vive nela, como viviam as palavras
engasgadas da tua garganta recheada com melódicas canções e poemas
por declamar,
Estávamos no recreio, sentia a tua voz, éramos do
tempo do Bar um (em Vila Real) e os dois, de bibe, ficávamos até
que toda a gente se evaporasse, até que tu e eu ficávamos frente a
frente, mergulhados em vapores de iodo, como velhos sonhos em velhas
camas, elas, rangiam, e percebíamos que dos orgasmos delas, uma
apenas almofada, guardava o perfume do teu cabelo,
A professora chamava-nos, saíamos do Bar Um e
voltávamos às lições de geometria, e um dia, aprendemos que o teu
corpo era como os poemas de AL Berto; quantas mais vezes os líamos,
mais apetecido ele era, é, e hoje, nós, sem os bibes, limitamos-nos
a
Olá, estás bom?
Olá, como estás!
Vou, vou andando...
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha