domingo, 2 de março de 2014

Prisão minha janela

foto de: A&M ART and Photos

Deixei de ouvir os pássaros que poisavam na prisão minha janela,
as conversas entre nós, cessaram, voaram como pedaços de papel, cansados,
tristes,
malignos beijos na boca da ausência,
a rua que eu observava quando acordava, não está lá, desapareceu como desapareceram os lábios da madrugada,
evaporaram-se nas mãos dos peixes voadores,
deixei de ouvir a tua voz, os pássaros que poisavam na prisão minha janela,
sós,
como círculos de vaidade descendo a calçada,
saltando sombras, saltando muros invisíveis com sabor a amêndoa desleixada, desamada,
e assim escrevo no teu corpo imaginário, poemas, palavras desencaixadas dos pilares de algodão...
deixei... de ouvir... que poisavam na prisão minha janela,

(a solidão emagrece, torna-se um polvo deslumbrante, alegre, amado,
a paixão, tal como a solidão, emagrece, desce... e morre como morrem todas as lâmpadas de desejo,
a solidão, a solidão aparece,
desaparece,
e tal como a paixão,
e tal como o amor...
padece,
esquece que o no meu corpo habita a dor...).


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 2 de Março de 2014

Asas pinceladas

foto de: A&M ART and Photos

Há asas pinceladas nos teus verdes olhos de andorinha,
uma colmeia de palavras emerge da solidão nocturna,
há de ti as marés envergonhadas, tristes, marés... marés dos telhados de vidro,
sinto-te cambaleando sobre as nuvens cinzentas das janelas amarelas,
o jardim deixou de sorrir,
e partiu em direcção ao mar,
o amor de ti em mim... sem mim, uma coisa estranha, amarga, diluindo as ditas palavras castanhas,
há asas pinceladas,
há asas a arder sobre os teus ombros de melancolia,
e sei que no fundo do mar, vives, dormes... e passeias-te nua como ventos de nortada,
acendo a luz da paixão, e ao meu lado apenas uma imagens de néon...
gemendo sílabas e bebendo carícias de madrugada.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 2 de Março de 2014

Cais das laranjeiras

foto de: A&M ART and Photos

Perdi o teu olhar na penumbra seara de trigo,
tínhamos descoberto o silêncios dos rios que dormiam nas nossas veias,
perdi o teu olhar das palavras por escrever,
e sentia em ti o desejo de partires,
à janela apareciam as imagens que tínhamos deixado do outro lado do muro,
havia um fino sorriso de melancolia e as tuas mãos tremiam como tremia a tua voz de centeio,
perdi o teu olhar,
e da penumbra seara de trigo apenas sobejaram as flores envenenadas dos beijos adormecidos,
Descemos a montanha,
dormíamos nas almofadas clarabóias das rochas graníticas,
líamos as estrelas junto ao cais das laranjeiras, e... e sentíamos o florescer da manhã com rosas,
sobre nós um papagaio de papel lançava pequenos grãos de areia e alguns favos de mel...
as abelhas descoloridas morriam,
como nós, hoje,
cadáveres de gesso suspensos nas amoreiras,
e havia sempre uma criança em ti que me fazia sonhar...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 2 de Março de 2014

sábado, 1 de março de 2014

Madame Silêncio

foto de: A&M ART and Photos

Da noite percebia-se o olhar felino de Madame Silêncio, havia um cortinado de fumo que nos separava, ela, ela escondia-se sob o perfume camuflado das areias em flor, havia em nós pergaminhos por descrever, palavras inaudíveis que preferíamos não pronunciar, medos, desejos prometidos e não realizados, sonhos desfeitos, como as folhas que o Outono assassina, da noite a noite, só, sem mais nada, do rádio sentia-se a voz trémula de um poema por escrever, alimentado por desenhos insignificantes, tristes talvez, e sabíamos que tudo não passava de uma noite inventada pelos olhos de uma abelha,
Não entendo o sisudo espelho do nosso quarto, dizia-me quando nos preparávamos para dormir, o corpo dela deixou de fazer sentido, inexistente, apenas uma imagem esquecida num edifício caduco, e quase que do outro lado da rua conseguíamos as âncoras do destino, via-se nos seus seios o peso desmesurado da solidão, e às vezes, eu, fingia dormir, e não dormia, e não sabia o significado de dormir, de sonhar, e eu, eu não sabia porque choram os pássaros em Carvalhais, porque me sentava nas margens do Tejo a imaginar palavras no sombreado da preia-mar,
Da noite em ti,
Eu só, ao teu lado, eu só, sem ti, porque o teu corpo era uma réstia de luz que quando abria a janela..., ele desaparecia, o fumo separava-nos, e éramos todas as noites invadidos por sussurros gritos da vizinha do segundo esquerdo,
Os nossos vizinhos constantemente a fazer amor, dizia-me, eu calado, eu
Silêncio,
E sabíamos que tudo não passava de uma noite inventada pelos olhos de uma abelha, e que essa abelha nunca, nunca nos pertenceu, algures tínhamos deixado as mãos no rosto de um gladíolo, havia cheiros, barcos em movimento, corpos transversos, e que nunca percebemos a razão de existirem,
Silêncio,
Eu calado, eu uma rocha ancorada ao púbis dos inanimados marinheiros quando saíam dos bares de Alcântara, os pedacinhos de sono estampados no paralelo agoniado, a cerveja e a vodka davam para alimentar meia dúzia de veleiros, sofríamos a angustia das varandas como fotografias a preto-e-branco, e em nós o sexo penetrava-nos como se fossemos mercadores ambulantes, beijava-se, e amavam-se, e
Madame Silêncio, ela embrulhada num esqueleto esquizofrénico, e havia um cortinado de fumo que nos separava, ela, ela escondia-se sob o perfume camuflado das areias em flor, havia em nós pergaminhos por descrever, palavras inaudíveis que preferíamos não pronunciar, medos, desejos prometidos e não realizados, sonhos desfeitos, como as folhas que o Outono assassina,
Desejosa de
Partir?
E partiu sem deixar um sorriso,
E desejosa, ela, que todas as folhas que o Outono assassina deixassem de ser folhas assassinadas, livres, como dever ser o mar e a paixão.


(não revisto – ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 1 de Março de 2014

Páginas de tristeza

foto de: A&M ART and Photos

São páginas de tristeza,
folheio os teus dedos no meu corpo ausente da madrugada sem janela,
existo, talvez... porque sinto o perfume da tua dor,
são lágrimas de papel que me fazem feliz,
e durmo pensando que estou debaixo de uma nuvem de porcelana,
velhos cacos, alguns grãos de solidão...
são páginas tuas presas à minha mão,
um livro que morre,
o escritor entranha-se no esqueleto vadio do poeta,
e este, este acredita nas infinitas flores dos jardins do nada,
uma montanha de silêncio corre em direcção à cidade do Adeus,
a ponte que me transportava para a outra margem, a casa da insónia,

(deixou de viver, morreu, caiu... simplesmente ruiu como pedaços de saliva na boca do Amor)

Onde está neste momento a casa da insónia?
nos teus olhos... acredito,
nos teus doces lábios de cereja envergonhada?
ou... nunca existiu uma casa da insónia?

São páginas de tristeza,
corações despedaçados como pedras atiradas por uma criança para o rio da morte,
dos lençóis teus, o meu peito pintado com holofotes de néon que a cidade do Adeus engoliu,
comeu,
alimenta-se de mim como sempre se alimentaram as árvores e os pássaros e os telhados de zinco,
sinto-me um analfabeto folheando pedras de xisto,
socalcos descem o meu corpo e sei que há um cais onde fundear o meu sorriso,
deixei de sorrir?
porque o faço se a vida é um circo com palhaços, carroceis e roulotes de cartolina...
sem pernas, sem braços... como os velhos guindastes do porto de Luanda,
folheio-te sabendo que pouco mais há que folhear,
e mesmo assim, são páginas de tristeza, as tuas...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 1 de Março de 2014

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Meninas de trapos

foto de: A&M ART and Photos

Perdidamente só dentro das quatro colunas imaginárias de granito envergonhado,
habito no medo pelo medo, de... medo do medo, com medo, não sabendo que sou um transeunte desgovernado,
vivo e desabito a vida de ser sem o ser,
não percebo porque voam os corpos com asas de papel saudade,
inventando Oceanos de algodão nos lábios das meninas de trapos,
bonecas com sabor a infância e que trazem nos olhos a esperança...
esperança de... não terem esperança porque a esperança deixou de fumegar na lareira do desejo,
morreu o Amor e morreram todos os poemas de Amor,
morreram os homem da caneta de tinta permanente,
tenho uma na minha mão (de José António Tenente),
cansado de mim e das tuas palavras com sabor a argila negra,
permanente só, só... só dento do meu eu...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 28 de Fevereiro de 2014

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

As tuas mãos gélidas

Foto de: A&M ART and Photos

(aos meus pais que fazem hoje 49 anos de casados)


As tuas mãos gélidas nas minhas pálpebras de insónia,
oiço-te sorrir junto ao tanque da agonia,
ao longe os gemidos trémulos do sino da Igreja...
percebo que nos teus olhos habitam lágrimas de papel colorido,
e sobre os teus ombros,
o peso,
o peso imensurável das sombras do abismo,
o peso... o peso da saudade saboreando as nuvens de algodão da madrugada,

As tuas mãos são como pedaços de barro esquecido na parede da solidão,
há em ti cabelos perdidos e alguns silêncios intransponíveis, ocultos... mórbidos,
há dentro de ti o cansaço,
o triste cansaço da vida,
e das tuas mãos as doces carícias do amanhecer,
há uma janela com palavras de acordar...
e palavras de acordar nos cortinados que cobrem as tuas mãos gélidas,
as tuas mãos de mim, as tuas mãos de uma sanzala enrolada em capim...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 27 de Fevereiro de 2014