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sábado, 25 de junho de 2022

Sono transverso

 

Não tínhamos dentro de nós

O sono transverso do silêncio,

Não tínhamos o pão,

Não tínhamos as palavras que hoje semeio…

Não tínhamos nada,

Não tínhamos medo.

 

Não tínhamos as lágrimas que hoje crescem

Sob a sombra infinita da solidão,

Não tínhamos as nuvens,

Não tínhamos este rio que nos abraça,

Que nos beija,

Não tínhamos estes velhos

 

E cansados socalcos.

Não tínhamos o desejo

Que habita nesta insignificante pedra,

Não tínhamos o vento

Que nos embala…

Não tínhamos uma espingarda

 

Que disparasse o prometido pão.

Não tínhamos a fome,

Não tínhamos a lareira que o corpo consome,

Não tínhamos nada…

Não tínhamos tempo

Que hoje nos enforca,

 

Que hoje nos levanta

Deste chão envenenado.

Não tínhamos o poema,

Não tínhamos os livros que hoje temos…

Não tínhamos a espingarda,

Não tínhamos o texto embriagado

 

Pelo cansaço da manhã.

Não tínhamos as lágrimas,

Não tínhamos o silêncio

Das eiras em construção;

Não tínhamos nada,

Nada que hoje temos.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 25/06/2022

domingo, 19 de junho de 2022

Das pequenas árvores do sono

 

Assim que acordávamos, ouvíamos o sono que regressava da tempestade deixada ao abandono durante a noite; o cabelo tinha-se-lhe esvoaçado, como as árvores quando se despem para dormir.

O sono levava-a e trazia-lhe o desconsolo de viver acorrentada a uma sombra que alguém tinha trazido da longínqua Angola, na algibeira do avental, algumas palavras despregadas do uivo dos mabecos envenenados pelos sonhos de uma madrugada recheada de pequeníssimos papeis onde habitavam frases de revolta e agonia.

Ouviam-se os pássaros nas ardósias manhãs de Verão, junto ao mar, ou mais longe do que isso, os barcos de cartolina regressavam de mais uma viagem ao infinito; as equações do sono também, por vezes, se faziam acompanhar pela solidão do capim onde se escondiam algumas gaivotas que procuravam as cinzas da tarde. Sabia que um dia, também o seu próprio cabelo, seria a madrugada travestida de sono, que muito mais tarde, se suicidaria junto à baía. Tínhamos medo da noite. Tínhamos medo do sofrimento que depois da tarde se despedia do silêncio que a cada segundo que passava, que a cada minuto de sofrimento, aparecia à janela do cansaço.

Sabíamos que os cabelos eram apenas pequenas sombras que todos os dias iam ao rio em busca da primeira lágrima da manhã. Um dia, junto ao mar, cresceu uma pequeníssima lâmina de sangue, uma ferida que ainda hoje sangra, que ainda hoje dorme numa cadeira que ainda hoje inventa sorrisos no espelho da sanzala.

Assim que acordávamos, ouvíamos o sono que regressava da tempestade deixada ao abandono durante a noite, todos os barcos tinham no olhar um enorme sofrimento que aos poucos dava à costa e contra os rochedos se transformavam em tiras de sono. O corpo começava a desfalecer. O corpo começava em putrefacção e o intenso cheiro a gladíolos era tal que quase adivinhava-se o silêncio que hoje pertence aos grandes petroleiros da cidade.

A cidade envelhecia. O corpo, sangrando como uma velha fonte da aldeia, tinha nas mãos as cinzas dos ossos desfigurados pelos comestíveis cogumelos que só os poemas conseguiam construir no profundo mar das marés em delírio; o corpo sangrava porque existia sobre a pele a fragância laminada de uma tempestade perfeita, depois, eram as cadeiras da cozinha em pequenos gritos que apenas eram sentidos pelos velhos azulejos que numa qualquer sexta-feira alguém deixou ficar debaixo da árvore junto à porta.

Do cabelo, alguns silêncios despertavam. A tinta que às vezes escorria no seu rosto era o principal motivo de se esconder no quarto e desligar o interruptor do sonho que trazia junto ao peito. Todos os brancos cabelos que ela tinha um dia tinha prometido ao criador, hoje eram apenas vestígios de lágrimas e silêncios.

Sabia-se que a morte tinha descido à velha cidade.

Os cabelos brancos tinham, finalmente, encontrado a liberdade.

E do cabelo, alguns silêncios despertavam…

 

 

Alijó, 19/06/2022

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

A casa


Sabes, meu amor,

Esta casa tornou-se gélida, inabitável, e deixei de ouvir vozes.

Esta casa parece o abismo,

Antes de nascer o sol.

Ontem habita nesta casa o Sol,

Hoje,

Habitam sombras, pedras e rosas envenenadas.

Esta casa, meu amor,

Mais parece um esqueleto sentado na penumbra…

Não abro as janelas.

Não.

Não quero ver a luz.

Sabes, meu amor,

Esta casa parece o inferno.

E eu que não sei o que é o inferno;

Se existe, não existe…

Ou é apenas um mito.

Esta casa perdeu a alegria.

Esta casa não é uma casa normal.

(também não sei o significado de casa normal)

Nesta casa deixe propositadamente morrer as plantas.

Estão de castigo.

Como os pássaros do meu jardim…

Nem esses me vêm visitar.

Voaram para outro jardim.

Assim,

Meu amor,

Esta casa parece um auspício em cima de uma montanha de lágrimas.

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

17/10/2019

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

O poema da saudade


Sou um assassino de palavras.

Quando tenho saudades tuas, olho-me no espelho da noite,

Invento traços no meu rosto,

E as lágrimas do silêncio poisam nos meus lábios.

À noite, sinto a tua presença no meu peito.

Uma fechadura poeirenta alimenta-se do meu cansaço,

Como o rio que corre para o mar,

Sem nunca se cansar.

Mas eu, canso-me da tua ausência.

Estranho.

As rosas do nosso jardim adormeceram depois de partires…

E, e até as bananeiras estão tristes,

Estranhas,

Que quase nem me falam.

O poema da saudade cresce na minha mão,

Como um cancro no peito da madrugada.

Cerrei todas as janelas do meu pensamento,

Não penso,

Deixei de pensar; apenas penso em ti.

Mas começo a perceber que não me ouves.

Mas começo a perceber que a vida é construída de momentos,

Bons, os nossos,

Lindos,

Como o teu sorriso,

Como o teu olhar a pedir-me que te ajudasse…

Mas sabes que eu,

Eu nada podia fazer; apenas recordar-te…

Apenas e nada mais do que isso.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

10/10/2019

domingo, 21 de janeiro de 2018

Jangada de nylon


Os poemas morrem na tristeza do teu olhar.

Como sofre o dia nos teus ombros,

Enquanto lá fora, ainda noite, uma jangada de nylon gagueja em frente ao mar,

As lágrimas no teu rosto,

O silêncio das tuas mãos quando afagam o meu rosto…

Distante maré no meu corpo abalroado nas insignificantes janelas de vidro,

Os tentáculos de seda, todas as coisas impossíveis, nas tuas mãos,

Quando regressa a madrugada.

Choras.

Escreves nos meus braços as palavras invisíveis da tempestade,

Os barcos ancorados aos teus dedos…

E sofres.

E morres de mim.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21 de Janeiro de 2018

domingo, 22 de outubro de 2017

Os livros sobre a mesa


Nas cinzas do meu corpo

Habitam as palavras do fogo sombrio do sofrimento,

A dor semeia-se na terra cansada da minha mão,

Quando o luar adormece, quando uma flecha sangrenta se espeta no meu coração,

Domingo à noite,

Música fúnebre para me alimentar,

Palavras que voam em direcção ao mar…

E te levam, e te levam para o Oceano da tristeza,

E fica a beleza,

Os livros sobre a mesa…

Escrevo-te,

Imploro-te…

Que fiques, aqui, comigo…

À lareira.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 22 de Outubro de 2017

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Tela invisível


Penso em ti,

Pareces um desenho cansado numa tela invisível,

Sofres em silêncio para eu não perceber,

Finges que o mar habita o nosso quintal,

E que está tudo bem…

Claro que não está tudo bem…

O trânsito é infernal dentro dos nossos corações,

As ruas são estreitas, pequeníssimas…

Como as ruas de brincar dos brinquedos das crianças,

Choras,

Choras na escuridão para que eu não perceba…

Mas sabes que eu dou conta de tudo,

Conheço o teu cabelo quebradiço,

Conheço o teu rosto de granito e xisto…

Em direcção ao rio,

Penso em ti…

E não sei o que será de mim sem a tua presença…

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19 de Setembro de 2017

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Lágrimas tuas palavras minhas


Todas as minhas palavras são lágrimas tuas,

Nuas cancelas sobrevoando o Oceano,

Os barcos cansados e a remo…

Prisioneiros no teu cabelo ao vento,

Sofro, sofro e alimento

Estes carris do pensamento,

Todas as minhas palavras são lágrimas tuas,

Duas pontes absorvendo o rio da dor,

Uma pequena flor,

Um grande amor…

 

Nas janelas doiradas do sofrimento.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 14 de Julho de 2017

terça-feira, 4 de julho de 2017

Cidade sonâmbula


Atravesso a cidade amedrontada,

Finjo não existir nas ruas sem saída,

A morte tem o seu encanto,

A partida… o não regressar nunca mais,

Atravesso a cidade sonâmbula que há em mim,

Deito-me no rio…

 

Sofro,

Choro,

 

E dizes-me que amanhã serei apenas poeira envenenada pela saudade,

 

A viagem às catacumbas do sono,

Invento desenhos no teu corpo,

Viajo incessantemente na sombra dos aciprestes…

E toco com a mão a fresca água da tua nascente,

 

Sofro,

Choro…

 

Enquanto houver luar.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 4 de Julho de 2017

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Uma alma aborrecida


As máquinas infernais do sofrimento não cessam de chorar,

Escavam o corpo até que a madrugada surja no horizonte,

 

Os ruídos sinusoidais da pequena vergonha de viver

Adormecem como cães raivosos deitados ao luar,

Chamo por ti, meu querido mar…

E sinto na arte de escrever

O sinfónico e desgraçado monte,

 

Sou uma alma aborrecida.

 

Sou uma alma faminta.

 

Os pássaros quando brincam na minha janela

E lá longe acordam as planícies de cartão

Dos dias desesperados à luz da vela,

 

Sou uma alma sem coração.

 

As máquinas infernais do sofrimento não cessam de chorar,

Escavam o corpo até que a madrugada surja no horizonte,

Uma criança não se cansa de brincar…

Entre risos e papeis na casa do rinoceronte,

 

Sou uma alma faminta…

 

Sou uma alma aborrecida…

 

Sou.

 

Sou

Uma alma

Sou uma alma sem tinta.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 14 de Junho de 2017

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Nos desejos de uma calçada



Os desejos da morte quando acordava
A visibilidade da madrugada,
Os silêncios da sorte, os medos da alvorada
Nos espelhos cansados da manhã sonhada,
E ele chorava,
E ele não sabia
Que um dia,
Cessavam as lágrimas sobre a calçada.


Francisco Luís Fontinha
15/12/16

terça-feira, 10 de maio de 2016

Chorar nas mãos a amargura de viver


Não tenho fome,

Mas comia todas as palavras

Se a noite me deixasse…

Este terraço sem nome

Que as estrelas absorvem,

E levitam como se fosse um pássaro desnorteado,

Confuso, não, não tenho fome,

Nem me ausento do teu amar.

 

Não tenho fome nem sinto o madrugar,

Tenho sobre os ombros o silêncio deste telhado

Com vista para o mar,

Tenho no olhar o sangue de chorar,

Nas mãos a amargura de viver…

Não, não tenho fome,

Nem vaidade

Ou vontade de escrever.

 

 

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 10 de Maio de 2016

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Parecíamos dois pontos de luz em direcção à morte sem passaporte



Entranhei as mãos no teu corpo de porcelana
Parecíamos dois pontos de luz em direcção à morte
Sem passaporte
Clandestinos destinos
Das madrugadas infelizes
Tínhamos no sorriso todas as fotografias da infância
Ai… ai meu amor
A tua partida
O abismo das tardes sem ouvir a tua voz
Que a janela da biblioteca absorvia
As coisas parvas que recordávamos
Sítios
Costumes
E palavras não ditas
Suspirava quando te via
Estranhava a palpitação do meu coração
Uma máquina absorta
Nas montras da velha cidade
Os apitos dos teus seios
Chamando-me para o desembarque
Os marinheiros aflitos
Embriagados
Sonolentos
Quando nos teus lábios acordavam beijos
E lamentos
Entranhei as mãos
Na caneta de tinta permanente
Escrevi no teu corpo todos os poemas da noite
(sempre te amei na noite)
Escrevia no teu corpo como se brincasse nas planícies do sofrimento
Deixei de estar presente no teu ventre
Desenhei pássaros na tua face rosada
E bebíamos como se o amanhã não existisse mais
Amava-te
Como amo as sombras desta casa
A lareira embriagada nos trilhos das montanhas da paixão
Novamente o abismo da escrita
O sexo suspenso na clarabóia do luar
Os gemidos invisíveis das noites com geada
Os términos suspiros das alvoradas
Amava-te
E tinha medo do teu cabelo
Como ainda hoje tenho medo do teu cabelo
Veio o sonho
Trouxe a morte
E acordaram todos os vampiros da madrugada
As motorizadas dos caquécticos transeuntes
Contra o medo dos dias
Tinha-me esquecido de acordar
Tinha no quarto uma fenda no espelho
Eu parecia um monstro
Uma ribeira em direcção ao púbis do Rio
Depois acordava o mar
Depois acordava o amor
A paixão
E a desilusão de não te amar
Os lençóis quase em brasa
O suor acorrentado à tua pele de cereja
Ai… ai meu amor
Que inveja
Que saudade
São dóceis as brincadeiras do teu olhar
São dóceis os sofridos orgasmos das tuas lágrimas
E tão longe
O mar
E tão longe
O mar de papel que habita nas tuas coxas…

Francisco Luís Fontinha – Alijó
quarta-feira, 9 de Dezembro de 2015