Mostrar mensagens com a etiqueta infância. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta infância. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

As flores da minha infância

 Vou ensinar-te como brincavam as flores da minha infância. Vou ensinar-te como amavam as flores da minha infância e os barcos da minha infância e o mar da minha infância.

Vou ensinar-te o que são machimbombos, o que é uma sanzala ou uma cubata, vou desenhar-te os cheiros da terra e do capim, depois da chuva. Vou ensinar-te como brincavam os barcos da minha infância, quando um pequeno em calções, de mão dada com o pai, olhava-os como se os barcos fossem árvores muito altas, em pedacinhos de silêncio, numa floresta junto ao mar.

Vou ensinar-te porque choravam as acácias da minha infância, e depois, abraçavam-me até que a noite caía sobre nós, e um beijo transportava-nos para a manhã do dia seguinte.

Vou ensinar-te como voavam as flores da minha infância depois de brincarem na minha mão, antes de poisar o sono em mim.

E vou dizer-te porque odeio o Natal…

 

 

 

 

 

Alijó, 01/12/2022

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Círculos com olhos verdes

 São tão lindas as estrelas que voam sobre o mar, e dos barcos, vêm até nós o sorriso em silêncio dos apitos uivos, quando estes se abraçam aos teus olhos, depois, desce sobre a colina a sombra das árvores que fogem da solidão dos rochedos envenenados pelos gritos de revolta das metástases das canções sem nome, e adormecíamos debaixo das mangueiras em flor, do portão de entrada, uma alma depenada dançava e trazia com ela as tuas mãos,

Somos invisíveis, ouvia-a…

Deitava-me de barriga para o ar e sonhava com os barcos que entravam portão adentro. Pela noite, eu e eles víamos as estrelas, hoje, pincelo os teus olhos na madrugada, como se a madrugada fosse uma flor em papel, do papel que sobejava dos papagaios que a dona Arminda construía para o filho, um puto em calções, rabugento e um autêntico tinhoso,

Doem-me as pernas!

(tinhoso)

As estrelas não são em papel e que os papagaios voaram tão longe que ainda hoje vagueiam pelo Universo, e amanhã e depois de amanhã, continuaram a voar, até que um dia, serão apenas pontos de luz, e nos teus olhos ficará apenas a sombra nocturna do desejo.

Invento-me enquanto lá fora uma lâmina de saudade corta em pequenos pedaços as recordações de quando os barcos entravam portão adentro, e quando regressava a noite, dávamos as mãos e víamos as estrelas,

São tão lindos os teus olhos,

Dói-me a barriga!

(grande tinhoso)

Como são lindas as flores em papel da madrugada, e não adianta procurar os barcos que que levavam a ver as estrelas, partiram para longe, tão longe como os papagaios, tão longe,

Desculpa, não sabia que,

Porquê?

Sei lá, apetecia-me ver o mar,

E parti para a ilha dos poemas.

(tinhoso)

Come a sopa, Luisinho?

O menino dá,

E não dava nada, pegava no par de asas que tinha desenhado junto à capoeira das galinhas, vestia as roupas do chapelhudo, e…

(tinhoso)

Quando dava conta, depois de percorrer meio jardim, depois de contornar a Maria da Fonte, sentava-me no Baleizão, pumba,

O menino não gosta de gelados,

(grande tinhoso, este miúdo)

E voava em pequenos círculos até que as pilhas faleciam de pasmaceira, e tinha de pedir ao meu pai para retirar o barco do pequeno tanque que um amigo dele me tinha oferecido, depois, lembrava-me que tinha deixado um avião pendurado numa das mangueiras por um fio de nylon que desenhava também como o barco, círculos com olhos verdes, e ainda hoje oiço o silencioso som dos pequenos motores, e ainda hoje sinto que os círculos com olhos verdes caminham por aí, em direcção ao infinito,

Acreditas no infinito, Luisinho?

Doem-me as pernas.

(tinhoso, tinhoso)

O chapelhudo, mãe?

Morreu, filho.

Morreu como morreram os papagaios?

Mão filho, os papagaios voam pelo Universo, os papagaios em papel nunca morrem.

Depois de olharmos as estrelas, levava os barcos até à cama, contava-lhes uma estória sobre um menino de calções que se encantou com o sorriso de uma estrela, aos poucos, eles, cerravam os olhinhos, até que adormeciam acreditando que os papagaios em papel ainda hoje voam pelo Universo,

O infinito, mãe!

(ranhoso)

Come a sopa,

O menino dá.

E claro, não dava nada. Escondia-a na boca em pequenos pedaços, e providos de alguns movimentos, como se fossem os trapezistas do circo que na noite anterior tinha observado, lançava-os contra a parede da cozinha onde jaziam alguns rabiscos feitos pelo dito tinhoso,

(doem-me as pernas)

Vês. Não fui e também não foste.

(só umas nalgadas nesse rabo)

Como assim, estrelas suspensas nos teus olhos?

Verdade.

Vi-as quando fui adormecer os barcos.

E das tardes a cortar e a coser farrapos para vestir o chapelhudo, o tinhoso do miúdo também metia pregos nas tomadas da electricidade, até que um dia o avô Domingos resolveu colocar todas as tomadas a um metro do chão,

Em Portugal,

Os fusíveis rebentavam,

E os papagaios ainda voam,

(tinhoso)

Como assim, estrelas suspensas nos teus olhos?

Verdade.

Depois de olharmos as estrelas, levava os barcos até à cama, contava-lhes uma estória sobre um menino de calções que se encantou com o sorriso de uma estrela…

(tinhoso)

 

 

Alijó, 13/10/2022

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Pequenas marés de mar

 O frio gélido do Inverno entranhava-se nos ossos famintos que tínhamos transportado de além-mar, as escadas, graníticas e autênticas, durante a noite, vestiam-se de uma fina película de gelo e pela manhã, quando queríamos sair do cubículo, dançávamos como se fossemos bailarinos duma qualquer companhia de bailado em digressão pela província.

Ele, chorava.

As janelas, com vista directa para o chafariz, embrulhavam-se no vento, os farrapos a que a minha mãe apelidava de cortinados, voavam e, em pequenos círculos, como se as tempestades percebessem de geometria, quase que desciam ao rés-do-chão e acabavam por se deitar no pavimento constipado em frente à farmácia; nunca entendi o que pensavam os cortinados, nunca entendi porque estavam tristes os cortinados do nosso cubículo, apenas sabia que as janelas tinham mais aberturas do que vidros.

Ela, chorava.

No final da tarde, sentado na velha varanda que ainda hoje existe e de boa saúde, contentava-me em contar o número de carros que rua acima, rua abaixo, passeavam em pequenas sombras e tirando a rouquidão de um ou de outro, o silêncio era absoluto.

Comecei a inventar sonhos.

Comecei a inventar sonhos e pequenas marés de mar.

Nós, chorávamos.

Mas eramos muito felizes… e foi nessa altura que comi o melhor peixe do rio assado no forno até hoje, na tasca junto á fonte da Gricha.

E se eu pudesse, voava…

Voava como voam os pássaros dos sonhos.

 

 

 

 

Alijó, 27/09/2022

Francisco Luís Fontinha

Estrelas tricolor

 Há um pedacinho de mar

Que a minha mãe pincelou no tecto da minha alcofa,

Depois, desenhou as estrelas tricolor,

E abraçado às estrelas, o infinito luar…

 

Há um mar de saudade

Que transporto nas mãos,

Há um mar de lágrimas

Que correm nas ruas desta cidade,

 

Há um mar de ninguém, um mar apátrida e sem coração

Que só existe no tecto da minha alcofa,

Um imenso mar onde habitam palavras…

Palavras e uma velha canção,

 

Um mar em chama ardente,

Um mar invisível…

Um mar que não vê,

Mas que tudo sente,

 

Há um pedacinho de mar,

O meu velho mar…

O mar da minha infância

Que estou sempre a recordar…

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 27/09/2022

terça-feira, 19 de julho de 2022

As gaivotas da minha infância

 

Um dia saberei onde habitam as gaivotas da minha infância. Um dia vou desenhar os cheiros e sombras da minha infância, depois, olharei o mar e lanço-me às marés da minha infância.

Um dia vou perceber porque voava a mulher vestida de negro e que de nuvem em nuvem, em danças vertiginosas, descia ao mar da minha infância, tal como eram as palavras da minha infância. Diziam-me que o silêncio, quando acordava, era mau presságio, e do outro lado do rio, ouviam-se as balas tristes que afoguentavam os homens da minha infância; então um laminado sonoro de batuques mergulhava no capim húmido da minha infância. Um alegre menino da minha infância chorava, o poema que habitava do outro lado da rua, esse, nem chorava nem ria nem brincava nem dizia nada. Porque quando nos silenciamos, aprendi hoje, os outros dizem tudo.

Um dia saberei porque escreviam as gaivotas da minha infância na húmida terra mergulhada nos cheiros da minha infância, porque hoje, o menino dos calções da minha infância é apenas um esqueleto que de triciclo na mão, escrevia círculos lunares na esplanada da minha infância. Vi o mar quando ainda dormia na barriga da minha infância e quando ouvia as gaivotas da minha infância, corria para os braços da minha infância.

Todos, incluindo o chapelhudo, ouvíamos o silêncio da minha infância, porque da baía avistávamos os barcos envenenados que o velho marinheiro, depois do almoço, levava a passear pelo Mussulo; não sabíamos que do mar, às vezes, vinham as crianças da minha infância de mão dada com as bonecas em trapos e em pedacinhos de riso, às vezes, muitas vezes, queriam fazer-nos querer que rir era proibido.

E ouvíamos uma voz que gritava; atira-lhes com poesia, porque os canalhas detestam poesia. Pudera.

Rir era proibido. E hoje procuro as gaivotas da minha infância, enquanto as sombras da minha infância, são equações complexas que na minha infância, em nada me serviam para fugir das gaivotas da minha infância.

O grito.

Porra.

Porra e Deus queira que amanhã chova como chovia na minha infância como gritavam na minha infância os tristes mabecos como dormiam os embondeiros da minha infância como o chapelhudo se erguia e transformava a minha infância em mar…

O mar que ficou lá.

E por cá, não gaivotas da minha infância. E por cá não espingardas da minha infância.

Um dia saberei onde habitam as gaivotas da minha infância onde jazem os ossos da minha infância como os barcos da minha infância no musseque da minha infância onde o zinco dormia depois das gaivotas da minha infância chorarem porque o mar da minha infância desertou como desertaram os corajosos da minha infância.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19/07/2022

sábado, 7 de agosto de 2021

Os livros da minha infância

 

Trazes nos lábios

O silêncio

Onde habitam os peixes da minha infância,

Das tuas mãos

Oiço

O baloiço

Dos meninos da minha infância,

E, desenho a saudade

Na sombra sonolenta

Das palavras

Da minha infância.

Capto o sorriso que de ti

Palmilha as montanhas da minha infância,

Porque ontem

Percebi

Que já brincavas nas sombras da minha infância.

Oiço-te quando do longínquo oceano

Regressam as flores da minha infância,

E, talvez seja a chuva

Que deixei na minha infância,

Te liberte das palavras minhas,

Quando escrevia na laranja

O poema da minha infância.

Sinto o teu corpo

Nas fotografias da minha infância,

Um esbranquiçado preto e branco no silêncio infinito,

Quando dentro da cidade,

A janela da minha infância…

Brincava na montanha.

Sinto os pássaros da minha infância

Desajeitados como a minha boca,

Escrevendo beijos

Beijos e coisa pouca.

E, o rio.

O rio da minha infância,

Descendo a sanzala,

Uma cubata aqui,

Palhota acolá,

Mas na minha infância

Já sabia que os teus lábios

Eram desejos,

Desejos

Todos beijos.

 

Trazes nos lábios

O silêncio

 

No olhar as minhas palavras,

 

Sinto-o

E, alimento-me de ti,

Sempre que nasce a madrugada.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó/07-08-2021

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Dos pássaros em cio às palavras envergonhadas

 

Do oiro imaginário às sete drageias do destino, sobe a montanha em direcção ao céu, senta-se à sua direita e, adormece. O vento arranca-lhe os rochedos aprisionados ao olhar magnético que a divina montanha desenho quando nasceu. A casa, dorme.

Sinto-lhe a mão suspensa numa imagem a preto e branco

Assim morreu depois do sono.

O mar entra-lhe pela janela da paixão, a imagem a preto e branco alicerça-se ao cansaço matinal, acordava sempre maldisposto, noites de insónia ventiladas pelo sexo das flores, cinco imagens dormem sobre o velho cabelo e, sempre que imaginava o mar

O mar dança na sua mão.

Dizem que o mar é um velho preguiçoso, mulherengo durante a noite, insatisfeito ao pôr-do-sol; tínhamos desenhado as estrelas sobra a areia fina do Mussulo, ela, dançava em cima da sombra cansada das palmeiras, e ele, vestido de marinheiro, fazia-se ao mar, todas as sextas-feiras, o barco voava nas montanhas pinceladas de carvão.

Tenho fome, mãe.

Come pão.

Quero uma sandes.

Só tenho pão.

O pai, zangado, oferecia-lhe sandes de pão com pão, dizem aqueles que experimentaram ser sem dúvida o melhor manjar da ilha dos amores.

A ilha tinha uma janela voltada para os lábios da solidão, quando acordava travestido nos calções de porcelana, dos braços saiam-lhe palavras que mais tarde, depois da caminhada improvável sobre a areia, deitava sobre os seios da madrugada; tirava fotografias aos barcos acabados de morrer.

Um dia, depois de sepultar a tarde numa jarra com água-benta, foi de encontro aos retractos deixados numa caixa em papelão, pelo pai, quando este fugiu para Ambriz, numa bela tarde de finados. Ontem tudo parecia uma folha em papel envenenada pelo desejo,

Comeu-as todas,

E, não só de desejo vivia ele, também acariciava as palavras embriagadas pelo mordomo, que de enxada não mão, fazia dirigir as cabras para o areal; todos os dias, o medo de que alguém estivesse abraçado à tristeza.

Os desenhos queriam sair das paredes velhas de um café em ruínas, lia o jornal, vaticinava sobre o fim da guerra e, quando se deitava, sempre à procura do medo de não acordar ao outro dia, dizia-se Ateu, apenas para enganar a solidão,

Hoje, não.

A cabeça pesada, os vómitos das curvas endiabradas e, sempre que questionava se faltava muito,

Dizia-lhe, estamos quase, estamos quase.

As laranjas sabiam a saudade, de todos os livros que tinha, um deles era sobre o mar

Abraça-a todas as noites.

Havia um louco que não sabia andar de bicicleta, transportava-se num velho triciclo que tinha pertencido a uma família de gaivotas, acabadas de partir devido à guerra, hoje

Nada sei de o doce olhar do amanhecer.

Hoje, sinto uma fina angústia de sono junto aos tornozelos, os cigarros são sombras inventadas pelo velho cozinheiro da aldeia e, em todas as ruas, uma estátua de luz dorme.

“O sexo entre duas pedras de gelo e uma doze de uísque”

- Do oiro imaginário às sete drageias do destino, sobe a montanha em direcção ao céu, senta-se à sua direita e, adormece. O vento arranca-lhe os rochedos aprisionados ao olhar magnético que a divina montanha desenho quando nasceu. A casa, dorme.

Sinto-lhe a mão suspensa numa imagem a preto e branco

Não sei, talvez,

E, sempre que pode, senta-se numa pedra junto ao mar.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó 06-08-2021

terça-feira, 27 de julho de 2021

A cidade das palavras

 

Onde estão os grãos de areia da minha infância, esqueço-me enquanto me olho no espelho da saudade,

Em criança, desenhava nas tardes límpidas e sonolentas, os barcos da minha infância, procurava pelas sombras da minha infância, sem perceber, que um dia, junto ao tejo, morreria engasgado com uma tigela de caldo.

Couves, coma muitas couves. Dizem que durante a noite conversam com o intestino e, fazem-se passear pelas avenidas desertas da cidade.

Nunca acreditei nas tuas palavras; disseste-me, algures numa cidade que já nem recordo o seu nome que

Um dia vamos regressar,

Um dia peguei num punhado de grãos de areia, lancei-os ao mar, estava feliz. Muito feliz.

Tinha galinhas e pombas. Enquanto desenhava no sorriso das galinhas os socalcos que um dia me ia apaixonar, escrevia nos lábios das pombas, gatafunhos, coisas que só eu percebia. Diziam-me que todos os barcos tinham no coração uma cancela e, apenas os meninos que comiam a sopa lá entravam; mentira. Nunca consegui lá entrar.

O meu pai, quando havia treinos de hóquei, levava-me aos Coqueiros, nunca entendi a razão de ter alguma simpatia por este desporto, pois paixão por desporto tenho nenhuma.

Havia pássaros em papel no meu quintal, todas as noites, silêncio de assobios telintavam no zinco do galinheiro, depois das chuvas torrenciais, um pedacinho de capim saltitava junto ao meu triciclo, nada de novo, como ontem, nas mãos de um soldado. Vi muito. Eram todos meninos como eu; tinham pai, mãe, irmãos, irmãs, filhos, filhas, mulher e, muitas cartas sem remetente. A guerra foi uma merda, pai. Uma merda.

Comecei a coleccionar palavras e desenhos nas paredes de nossa casa. Comecei a acreditar que cá, também habitavam mangueiras e, que uma Bedford amarela se passeava pelas ruas, mas o tempo foi passando, a Bedford, aos poucos, foi sucumbindo às tempestades de areia e, morreu numa noite de geada.

Hoje percebo porque passava horas intermináveis, no portão do quintal, à espera de uma Bedford amarela, era a saudade que se embrulhava no meu cabelo, o avô Domingos dizia-me logo logo ela estava ao virar da esquina, mas com o tempo, com as lágrima da alegre infância, deixou de aparecer na rua.

Dizem-me hoje que morreu de cansaço.

O Domingo de Janeiro estava escaldante, e já nessa altura, acreditava que existiam papagaios em papel, que mais tarde, muito mais tarde, a minha mãe construía para mim. Trapos. Farrapos que eu aproveitava para vestir um velho amigo e algo estúpido, um boneco que baptizei num dia de neblinas matinais e, junto ao porto de mar, um paquete olhava-me, parecia que me queria comer, mas, não

Nunca entrei no coração de um barco.

Hoje, aqui sentado, olhando esta belíssima Baia, recordo os calções vestidos de menino e, um menino vomitando línguas de gato, enquanto aos poucos, o avô Domingos deixava a cidade levando pelas mãos o velho machimbombo: gosto de ti.

Assim.

Como esta Lua que nos separa.

Pudera.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó – 27/07/2021

sábado, 24 de julho de 2021

O pássaro que não sabia voar

 

Das asas pigmentadas de silêncio, ouviam-se os uivos apitos que voavam sobre os socalcos pincelados de sombras e sonoras alegrias, que de vez em quando, ao longe, de um barco, às vezes assombrado, alicerçava a tristeza da partida,

Começa o dia na mão dele, de entre os dedos carrancudos, o cigarro avermelhava-se entre cinzas e lágrimas, chamavam-lhe; a saudade.

Partiu sem dizer adeus, nem um beijo, nenhum amigo presente na fala da sua sombra, quando se adivinhava que a morte é apenas uma viagem até ao infinito, de voos baixos, de ziguezague em ziguezague, de socalco a socalco, uma mísera nuvem de espuma brincava na sua mão,

Tinha medo,

Às vezes travestia-se de homem, outras, nem muitas, aparecia nas estantes amorfas dos livros de poesia,

O poema morrer e, ele nem sempre sabia o que significava a morte.

A morte é uma merda, dizia-lhe o pai pássaro, outro, o espantalho, costumava escrever nas rochas do Douro, sabes, meu filho, o cancro é uma merda,

A viagem, o vento levava-o pelas sanzalas da infância, num orgulho que só ele sabia descrever, sentava-se junto ao mar, puxava de um cigarro reutilizado do dia anterior e, em pequenos silêncios segredava ao pássaro alegria; sabes? Sou a criança mais feliz de Luanda.

Todos tínhamos nas mãos o cansaço das equações, das ínfimas matrizes que sobre o caderno adormeciam como crianças pintadas na tela da Mutamba,

Às vezes dá-me sono as palavras tuas,

Nunca soube voar.

Vestia uns calções, sentava-se nas sandálias de couro e, começava a correr até ao Mussulo, desagregado da saliva entre apitos e rumores; um dia vou regressar, um dia,

Nunca regressei.

Hoje, acordei abraçado à mangueira da minha infância, junto a mim, o triciclo da saudade e, mais além, as cartas que nunca tive coragem de te escrever, sabes, meu amor, as palavras parecem-me falsas alegrias, arrotos anónimos nas mãos do carrasco.

As espingardas vomitavam sílabas de azoto, o soldado-menino, escondia-se debaixo do embondeiro mais velho da planície, algures, outro menino-soldado, deslaço devido à preguiça, rebolava-se ribanceira abaixo, até que alguém lhe dizia; oh menino, a espingarda? E, ele, timidamente, respondia,

Fugiu, meu senhor, fugiu como uma bala em direcção ao nada.

Nunca soube voar. Aprendi as primeiras letras e números debaixo de um zincado telho telhado, talvez hoje, seja apenas uma igreja imaginária, apenas sombra, apenas nada.

O poema voava na sua mão. Entre os dedos, desenhava-lhe os seios colocando-lhes pequenas aspas, ou inúmeras saliências, ou apenas nada.

Nada tudo dentro de uma louca equação de areia. O barco recheado de fumo, levante e de um outro adeus; amanhã saberei o seu nome.

Amanhã, meu amor.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24/07/2021

sábado, 29 de agosto de 2020

O sorriso dos peixes

 

Quando era pequenino

Sonhava com o sorriso dos peixes.

Desenhava palavras de menino

Na mão tracejada pela escuridão dos pássaros,

E, um dia, das palavras de menino,

Ao amanhecer,

Vi os teus olhos semeados na areia;

Sabia que um dia, qualquer dia,

Sem perceber que tinha em mim, aos poucos, um jardim de papel,

Alicerçado à minha triste veia,

Acordaria o teu sorriso.

Demorou anos, eternidades,

Passei por tempestades,

Oceanos recheados de medo,

E, esse dia, um dia, talvez aquele dia…

Regressou à minha mão,

E, fiquei com os teus lábios de amêndoa.

Quando era pequenino

Sonhava com o sorriso dos peixes,

Alimentava-me de sombras,

Triciclos em madeira,

Menino traquina,

Trapezista em construção,

E, procurava, na sanzala da saudade,

Os olhos do teu coração;

Amanhã, depois de amanhã, o dia, a noite,

E todos os pássaros,

Dormirão na tua boca.

Poço infinito dos beijos prometidos,

Canções, palavras… sonhos perdidos,

Que só a manhã sabe construir.

Hoje, sou o dia,

Hoje, sou aquele menino,

Que na tua mão,

Escreve a palavra Amo-te;

Eis o sorriso dos peixes.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha, 29/08/2020

domingo, 13 de outubro de 2019

A árvore da saudade


Diz-me tu!

Onde habitam as árvores dos teus sonhos.

Diz-me tu!

As palavras que me escreves quando a madrugada acorda,

E do amanhecer,

Uma flor poisa no teu sorriso.

Diz-me tu!

Onde crescem as acácias da minha infância,

E agora,

Não as consigo visibilizar como quando acordava o dia.

Diz-me tu!

O que faço com estes livros,

Diz-me tu!

O que faço com todas estas palavras que deambulam pela escuridão desta casa,

Fria,

Só,

Só.

Diz-me tu!

Que sombras são estas que brincam nestes compartimentos envenenados pela saudade…

Diz-me,

Tu,

Diz-me toda a verdade!

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

13/10/2019

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

A pedra adormecida


Aqui estou eu;

Sentado sobre esta pedra adormecida pelo cacimbo.

Aqui estou eu pensando nas metástases nocturnas da infância,

Junto ao mar,

A revolução avança,

O soldado tomba na penumbra, morre.

Cada soldado tem um pai,

Cada soldado tem uma mãe,

Cada soldado tem mulher, filhos, irmãos…

E uma espingarda na mão,

Que dispara palavras.

Aqui estou eu;

Sentado no teu colo,

Afago-te o cabelo,

E mais logo,

Ao final da tarde,

Um pássaro de papel invade o teu olhar.

É isto o amor.

Amar,

Ser amado,

E escrever palavras no chão molhado.

Aqui estou eu;

Sentado numa pedra adormecida (pelo cacimbo).

Sei que respiro,

Sei que estou vivo,

Porque escrevo,

Beijo,

E não me sinto perdido.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

11/10/2019

domingo, 14 de abril de 2019

Recordações


Recordações,

Equações diferenciais em construção,

Pedaços de silêncio suspensos numa mão,

A mão que assassina, a mão que escreve,

E nunca esquece, as planícies da minha infância.

Recordações,

Pequenos livros em promoção,

Livraria UNI VERSO,

Sempre em verso,

Nas palavras corações,

Nas palavras a clemência…

O silêncio verso,

O silêncio amanhecer,

De escrever,

Morrer…

Sem perceber,

Os dias da semana.

A fome em pedaços, em prestações,

O papel amarrotado,

Coitado, do papel, amarrotado,

Como as plantas,

Envenenadas pela voz da razão.

Um coração palpita,

Grita…

Junto ao mar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

14/04/2019

sexta-feira, 12 de abril de 2019

O fogo da paixão


Sento-me no patamar e lanço pedras socalco abaixo,

Ao fundo, o rio, encurvado, entre rochas e rochedos,

Vinhas e vinhedos,

Como o paraíso da minha infância.

Deitava-me debaixo das mangueiras e sonhava com palavras,

Desenhava na terra o silêncio de um menino, apaixonado pela Lua…

Adormecia,

Dormia até que a tarde se levantava e fugia.

Como eu era feliz naquela altura.

Hoje, sou carrancudo, embrulhado na solidão,

Sou mendigo,

Triângulo,

Foguetão.

O mar vinha visitar-me todas as tardes,

Construía papagaios em papel colorido…

E em frente ao quintal, na rua deserta, corria,

Corria, até que o papagaio se elevava no Céu de Luanda e desaparecia,

Morria, pensava eu…

Com o cordel na mão.

Depois veio a paixão,

Apaixonei-me pelas palmeiras da Baía…

Por aviões e barcos,

Apaixonei-me pela saudade,

Que hoje bate em mim.

O fogo,

A água que adormece o fogo…

Na laranja da loucura.

Durmo, não durmo, durmo, não durmo…

Como o amor,

Encurralado no deserto, recheado de areia branca que só conheci no Mussulo,

E era feliz.

Hoje, hoje sou um fantasma, um mendigo à procura das palavras da infância…

Que nunca mais as encontrei,

Apenas fotografias,

Apenas, pai…

Fotografias.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

12/04/2019

quarta-feira, 10 de abril de 2019

O jardim


Suspensa nos teus lábios, a fotografia do amanhecer.

Chove no meu corpo,

Piso o deserto da saudade,

Enquanto a serpente do teu cabelo rasteja no meu olhar,

É noite, meu amor.

Suspensa nos teus lábios, a inocência da infância,

As correntes marítimas dos oceanos embriagados,

Vai,

Não regresses mais, tempestade oncológica das tardes perdidas…

Até que o vento te leve,

Para longe,

Em pequenas lâminas de aço,

Pobre.

Rico.

Sem-abrigo, é tudo o que eu sou…

Meia dúzia de ovos, um café e uma torrada,

Ao final da tarde.

Mendigo.

Perigo.

Suspensa, em ti, as palavras minhas,

Desajeitadas,

Sem nexo,

O beijo da serpente.

Abro a janela da paixão,

Finalmente há amanhecer,

Porque a tua fotografia,

Pertence aos teus lábios.

Estou alegre.

Apaixonado pelos socalcos da geada…

Mendigo.

Perigo.

Aventuras, telegramas sem remetente…

Nos braços,

O ausente,

Da morte,

Que há-de regressar ao teu peito.

 

A cidade, toda a cidade arde,

Nos teus seios,

O jardim dos gladíolos…

 

Sem nexo.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

10/04/2019