O frio gélido do Inverno entranhava-se nos ossos famintos que tínhamos transportado de além-mar, as escadas, graníticas e autênticas, durante a noite, vestiam-se de uma fina película de gelo e pela manhã, quando queríamos sair do cubículo, dançávamos como se fossemos bailarinos duma qualquer companhia de bailado em digressão pela província.
Ele, chorava.
As janelas, com vista
directa para o chafariz, embrulhavam-se no vento, os farrapos a que a minha mãe
apelidava de cortinados, voavam e, em pequenos círculos, como se as tempestades
percebessem de geometria, quase que desciam ao rés-do-chão e acabavam por se
deitar no pavimento constipado em frente à farmácia; nunca entendi o que
pensavam os cortinados, nunca entendi porque estavam tristes os cortinados do
nosso cubículo, apenas sabia que as janelas tinham mais aberturas do que
vidros.
Ela, chorava.
No final da tarde,
sentado na velha varanda que ainda hoje existe e de boa saúde, contentava-me em
contar o número de carros que rua acima, rua abaixo, passeavam em pequenas
sombras e tirando a rouquidão de um ou de outro, o silêncio era absoluto.
Comecei a inventar
sonhos.
Comecei a inventar sonhos
e pequenas marés de mar.
Nós, chorávamos.
Mas eramos muito felizes…
e foi nessa altura que comi o melhor peixe do rio assado no forno até hoje, na
tasca junto á fonte da Gricha.
E se eu pudesse, voava…
Voava como voam os
pássaros dos sonhos.
Alijó, 27/09/2022
Francisco Luís Fontinha
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