Um dia saberei onde
habitam as gaivotas da minha infância. Um dia vou desenhar os cheiros e sombras
da minha infância, depois, olharei o mar e lanço-me às marés da minha infância.
Um dia vou perceber
porque voava a mulher vestida de negro e que de nuvem em nuvem, em danças
vertiginosas, descia ao mar da minha infância, tal como eram as palavras da
minha infância. Diziam-me que o silêncio, quando acordava, era mau presságio, e
do outro lado do rio, ouviam-se as balas tristes que afoguentavam os homens da
minha infância; então um laminado sonoro de batuques mergulhava no capim húmido
da minha infância. Um alegre menino da minha infância chorava, o poema que
habitava do outro lado da rua, esse, nem chorava nem ria nem brincava nem dizia
nada. Porque quando nos silenciamos, aprendi hoje, os outros dizem tudo.
Um dia saberei porque
escreviam as gaivotas da minha infância na húmida terra mergulhada nos cheiros
da minha infância, porque hoje, o menino dos calções da minha infância é apenas
um esqueleto que de triciclo na mão, escrevia círculos lunares na esplanada da
minha infância. Vi o mar quando ainda dormia na barriga da minha infância e
quando ouvia as gaivotas da minha infância, corria para os braços da minha
infância.
Todos, incluindo o
chapelhudo, ouvíamos o silêncio da minha infância, porque da baía avistávamos os
barcos envenenados que o velho marinheiro, depois do almoço, levava a passear
pelo Mussulo; não sabíamos que do mar, às vezes, vinham as crianças da minha
infância de mão dada com as bonecas em trapos e em pedacinhos de riso, às
vezes, muitas vezes, queriam fazer-nos querer que rir era proibido.
E ouvíamos uma voz que
gritava; atira-lhes com poesia, porque os canalhas detestam poesia. Pudera.
Rir era proibido. E hoje
procuro as gaivotas da minha infância, enquanto as sombras da minha infância,
são equações complexas que na minha infância, em nada me serviam para fugir das
gaivotas da minha infância.
O grito.
Porra.
Porra e Deus queira que
amanhã chova como chovia na minha infância como gritavam na minha infância os
tristes mabecos como dormiam os embondeiros da minha infância como o chapelhudo
se erguia e transformava a minha infância em mar…
O mar que ficou lá.
E por cá, não gaivotas da
minha infância. E por cá não espingardas da minha infância.
Um dia saberei onde
habitam as gaivotas da minha infância onde jazem os ossos da minha infância como
os barcos da minha infância no musseque da minha infância onde o zinco dormia
depois das gaivotas da minha infância chorarem porque o mar da minha infância
desertou como desertaram os corajosos da minha infância.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 19/07/2022
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