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sábado, 27 de maio de 2023

Acordar

 

Acordava aos poucos o dia

Acordava

Docemente

Sem perceber que a madrugada tinha posto termino à vida

Da vida nocturna entre pedaços de lata

E fios finíssimos de geada

 

Acordava

E aos poucos

Na correria de sempre

Tomar banho

Pequeno-almoço

Correr

Correr

Logo

Logo

Começa a tarde

Despede-se a manhã do feiticeiro

E tudo recomeça

E tudo se repete

Todos os dias

A cada dia

 

Acordava aos poucos o dia

Sem saber ele

Que brevemente seria trocado pela noite

Feito prisioneiro na mão de alguém…

E posteriormente

Muito mais tarde

Condenado a cinco noites de sono

 

Acordava o dia

Todos os dias

O mesmo tédio

As mesmas fotografias

As flores são as de ontem

Os pássaros que ontem poisavam nas minhas árvores

Hoje

São os mesmos pássaros que ontem poisavam nas minhas árvores…

E ainda há quem pense ser superior

Quando cá cheguei

Tudo já cá estava

E quando eu partir

Tudo cá ficará

 

Acordava o dia

Aquele fatídico dia

E mais uma longa espera

Junto ao cais

Eu

O guardião das nuvens cinzentas

E dos tristes Sóis da noite anterior

Mais tarde

Talvez um outro ontem

Longínquo

Mais tarde recolhíamos todas as ossadas

Cada risco

Um osso

Dois ossos

No canto esquerdo do papel

Um silenciado sorriso

Quase

Quase

De tristeza

 

Acordava o dia

O dia envergonhado

Cansado do tédio

Cansado do mar

E dos barcos que se escondem no mar

Acordava o dia

Aquele fatídico dia…

Na ausência do corpo

Vendeu a alma ao merceeiro do quinto esquerdo…

E hoje é professor de Botânica.

 

 

 

Luís

27/05/2023

quinta-feira, 25 de maio de 2023

O inferno em dia

 

Queimarei, um dia, os meus poemas,

Queimarei, um dia, todos os meus desenhos

E todas as minhas fotografias.

Queimarei, um dia, este corpo que me transporta…

Deste corpo onde habitam as flores em papel

E números de porta,

Números de polícia,

Queimarei, um dia, todos estes livros…

E todos estes livros

E todos estes livros…

Estes livros,

As palavras que escrevo,

Os desenhos que faço…

O céu…

Se a minha vida foi um inferno,

 

Queimarei, um dia, o meu dia,

Acenderei, um dia, a minha noite,

Noite em dia,

Do dia sem noite…

Quando a noite

Rouba ao dia…

O dia da despedida.

 

Queimarei, um dia, as asas que me deram,

O fato espacial com que visto a noite,

Antes de acordar…

E foder o dia,

De dia…

Até um dia…

Até que um dia,

Terei …

O mar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

25/05/2023

sábado, 13 de maio de 2023

O dia de viver

 Nasce o dia,

E em todos os dias,

Há um dia,

Do outro dia,

Do dia que nasce…

Ao dia que morre,

Morre em poesia.

 

E em cada dia,

Um pequeno dia,

Um dia

Que se abraça a outro dia,

Que nascerá dia,

E que morrerá dia…

Do dia que foi dia.

 

E todos temos um dia,

Um novo dia…

Nasce o dia,

Morre o dia,

E quem diria…

Que em todos os dias,

Há um dia…

 

E do filho do dia,

Nasce um novo dia,

O seu dia,

O dia que abraça a noite,

Enquanto não há noite que mate o dia,

Porque um dia sem dia…

Não é dia.

 

 

 

Alijó, 13/05/2023

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Pedacinho de luar

 Há na tua mão

Um pequeno pedacinho de luar

Há no teu olhar

A manhã desenfreada e apressada

Das lágrimas à madrugada

Enquanto o silêncio se traveste de canção,

 

Há na tua mão

O alegre sorriso da alvorada

Deste relógio com fome

Há na tua mão

Um pequeno pedacinho de luar…

No luar sem nome,

 

Há na tua mão

A palavra que semeio nos teus seios em poesia

Quando o poema deixa de viver

E se cansa do dia

Há na tua mão

Um pequeno pedacinho de luar… no luar do meu escrever.

 

 

 

 

Bragança, 04/05/2023

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 24 de abril de 2023

Flor do teu cabelo

 Se o vento vier, se o vento me escutar,

Pedirei ao vento …

Tempo,

Pedirei ao vento os olhos da menina do mar.

 

Se o vento vier, e trouxer uma flor

Na eterna flor em teu cabelo amordaçado,

Deixo nos teus lábios um recado…

Dos teus lábios de amor.

 

Se o vento vier, se ele vier um dia,

Peço ao vento que faça do meu rio de esperança…

Um rio de poesia,

 

E que o vento me deixe viver,

Viver como uma criança,

Uma criança sem sofrer.

 

 

 

Alijó, 24/04/2023

Francisco Luís Fontinha

sábado, 22 de abril de 2023

Janela do teu olhar

 Olhas-me quando acordas,

Desenhas em mim o beijo,

Quando acordas,

Poisas a tua mão no meu rosto,

Quando acordas,

E recebo todas as palavras…

As palavras,

Das palavras,

Nas palavras,

Porque acordas.

Da janela do teu olhar,

Recebo a luz da manhã,

Depois de acordares,

Porque quando acordas…

Vêm a mim as flores do teu acordar.

Beijas o meu rosto,

Quando acordas.

Escrevo-te enquanto dormes,

Lês-me quando acordas,

Abres a janela do teu olhar,

Quando acordas,

E me olhas,

E me beijas,

Quando acordas,

Como se a vida fosse um livro,

Um livro com palavras de acordar,

Um livro…

O meu livro,

E quando acordas,

Deixo as minhas mãos no teu rosto.

 

 

 

Alijó, 22/04/2023

Francisco Luís Fontinha

domingo, 2 de abril de 2023

Girassóis, quiçá um dia

 Girassóis

Palavras que o vento escreve

Palavras que o vento lança

No peito de uma criança

Girassóis

Dos corpos celestes

Aos corpos circunflexos da insónia

Quiçá amanhã esteja sol

Quiçá amanhã seja Primavera

E enquanto procuro as tuas lágrimas

Quiçá

Amanhã seja segunda-feira

 

Girassóis comestíveis

Girassóis ensonados

Com espinafres

E ovos estrelados

 

Quiçá amanhã morra

De qualquer coisa

Senhor

Meu senhor

Quiçá

Quiçá depois da meia-noite

 

Que feliz quiçá

Enquanto dormem debaixo das pontes

Todos os sonhos

Quiçá

De uma meninice ausente

Antes de mim

Antes de tudo

Os girassóis

Que folheio como poemas

Quiçá sem destino

Esses poemas que ardem

Que vomitam silêncios

E dos girassóis

Quiçá

Amanhã

Amanhã ele morra

O poeta e a poesia

O poeta

Quiçá

Ao nascer do dia

 

 

 

Alijó, 02/04/2023

Francisco

Flor sem mim

 Desenhei no teu olhar

Uma flor sem idade,

Uma flor com medo de amar…

De amar… amar a saudade.

 

Desenhei nos teus lábios de amendoeira

A cidade antes de acordar,

Uma cidade que dorme na fogueira…

Na fogueira do mar.

 

Desenhei em ti uma lágrima de chorar,

Enquanto a manhã se despede de mim…

Uma flor sem rosto, uma flor cansada de amar…

 

Amar as manhãs em poesia,

Desenhei no teu olhar o meu jardim

E o silêncio do dia.

 

 

 

Alijó, 2/04/2023

Francisco

sábado, 14 de janeiro de 2023

O trezentos milhões

 Descobri agora que sou o espermatozóide número trezentos milhões, ao meu lado, já algo cansado, tinha o espermatozóide número duzentos milhões; e quase ao mesmo tempo, quando chegados ao óvulo, pimba.

Éramos dois à entrada, depois, passado algum tempo, e devido a uma qualquer avaria na linha de montagem (parece que o engenheiro responsável tinha saído e o operador da DEX34CD, máquina de grandiosa importância, tinha ido cagar às traseiras), ficamos apenas um.

Isto tudo para o autor demonstrar que dentro dele vivem dois gajos; o mesmo corpo, os mesmos lábios, o mesmo pénis e de feitios diferentes.

O meu pai, homem de muita sorte, porque tendo dois rapazes habitando ambos apenas um corpo, só teria de fazer uma única despesa. Só teria no futuro de comprar um par de calças em vez de dois, um par de sapatos em vez de dois e assim por diante…

Crescemos, um gostava do mar, o outro, pelo contrário, não gostava do mar. Um gostava do dia, quanto ao outro, odiava o dia e amava a noite, enquanto o outro que amava o dia, e de vez em quando, amava a noite, fugiu um dia do dia e abraçou-se também ele à noite.

Enquanto um fode o outro olha e enquanto o outro olha o outro fode.

E assim temos vivido e assim vamos morrer; um a foder o outro.

 

 

 

 

 

Alijó, 14/01/2023

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Deus do mar envenenado

 Se eu pudesse ser

Eu era

Barco ou caravela

Nuvem foguetão

Poeta sem escrever

Se pudesse

Eu ser

Que eu seria

Não sei bem o que queria ser

Mas nunca seria

Ser

Ser o que eu sentia.

 

Se eu pudesse

Meu Deus do mar envenenado

Eu queria ser

Ser árvore porta-aviões ou poeta desamado

Sendo não ser

Ser um esqueleto enforcado.

 

E se eu pudesse

Ser eu o vento

Aquele vento que levanta do chão

A pobre enxada

Do rico camponês…

E se eu ainda o quisesse

E pudesse ser

Ser sem saber

Que um pobre coração

Voa até à lua de ser

Porque não sendo o querer

Também não o serei querendo

Que ser

Ou não ser

Ser o poeta.

 

E sendo eu o vento

Ou uma pedra de adorno

Prefiro ser gente

Do que ser…

Do que ser (morno).

 

Se eu pudesse ser

Sabendo que depois o era

Sem perceber

Ou saber

Como se constroem as canções de Inverno,

 

E sendo hoje a lareira da noite

Onde já queimei os braços

Agora as pernas…

E mais logo o restante esqueleto

E à chegada do autocarro

O pobre viajante

Sem bagagem

Ou esperança de o ser

Porque não o sendo

E o querendo

O rio corre sempre para o mar

O mar que está a arder.

 

E depois vem a traineira

Do querer

E a do saber

Nunca sabendo

Sem o saber

Que querer

Se pudesse

Ser

Ou não ser…

Este vagabundo poeta do amanhecer.

 

 

 

 

 

 

Alijó, 21/12/2022

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

A equação de Deus

 Às vezes

Penso.

Sim

Penso.

Ao contrário do que muitos possam pensar

Pensarem que eu não penso

Pois enganem-se

Porque eu penso.

 

E olho as flores

E lá está

Estaciono o esqueleto e penso;

E o que penso eu

Pensando que penso

Pensar nas flores;

Bom

Será que todas as flores são belas?

Haverá flores menos belas?

E se eu não gostar de flores,

Serão para mim

Belas

As flores que não sei se são belas

Ou

Ou menos belas…

 

E se eu não gostar de chuva

E se a manhã está abraçada à chuva

Poderei dizer que não vou gostar do dia

Porque o dia tem a manhã

Porque o dia tem chuva

E eu

Que penso

Não gostar de chuva.

 

Odeio a chuva e seus derivados.

 

Voltando às flores

E à chuva

Acredito que a chuva está para as flores

Tal como

O cubo A está para o cubo B

Sendo o cubo A igual ao cubo B (dimensões)

E o cubo A está pintado de branco

E o cubo B está pintado de negro

E penso…

Porque eu penso

Às vezes

(E às vezes tenho de pedir autorização ao neurónio 1

Para dar uma ajudinha ao neurónio 2)

Serão estes dois cubos iguais?

Diferentes?

Ou a diferença reside apenas na cor…

E duas flores da mesma cor

Nos braços de outras duas flores de cor diferente…

Terei cubos

Flores

Cores

Cravos

Rosas

Crisântemos

Não importa

Pois tenho flores.

 

E cubos.

 

Um dia acordei

E nesse dia enquanto pensava

Pensei

O que pensam os outros

De eu pensar

Bom. Nada de especial.

 

E nesse dia que pensei

Pensava qual a possibilidade de eu voar…

Pensei

Pensei

E pensei

E acreditem que se Deus quisesse que eu voasse

Tinha-me feito pássaro

Avião

Nava espacial

Foguetão

Mas não

Deus fez-me humano…

E os humanos não voam

Como voam os pássaros

Como voam (os peixes?)

Será que os peixes voam?

E as árvores?

(essas, meu querido, essas apenas tombam no chão)

 

E enquanto me olhava no espelho

Às vezes

Sim

Às vezes

Porque olho-me tantas vezes no espelho

Como o número de vezes que penso

E se elevar tudo ao cubo

(não o cubo A nem o cubo B)

Obtenho nada

Digamos que

Nem as flores

Nem a chuva

Nem o espelho

Nem o cubo A

Nem o raio que parta o cubo B.

 

Para concluir

Que não penso

Para concluir que não me olho no espelho…

Enfim

Não penso.

 

E um belo dia

Como todos os dias que são belos

Pensei

Pensaste?

Sim

Meu querido

Pensei;

E não subam ao edifício mais alto da vossa aldeia

Não o subam até ao último andar

E…

(aterragem forçada no pavimento) (os humanos não voam)

E pensei

Será que todas as flores são belas?

Mesmo eu não gostando de flores?

Mesmo eu odiando a chuva?

Meu querido

A chuva nada tem a ver com as flores

 

Porque o raio do dia está para o cubo A

Como o cubo B está para um parque de estacionamento.

 

E o cubo B é um grande amontoado de sucata

Corpos

Ossos

E corpos sem ossos

E ossos sem corpos

E chuva sem o dia

E o dia sem flores

E as flores sem a chuva

(raio parta a chuva)

E a chuva sem nada

E o cubo B é um cabrão

Como o são todos os cubos B.

 

E penso

Penso

(porque penso)

Penso que um dia vou provar

Provar de verdade

Que Deus é uma equação matemática

Muito complexa

Não tem braços

Pernas

Mãos

Que Deus não tem sentimentos

Que se está a cagar para todos aqueles que sofrem

Como se estavam a cagar para mim

Todas as equações matemáticas muito complexas que resolvi;

E se Deus é uma equação matemática muito complexa

Então Deus é constituído apenas por números e letras.

(sombras)

(muitas sombras)

 

(poderei concluir que Deus é a palavra, um conjunto de palavras, um poema…, e se as flores gostam de poemas, então as flores gostam de Deus) (lógica, meu querido…, lógica)

 

E novamente penso.

 

Penso.

Penso que uma lareira é bela

Porque me aquece

Porque posso ler ou escrever junto a ela

Porque posso desenhar no teu corpo

E escrever

Escrever que penso

Não pensando

O que penso

No teu corpo;

Digamos que a lareira fica.

 

Depois temos os livros

Amontoados de livros

E novamente

Novamente penso

Os livros ficam

Os livros vão

E o rio desce a calçada nas tuas coxas

E as tuas coxas lêem todos os meus poemas

E os meus poemas

Os parvos

Os menos parvos

Todos eles

(que tal como eu

Não pensam)

E claro

Os livros ficam.

 

E enquanto penso

Se uma flor

Uma simples flor

É bela

Menos bela

Ou assim-assim

Levem

Levem-me as flores.

 

Deixem o cubo B

Esse fica comigo.

 

(levem o cubo A, levem a chuva, levem as flores, levem o dia, levem tudo, não me levem a lareira, não me levem as coxas dela, não me levem a mal…, mas eu, às vezes penso e escrevo cartas sem remetente)

 

E sim,

 

Podem levar também a corda de nylon.

 

 

 

 

 

Alijó, 14/12/2022

Francisco Luís Fontinha