quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Deus do mar envenenado

 Se eu pudesse ser

Eu era

Barco ou caravela

Nuvem foguetão

Poeta sem escrever

Se pudesse

Eu ser

Que eu seria

Não sei bem o que queria ser

Mas nunca seria

Ser

Ser o que eu sentia.

 

Se eu pudesse

Meu Deus do mar envenenado

Eu queria ser

Ser árvore porta-aviões ou poeta desamado

Sendo não ser

Ser um esqueleto enforcado.

 

E se eu pudesse

Ser eu o vento

Aquele vento que levanta do chão

A pobre enxada

Do rico camponês…

E se eu ainda o quisesse

E pudesse ser

Ser sem saber

Que um pobre coração

Voa até à lua de ser

Porque não sendo o querer

Também não o serei querendo

Que ser

Ou não ser

Ser o poeta.

 

E sendo eu o vento

Ou uma pedra de adorno

Prefiro ser gente

Do que ser…

Do que ser (morno).

 

Se eu pudesse ser

Sabendo que depois o era

Sem perceber

Ou saber

Como se constroem as canções de Inverno,

 

E sendo hoje a lareira da noite

Onde já queimei os braços

Agora as pernas…

E mais logo o restante esqueleto

E à chegada do autocarro

O pobre viajante

Sem bagagem

Ou esperança de o ser

Porque não o sendo

E o querendo

O rio corre sempre para o mar

O mar que está a arder.

 

E depois vem a traineira

Do querer

E a do saber

Nunca sabendo

Sem o saber

Que querer

Se pudesse

Ser

Ou não ser…

Este vagabundo poeta do amanhecer.

 

 

 

 

 

 

Alijó, 21/12/2022

Francisco Luís Fontinha

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