Se eu pudesse ser
Eu era
Barco ou caravela
Nuvem foguetão
Poeta sem escrever
Se pudesse
Eu ser
Que eu seria
Não sei bem o que queria
ser
Mas nunca seria
Ser
Ser o que eu sentia.
Se eu pudesse
Meu Deus do mar
envenenado
Eu queria ser
Ser árvore porta-aviões
ou poeta desamado
Sendo não ser
Ser um esqueleto
enforcado.
E se eu pudesse
Ser eu o vento
Aquele vento que levanta
do chão
A pobre enxada
Do rico camponês…
E se eu ainda o quisesse
E pudesse ser
Ser sem saber
Que um pobre coração
Voa até à lua de ser
Porque não sendo o querer
Também não o serei
querendo
Que ser
Ou não ser
Ser o poeta.
E sendo eu o vento
Ou uma pedra de adorno
Prefiro ser gente
Do que ser…
Do que ser (morno).
Se eu pudesse ser
Sabendo que depois o era
Sem perceber
Ou saber
Como se constroem as
canções de Inverno,
E sendo hoje a lareira da
noite
Onde já queimei os braços
Agora as pernas…
E mais logo o restante
esqueleto
E à chegada do autocarro
O pobre viajante
Sem bagagem
Ou esperança de o ser
Porque não o sendo
E o querendo
O rio corre sempre para o
mar
O mar que está a arder.
E depois vem a traineira
Do querer
E a do saber
Nunca sabendo
Sem o saber
Que querer
Se pudesse
Ser
Ou não ser…
Este vagabundo poeta do
amanhecer.
Alijó, 21/12/2022
Francisco Luís Fontinha