segunda-feira, 4 de dezembro de 2017
THE END
Fumo este pobre cigarro que me há-de matar,
Mas a morte é apenas o THE END do filme da minha vida,
Alguns farrapos, um par de sapatos e uma caixa em madeira,
Sempre adorei o cheiro da madeira, logo pela manhã, ao acordar,
Fumo este pobre cigarro porque me dá prazer, e me alimenta de madrugada,
Não, não penso na morte, porque no fundo, ela é bela, como as palavras que não consigo escrever,
Fumo este pobre cigarro sabendo que vou morrer…
Mas quem não morre?
Todos morremos, até o próprio saber, até as cidades a arder e o prazer.
Francisco Luís Fontinha
domingo, 3 de dezembro de 2017
A saliva do desejo
Tens
nas veias a saliva do desejo,
O
cansaço disperso, quando a alvorada se despede de ti,
Os
Oceanos infinitos entre quatro paredes de vidro,
O
sangue das palavras embriagadas pela insónia,
Depois
acordam as estrelas,
É
dia,
Encostas-te
a mim, dormes, sonhas, escreves no meu olhar as palavras proibidas,
É
dia,
Pegas
na minha mão, levas-me para os jardins longínquos da memória,
Ouvíamos
música, líamos os limos da madrugada, na serpente, a maçã envenenada,
E
outras coisas mais…
Vivíamos
sonhando com livros em xisto, descendo os socalcos da miséria,
O
poço da aldeia, a água límpida da manhã,
Que
absorve toda a porcaria das tuas veias,
Está
frio, ranges os dentes e entrelaças as mãos,
Desprega-se
do teu cabelo, finíssimos pingos de geada,
Até
que seja noite na nossa cidade,
Recordas-me
as árvores no Outono, aos poucos despidas, sombrias…
Porque
a noite é vadia, porque a noite traz recordações de outros tempos,
Relógios
ensanguentados de saliva, do desejo, que alimentam as tuas veias.
Francisco
Luís Fontinha
Alijó,
3 de Dezembro de 2017
sábado, 2 de dezembro de 2017
A espuma que embrulha o teu jardim
O
silêncio de espuma que embrulha o teu jardim, o banho imaginário nas traseiras
da casa onde habita o teu jardim, o teu corpo é um esqueleto de veludo, fossilizado
nos fantasmas da noite, regressa o mar, traz na algibeira as flores da
madrugada, simples, magoadas, como as sentinelas da morte,
O
ausentado menino dos socalcos de xisto, que brinca nas margens do rio
envenenado pelas enxadas da insónia, tenho medo, tenho medo dos alicerces da
dor quando do teu corpo apenas consigo observar estrelas e fumo…
Ao
amanhecer,
A
trovoada que abraça a parede granítica do sonho, o miúdo complexo em círculos
no quintal infestado de Mangueiras e Mangas, e quando ele percebe, tem um
papagaio em papel brincando entre os finos dedos, não chove, deixou de chover
nesta terra, deixei de ouvir o cheiro da terra queimada, e o poço é cada vez
mais fundo, observo-o, alimento-o, e sinto o peso das plumas nocturnas dos
bares de Lisboa,
Ao
amanhecer, os vidros das janelas rangem de frio, a lareira morta na esperança
de acordar de madrugada, e o silêncio de espuma que embrulha o teu jardim, o
banho imaginário nas traseiras da casa onde habita o teu jardim, cobertos por
um finíssimo cobertor de geada.
Francisco
Luís Fontinha
Alijó,
2 de Dezembro de 2017
domingo, 26 de novembro de 2017
Nas palavras, o silêncio.
Nas
palavras, o silêncio.
Da
noite camuflada pelos Oceanos perdidos, os pindéricos sorrisos da alma,
Os
esqueletos de luz que vagueiam na triste Avenida, sem palavras, a distância dos
osos na escuridão do mar,
Recordo
o teu olhar de pálpebras silenciadas pelo vento. Os rochedos onde me deito.
A
madrugada. Acordar em ti os sonhos de ontem, a difícil caminhada em direcção ao
mar, dois corpos saturados da neblina, dois corpos misturados nas ínfimas luzes
da cidade. Não durmo. Finjo brincar numa praia em papel, desenhada por uma
criança, triste, como as estátuas de sal,
Os
meus dedos na tua boca, quando libertas os livros aprisionados pelo tempo,
liberta-te também de mim; desacorrenta-te, e desiste de lutar.
Amanhã
lá estarei, desintegrado nas salas exíguas dos mortos jardins, pequenas
árvores, pequenos arbustos no teu peito, esperando o veneno, escondo-me.
Nas
palavras, o silêncio.
A
solidão da manhã quando trazes nas mãos a chuva miudinha, pesadíssima, e,
travestida de soldado, brinco em ti, comigo sentado numa pedra adormecida, à
deriva na rua deserta da tua sombra…
Palavras,
nas palavras, o silêncio, o prateado desassossego que a vida constrói no
amanhecer, como os poemas, entre morto e mortos; o fim.
Ai
que a vida parece um círculo, cada vez mais longínquo da cidade,
Como
todos os sons da tarde, ao cair a noite,
Os
sonhos, vagueiam no teu solstício medo de me deixar junto ao rio,
Felizes,
aqueles que acreditam em Deus…
Porque
os que não acreditam, morrem, e nunca compreenderão o silêncio.
Francisco
Luís Fontinha
Alijó,
26 de Novembro de 2017
sábado, 25 de novembro de 2017
Entre quatro paredes
Entre
quatro paredes, tenho o meu esqueleto de granito infestado de lágrimas, e,
quando o meu pobre relógio acorda, todas as noites, fujo para as sombreadas
ruas da Avenida, pinto as árvores no meu olhar, semeio na lapela as frágeis
sementes da morte, sempre que o vento regressa do mar,
A
janela do sofrimento rasgada na penumbra madrugada, o silêncio das acácias
misturado com os soníferos orgasmos de prata, e esta terra me alimenta das
esmolas não recebidas, tenho medo, medo de perder-te no infinito amanhecer,
porque nas tuas mãos habitam as flores da despedida, lamento, fico cansado de
olhar-te no espelho caduco do meu quatro, e, os livros empilhados junto à
madrugada, lamento, que todas as tardes sejam em pedaços de sofrimento, como as
jangadas dos pilares de areia da tua voz,
Entre
quatro paredes, de vidro, o silêncio amanha, dorme… e morre na alvorada.
Francisco
Luís Fontinha
Alijó,
25 de Novembro de 2017
quinta-feira, 23 de novembro de 2017
Algumas bugigangas trazidas do outro lado do rio
Tínhamos uma nuvem de silêncio no nosso
quarto, andorinhas e algumas bugigangas trazidas do outro lado do rio, alguns
caixotes desaromados, alguma roupa e um sonho, acreditávamos no amanhecer junto
à geada, a esfera do caos esbranquiçada poisada na nossa mão, eu era uma
criança mimada, filho único, Africano de nascença, apátrida e desapontado pelas
raízes do poder, tinha medo, meu pai, tinha medo da tua terra…
E sem o perceber
Assim temos mais prazer, penso nos teus
seios, imagino os teus broches literários sobre a velha secretária em madeira,
gemes, ouvem-se os gonzos da solidão salitrarem sobre a cancela da noite,
E que noite, meu amor, e que noite,
E sem o perceber acordei junto a um dos
caixotes, sentia o vento do mar a entranhar-se nos meus frágeis ossos, chorava,
gritava… nem um mabeco em meu auxílio,
E sem o perceber, tínhamos uma nuvem de
silêncio no nosso quarto, andorinhas e algumas bugigangas trazidas do outro
lado do rio, e soníferos beijos, lembras-te, meu amor, o cheiro intenso da
madeira envelhecida e triste, os pregos enferrujados de tédio, e algumas
frestas de solidão, ninguém, ninguém imagina este concerto de sons melódicos e
metálicos do sofrimento, a morte, a ressurreição e a alvorada,
A tristeza de não saber quem és…
(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
domingo, 19 de novembro de 2017
Noite na alvorada de ninguém
A
noite começa a perder-se nas tuas mãos, entre montanhas sinto os teus lábios
emagrecidos pela solidão, adormecidos, tristes… perdidos, abençoadas estrelas
que me iluminam sem qualquer tipo de perdão, uma carta não escrita, algumas
palavras semeadas no teu olhar, quando lá longe, oiço o assassino do mar, mãos
ensanguentadas, lágrimas disparadas pela espingarda do sono,
Um
canhão evapora-se debaixo do luar, escrevo-te para me sentir feliz, invento-te
para me sentir livre, rebelde e desemparado nas ruelas nocturnas do cansaço,
oiço-os
Vomitam
insónias, dormem no desassossego dos pássaros envenenados pelos teus lábios, os
livros sofrem, os livros morrem ao nascer do Sol, e tenho no corpo um solstício
amedrontado, oiço-os
Marcham
Calçada abaixo, rumam aos bares não iluminados, estátuas de sombra sentadas
numa esplanada, debaixo, em cima, e, no entanto, sou um soldado desgraçado,
moribundo, procurando barcos nas tuas pálpebras…
Francisco
Luís Fontinha
Alijó,
19 de Novembro de 2017
sábado, 18 de novembro de 2017
Poesia...
Hoje
centenas de iões dentro de um quarto escuro, sem janelas, sem porta
Cadeia?
A cárcere,
da palavra, sem porta, sem.… vida, mesmo assim sou feliz naquele local,
chamar-lhe-ás... cemitério, jazigo, mas não, meu amor, a cárcere da palavra,
como?
A cárcere,
da palavra, ou, A cárcere da palavra?
Narcisos,
viajantes bagagem, imponderáveis poetas, nos beijos, nas bocas sideradas pela
saliva, em pequeno, ele, imaginava a escola um grande navio, o porão
Tão fundo,
mãe,
Meu amor,
as palavras cinza das minhas mãos, ter-te e não te ter, nos meus braços, as
imagens a preto-e-branco dos teus olhos, existes?
Tão fundo,
mãe...
A paixão e
o amor, o centeio correndo em redor do pôr-do-sol, e ele
Coitado,
imaginar uma escola um grande barco...
Louco, e
ele, mãe, dizia-me que os sonhos são desenhos de um qualquer pintor em
desespero, a renda de casa, luz, pouco mais do que isso
Pobres
homens e mulheres...!
Tão fundo,
mãe... a paixão e o amor, o centeio correndo em redor do pôr-do-sol, e ele... e
ele embrulhado em sonhos, sonhos, mãe...
As três
ciganas do deserto, os homens buscam a sina do silêncio, imaginam-se uma
criança de prata, frágil, brincando nas palavras rochosas da poesia, João
perde-se nas cartas,
O jogo,
A mentira
Fugir para
outros continentes, outras galáxias... os homens, apaixonados pelos berros, da
menopausa, o sal brincando nas encostas do abutre negro, sobre ela o beijo
desenhado na areia, colorido, embrulhava-a numa estrofe envergonhada, levava-a
para as cabanas dos sonhos adormecidos, cerrou os olhos
Foi bom,
amor,
Só?
Só
As
pálpebras de solidão gritando pela liberdade, amanhã vou recomeçar a viver, a
sonhar, a.… a escrever nos teus olhos,
Como são os
teus olhos, meu amor!
Perdi-me,
Só?
Deus,
cambaleando pelas ruas do sofrimento, olha-me e pergunta-me
Meu filho!
Sim, pai...
O corpo,
meu filho, o corpo...
Três
ciganas abraçadas à ardósia da tarde, os homens, conversas, e...
Palavras...
E, sim pai,
não percebo as tuas palavras e não percebo os teus poemas,
Desculpa-me.…
meu filho,
Palavras...
Só?
O falso
rico esquecido no asilo do dinheiro, porque incha o corpo do rico e míngua o
corpo do pobre?
As
palavras,
Só. eu?
E.…, e sim,
o cemitério engasgado nos ossos de António, o meu melhor amigo, companheiro, e.…
e nem me avisou que ia viajar, de veleiro ao ombro, meia dúzia de bicuatas... e
nunca
A fome
dentro de um subscrito, lembrava-se das tardes de infância inventando barcos em
esferovite e sonhos, ele
As
palavras?
Ele sorria,
percebia-se no seu rosto o esqueleto e a alma da alegria, e, no entanto,
morreu...
E nunca, e
nunca mais conversou comigo...
Francisco
Luís Fontinha
quarta-feira, 15 de novembro de 2017
Partiram,
levaram o miúdo dos calões e o caixote em madeira,
Alguns
tarecos, pouca coisa e fotocópias de fotografias envenenadas pelo silêncio, na
algibeira, o amor, o desejo do mar, dos barcos e das coisas
Simples?
Os livros,
E das
coisas sem nome,
Sombras de
mangueira?
E beijos,
das coisas travestidas de saudade, dos livros lidos nas entranhas do desejo,
caminhávamos entre quatro círculos de luz, abraçavas-me como se abraçam os
pássaros, as acácias e os pindéricos cabelos de nata,
Amanhã amo-te...
Partiram,
fugiram das noites embriagadas com direito a limonada e a sexo, construíram
cubatas nos musseques da alegria, saltaram muros e muros, tinha medo das curvas
da vida, adivinhava os beijos como sendo abelhas em flor, sobre as casas sem
nome, idade, e
Sexo?
Só depois
das seis,
E sonhos,
de um dia regressar...
Regressar,
mãe?
O texto
escreve-se no teu corpo, a partida pertence ao passado, triste, tão triste como
fazer amor num vão de escada,
Os gemidos,
Os
silêncios mergulhados na algibeira do cansaço, amanhã saberei se me pertences,
maldito caixote em madeira,
Alguns
tarecos, meia dúzia de fotocópias de fotografias,
O mar, mãe?
O mar.…
morreu,
Como morrem
todas as coisas belas,
Sinto-me um
caixote em madeira, um socalco em lágrimas descendo até ao Douro, uma eira,
imaginada em Carvalhais – S. Pedro do Sul, sinto-me a noite vestida de negro,
abraçada aos meus sonhos, sem poder mais,
Amanhã, meu
amor!
O circo, os
palhaços narcisados nas palavras escritas pelo fantasma do silêncio, a minha
vida uma “merda” comparada com a vida dos meus vizinhos, hoje sonhei que a
pobreza tinha morrido... como se a pobreza tenha morte... este momento
embriagado em poemas de amor,
Poder
mais...
Os
sorrisos, a mentira do soneto sobre os ombros vergados de uma enxada, o cristal
opaco que sobressai nas fotografias de infância, a dor, e a doença
Sinto-me
E a doença
sifilítica nos dedos do artista, adormece a tela, o poema e a musa do poeta,
Sinto-me.…
um suicidado cadáver de esperma, um transeunte canalha com suspensórios e
gravata, e sapatos de ponta delgada,
Um café
Doutor?
Café...
Faltam-me
os cigarros...
E a doença
sifilítica nos dedos do artista, adormece a tela, o poema e a musa do poeta,
Sinto-me.…
um suicidado cadáver de esperma, um transeunte canalha com suspensórios e
gravata, e sapatos de ponta delgada,
Faltam-me
as tuas mãos, mãe,
Café?
Viajo na
tua saia e percebo que não temos regresso, regressar é um suicídio sem
palavras, uma carta escrita, os motivos da tua ausência, as faltas da tua
presença na Igreja, sinto-me quando abres a janela do quarto e tenho a certeza
que estou vivo,
Bom dia,
mãe...
Meu querido
filho!
O livro
cresce nas ardósias cinzentas da memória,
Que és
enigmático, meu filho...
Que sim,
minha mãe,
Que sim,
Telefonaram
da Rua dos Mendigos?
Para mim,
mãe?
A cidade
embriagada nas sandálias do pescador, o mar, sempre o apaixonado mar, a paixão
azul, do azul literário e poético..., sabes com é, mãe,
Pois,
Sei que
sempre sonhaste comigo,
Eu?
Sim, tu,
mãe,
Quando
dizias que aos três anos de idade já voava...
domingo, 12 de novembro de 2017
O eterno acusado
Acusais-me
de tudo e de nada.
Acusais-me
da chuva e do sol,
Das
províncias desgovernadas,
Dos
socalcos inanimados,
Tristes…
Cansados.
Acusais-me
do cansaço,
De
ser o menino dos papagaios
E
das estrelas em sombreados tentáculos,
Acusais-me
de o mar não regressar…
E
de matar.
Acusais-me
do eterno ventrículo agachado no musseque,
Das
palmeiras envenenadas pelo silêncio,
Acusais-me
das palavras gastas,
Tontas,
Nas
paredes da solidão.
Acusais-me
de tudo e de nada.
Acusais-me
do medo,
Da
morte em segredo,
Acusais-me
do sofrimento
Nas
montanhas solidificas dos livros
E
dos momentos passados na escuridão de um velho bar.
Acusais-me
da dor,
Das
metástases ensanguentadas de um corpo em delírio…
Acusais-me
de nada,
De
tudo,
Até
da triste madrugada…
Que
a sombra alimenta.
Francisco
Luís Fontinha
Alijó,
12 de Novembro de 2017
Meu amor,
hoje pertenço-te, absorves-me, alimentas-te das minhas palavras esquecidas num
qualquer engate, é tarde, meu amor, a noite rebenta no meu peito, sinto o peso
das estrelas nas minhas pálpebras inacabadas, o pintor adormeceu sobre o seu
próprio corpo, é inerte, invisível na paleta das cores diluídas na alma, a
morte, meu querido, o fantasma clandestino do abismo descendo a Calçada, e ao
fundo
- O rio
reflectido nos teus lábios, meu amor, a vaidade da folha de papel esquecida
sobre a pobre secretária de pinho, o caruncho, a ferrugem das ardósias
iluminando a noite,
E ao
fundo, os barcos adolescentes brincando na sonolência da inocência,
- Tenho
medo, meu amor, alicerças-te ao meu cansaço, o Francisco partiu hoje para o
desconhecido, sabes, meu amor, gostava dele, amava-o… e amo-o, e tenho medo,
meu amor, dos pássaros que voam, das flores que choram, das abelhas que
incendeiam a manhã dos silêncios de Oiro, sabes, meu amor, tenho medo
- De ti,
de mim, de estar vivo inventando a vida em quadriculados poemas, mais nada, meu
amor, mais nada, apenas o medo, a alegria de amar-te, sem saber que o amor
habita neste caixão de enxofre,
Oxalá
- As
portas, os tristes alicates da escuridão vestidos de mendicidade, a tua boca na
minha, o beijo, a orgia matinal da poesia, gemes
Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii,
E nada
quer de mim o que tu desejas…
Tudo está
perdido, o túnel da escuridão é absorvido pelo sofrimento dos ossos em pó, há
uma janela no teu olhar, um solstício fictício das madrugadas dos outros,
- Os
homens entre quanto paredes de nada, cinco fios de tristeza, e
Tudo,
Tudo
parece desabar sobre a minha sombra, sou aniquilado pelos beijos da madrugada,
não sofro, não sei sofrer ou chorar,
Tudo,
- Os
homens escondidos dentro do cubo da incerteza, a luz, e a beleza, os homens
acorrentados aos sonhos,
- Tudo?
Não o sei,
tudo está perdido, os panfletos do sofrimento, ardem nos teus alegres momentos
na Baía de Luanda, ontem eramos felizes, e hoje
Os homens,
mergulhados nas arcadas da morte, vestidos de pigmeus assalariados, o trabalho,
o sonho
Tudo?
Perdeu-se,
Hoje,
Como se
perdem todas as gaivotas do Tejo, entre petroleiros e amores clandestinos, ela
ama-o…
Ele…
Ama-a em
segredo,
As
viagens, o medo, o medo de perder, e de ser perdido,
Ele…
Chora,
suspende-se nos lábios sem sorriso, sem cor, mortos e abstractos, sem
perceberem que dentro de um livro habita a prostituta da desilusão, a tristeza,
- Tudo e
todos?
Assim
temos mais prazer, penso nos teus seios, imagino os teus broches literários
sobre a velha secretária em madeira, gemes, ouvem-se os gonzos da solidão
salitrarem sobre a cancela da noite,
Oiço-te,
minha querida, nas campânulas do sonambulismo organizado, a saliva da tarde no
púbis do teu silêncio de abelha amestrada, os teus lábios masturbados nos meus,
a loucura, o desejo, os cigarros em delírio… quando na lareira dormem algumas
páginas do meu livro,
És
indiferente à minha escrita, cagas nas minha palavras… minha querida, e
confesso-te que também eu cago para as minhas palavras, é sábado, estás triste
pela minha ausência, na TV porcarias embalsamadas, tristes, porcarias,
Do meu
livro, o teu corpo está lá, acreditas, minha querida?
Todo ele,
invisível sofrimento nas mandibulas do primeiro beijo
Amo-te
Do
primeiro beijo, a fotografia aprisionada num velho álbum de fotografias, “um
sorriso… olha o passarinho… já esta”, e eu parecendo um panasca com pulseira em
oiro e pose de fantasma, sorria, tinha na boca o amargo beijo das clandestinas
sanzalas de estanho, o zinco dormitava debaixo do sol, porra… isto é “fodido” …
como é “fodido” amar-te em silêncio, como quadriculadas noites num velho
caderno, as argolas tortas, todas, elas
“Amo-te
seu cretino, candeeiro da noite, abstracto insecto dos charcos em flor, adeus,
amanhã sacio-me em ti, elas
“Assim
temos mais prazer, penso nos teus seios, imagino os teus broches literários
sobre a velha secretária em madeira, gemes, ouvem-se os gonzos da solidão salitrarem
sobre a cancela da noite”,
Elas
agachadas junto aos semáforos do amor travestido de Ceia de Natal,
Odeio-o,
odeio-a…
É sábado,
não tenho ninguém, adormecem junto a mim livros, cachimbos e papeis, tenho
medo, minha querida, tenho medo
O estranho
vizinho de caneta na mão, adormecia todas as matrículas dos automóveis
estacionados junto à porta de entrada, louco, louca,
Amar-te
sem o saber
Odeio-a,
E sem o
perceber…
Tínhamos
uma nuvem de silêncio no nosso quarto, andorinhas e algumas bugigangas trazidas
do outro lado do rio, alguns caixotes desaromados, alguma roupa e um sonho,
acreditávamos no amanhecer junto à geada, a esfera do caos esbranquiçada
poisada na nossa mão, eu era uma criança mimada, filho único, Africano de
nascença, apátrida e desapontado pelas raízes do poder, tinha medo, meu pai,
tinha medo da tua terra…
E sem o
perceber
Assim
temos mais prazer, penso nos teus seios, imagino os teus broches literários
sobre a velha secretária em madeira, gemes, ouvem-se os gonzos da solidão
salitrarem sobre a cancela da noite,
E que
noite, meu amor, e que noite,
E sem o
perceber acordei junto a um dos caixotes, sentia o vento do mar a entranhar-se
nos meus frágeis ossos, chorava, gritava… nem um mabeco em meu auxílio,
E sem o
perceber, tínhamos uma nuvem de silêncio no nosso quarto, andorinhas e algumas
bugigangas trazidas do outro lado do rio, e soníferos beijos, lembras-te, meu
amor, o cheiro intenso da madeira envelhecida e triste, os pregos enferrujados
de tédio, e algumas frestas de solidão, ninguém, ninguém imagina este concerto
de sons melódicos e metálicos do sofrimento, a morte, a ressurreição e a
alvorada,
A tristeza
de não saber quem és…
O inferno
estava próximo, do corredor entranhava-se no meu corpo o cheiro a enxofre e a
gajas nuas,
Menos tabaco
nesses cigarros…, gajas no inferno?
E
canteiros recheados de malmequeres, crisântemos e orquídeas selvagens,
imperfeito, o vidro estilhaçava-se, ficou sem cabeça, ficou sem coração, e
ficou com o medo misturado nos óbitos grãos de areia, ainda hoje acredito que
um objecto depois de crucificado… permaneça o mesmo objecto, mas com formas e
cheiros e desenhos…
Menos
tabaco, amigo, menos tabaco,
Diferentes,
tornam-se ausentes, tornam-se miúdos brincando no musseque, os charcos, o capim
descendo a rabina, o miúdo do bibe acreditava na liberdade, e é tão difícil
ser-se livre nesse País, tão difícil meu pai, tu sabes
Menos
tabaco, menos,
Tu sabes
que vivi encerrado entre quatro paredes invisíveis, tu sabes que vivi entre
três janelas sem vista para o mar, mas sentia-o no meu quarto,
Lembras-te,
filho? Os Domingos junto ao Porto e os barcos pareciam cancelas suspensas na
madrugada, lembras-te, filho? Os Coqueiros, as gaivotas comendo os Coqueiros, e
tudo apenas imagens a preto e branco do meu imaginário, porque, meu filho
Sim, pai?
Lembras-te
do Mussulo?
Sim, pai,
sim… a areia recheada de lençóis brancos, a poeira do cansaço vomitando
languidas lâminas de azoto, e depois, e depois regressava a noite, dormias,
sonhavas, gritavas… e eu, eu sem dormir, comer,
Ao longe,
meu amigo, ao longe o inferno, as gajas, as nuas gajas junto à porta do
inferno,
Louco,
menos tabaco nesses cigarros, menos,
Ao longe a
agonia do fim de tarde agachado em cima de um telhado em zinco abraçado a um
livro, não sabia ler ainda, mas lia-o, absorvia-o, como hoje o faço, e não
sabia ler ainda,
E tu, pai,
e tu emprestavas-me os teus livros, e eu, eu dilacerava-me com o cheiro do
papel, com as letras, com as imagens, com as tuas palavras “estes livros não
são para a tua idade” como se houvesse idade para se manusear e cheirar e
“foder” um livro… vigava-me, riscava-os, tal como as paredes do corredor,
riscos, riscos, um livro entre gemidos, um livro em pleno orgasmo…
Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii…
Desaparecem
todas as palavras, o inferno estava próximo, do corredor entranhava-se no meu
corpo o cheiro a enxofre e a gajas nuas, pensei (estou em cais do Sodré) não,
não estava, nunca lá estive e nego-o, absolutamente,
Menos
tabacos nesses cigarros, menos
Aproximava-me,
lentamente a minha verticalidade diminuía, sentia-me um miúdo de bibe gritando,
berrando, “fodendo” livros com uma caneta de tinta permanente, e nada, até
hoje, nada, morreu ele, morri eu, morremos todos,
Os homens,
os meus e os teus, quadriculados beijos entre equações de amor…
Só queria
ter uma cabana no cimo do monte, uma mulher que falasse Russo e uma montanha
embalsamada no meu corpo, a aventura, o silêncio na procura do abismo, o Natal,
prendas, e que se “fodam” as prendas,
E o Natal!
Sabíamos
que amanhã não haveria saudade, sabíamos que amanhã não gaivotas poisadas no
Tejo, estou muito doente
E o Natal?
Tive um
amigo que morreu de silêncio,
Paz à sua
alma,
Tive um
amigo que se cansou da melancolia dos dias, das noites, das noites sem noites
depois das noites, vivia acorrentado a uma árvore, eu, acreditava na inocência
dos seus lábios, encardidos pelo temporal, desgastos pela insignificante margem
do rio onde brincavam gaivotas e marinheiros, e sucata de mim
Ontem fui
a um bar em Cais do Sodré, sentei-me, viajei até mil novecentos e oitenta e
sete, era dia, corríamos embriagados em direcção ao medo, havia conquilhas e
cerveja à mistura, como sempre, este amigo, embriagado pelas minhas palavras,
Amo-te,
dizia ele, quando percebia que a escuridão se entranhava nos meus ossos de
veludo, que eu, semeado na seara do vento, tinha medo, sentia a solidão sobre o
meu peito, havia noites de tortura, havia noites de desequilíbrio mental, a
loucura, o Tejo no meu quintal,
E sucata
de mim,
Que boiava
nos teus cabelos, meu amor, e sucata de mim espalhada pelos sítios mais
incógnitos da nossa casa, um palheiro, simples, e felizes, assim,
Acorrentado,
tu, meu amor, nesta cidade de Cais sem destino, de barcos sem comandantes, ou
cordas de nylon invisíveis, e mesmo assim, recordo-te, amar-te talvez, um dia,
amanhã, depois de amanhã… ou ligo, talvez, talvez meu amor,
No meu
quintal,
Uma
sanduiche de sódio baloiçava nas minhas veias, sentia a morte, o fim, a
despedida, não faz mal, meu amor, amanhã, talvez, no meu quintal, eu, em Cais
do Sodré, abraçado a ti, sem ninguém, amanhã
Tive um
amigo que morreu de silêncio, frequentava a minha poesia, uns dias aparecia
outros…
Amanhã,
não saberei se tu,
Outros…
uma cancela de vidro,
Se tu me
amas, se tu, se tu me recordas como recordas as tristes alvoradas em frente ao
Tejo,
Outros, e
mais outros, não sabiam que o amor é um cubo de chocolate, só, triste e só,
como eu
Tejo?
Outros…
Amanhã,
não saberei se tu,
Outros…
uma cancela de vidro, um comboio em aço desgovernado subindo a Calçada da
Ajuda, e
Ajuda nenhuma,
sempre só, meu amor, sempre, sempre só nos teus braços, nos teus fantasmas, nas
tuas coxas de silício mergulhadas na corrente eléctrica do sofrimento, Tejo?
Talvez,
meu amor, talvez…
Tive um
amigo.
Tenho a
“Tara mais pesada que o Peso Bruto”, isso é grave, Doutor? Que sim, que nunca
mais vou ver o Rio nem as montanhas nem as prendas, nem…
O Natal?
Quero lá
saber dele, nunca goitei dele, prendas, e que se “fodam” as prendas, e todos os
dias vinte e cinco de cada mês… estou muito doente, tenho a “Tara mais pesada
que o Peso Bruto”, gravíssimo meu Caro, gravíssimo meu Caro, pronto, estou
“fodido” a caminho dos cinquenta tudo aparece, é o Natal, é a Tara, é a porra
da idade, e nem o Caracol me consegue valer, sobe, sobe… e puf… parede abaixo,
capotou mesmo em cima da mulher que sabia falar Russo, tristeza, a Tara… e eu
só queria ter uma cabana no cimo do monte, uma mulher que falasse Russo e uma
montanha embalsamada no meu corpo, a aventura, o silêncio na procura do abismo,
o Natal, prendas, e que se “fodam” as prendas, prendas,
Tínhamos
prometido separarmo-nos naquela noite, inventamos partes da Teoria de Einstein
para recordarmos o que era impossível de recordar, a separação, o fim, e o
adeus
Ontem
recebi carta dela, está tudo bem, os arrozais ainda dormem, os coqueiros
soluçam entre os finos cortinados de tristeza e a claridade do fim de tarde,
Adeus,
ontem recebi, a carta vinha amarrotada, cansada, e embalsamada como as rosas no
interior de um livro, o parvalhão de um livro,
Se algum
dia eu abraçava uma rosa embalsamada…
De um
livro, muitos anos, Einstein para recordarmos o que era impossível de recordar,
a separação, o fim, e o adeus das gaivotas a cada encerrar de uma janela que só
a dor consegue fazer sobreviver,
Tínhamos,
Inventamos
o amor “transtemporal” os catetos, a hipotenusa, a verruga, o cinzeiro a
abarrotar de conversas sem nexo, nunca tive um sonho, morri sempre na praia,
nunca, se algum dia eu abraçava uma rosa embalsamada…, nem eu, ouvia-a
Tínhamos,
não sonhos, não sorrisos, não beijos, nem um simples calendário suspenso na
cozinha, nunca sabíamos a quanto andávamos, se era terça-feira, sexta-feira…
tanto faz, ouvia-a, irritava-me com a sua ausência, mas sempre que podia
Partia,
levava todas as roupas e todos os livros, até as velhas cartas transportava na
bagageira, e nunca me disse adeus,
Amanhã,
Me disse
adeus, até amanhã, amo-te, nada, nada
Como hoje
Nada.
Francisco
Luís Fontinha
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