domingo, 21 de abril de 2013

A cidade de Deus

foto: A&M ART and Photos

Esta é a minha cidade inventada por Deus
que me esconde quando acordam as tempestades
e o mar sobe até ao quinto andar
e há uma porta em forma de cacimbo
com o cheiro a capim doce e a terra húmida,

Há em mim esta cidade
preenchida nas telas brancas
com espaços vazios
sombrias depois dos alicerces teus cabelos
mergulharem na penumbra do feitiço da noite,

Procuro a saída e percebo que nesta cidade
na rua onde habito desta cidade
não tem portas de emergência
não tem escadas de incêndio...
nem as palavras poéticas das melodias dos cigarros em festa,

Esta cidade é uma “merda” de cidade inventada
tem muitas portas
tem muitas janelas
mas nenhuma delas
me dão acesso ao amor dos jardins junto ao rio,

Nesta cidade perdido ando como um vampiro
ou um ramo de árvore depois do pequeno-almoço
quando a sorte desaparece e as pequenas lâmpadas do estômago fingem-se apagadas
esta cidade com esqueleto de vidro e aço e granito
e pingos de silêncio dos suicídios das gaivotas cinzentas...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Quadradinhos de vidro

foto: A&M ART and Photos

Janelas, quadradinhos de vidro, sobre a rua míngua, deserta, húmida, janelas com flores e cubos de chocolate, janelas de solidão que pacientemente, esperam, que desça a noite sobre os automóveis abandonados, tristes, alegres, cansados, janelas sem vidros, buracos, vazios, vácuo, janelas em frenesim comendo amêndoas e bebendo vinho,
(janelas com grandes de ferro, havia um quintal com árvores e arbustos, havia pássaros, abríamos as janelas, sentíamos os cheiros, os sons, os batimentos sôfregos dos pássaros envenenados com drageias que faziam-nos dormir sem sonhar, janelas com grades, abertas, caía a chuva sobre os primeiros dias de Maio, e alguém em círculos, no longínquo corredor da morte – Tem horas? - e eu, timidamente, com medo, desaperto a bracelete do meu relógio de pulso, tiro-o cuidadosamente e ofereço-lho, dizendo-lhe
Que seja a última vez que me perguntas as horas,
e até hoje nunca mais usei relógio, confesso que a princípio não foi fácil, mas depois, depois habituei-me a ser um dos tantos desorientados, que se regula pelo sol, e quando não há sol, vivo normalmente como vivia, olhando para as janelas, verificando se faltam vidros, procuro as formas, os feitios, os sentidos, e às vezes, perco-me, perco-me no centro das rochas como as grainhas esquecidas sobre os muros de xisto que acompanham a estrade encurvada até ao cais onde partem, chegam, não um, não dois, não barcos, mas mais do que cinco autocarros da carreira com destino indefinido, onde numa placa está escrito “Serviço Ocasional”, e até hoje
percebi,
Que seja a última vez que me perguntas as horas)
Janelas quadradas, janelas triangulares, janelas rectangulares, janelas circulares, e simples janelas como olhos de diamante, imagens, pensamentos, sonhos e omissões, janelas, janelas
(janelas sem corações)
Janelas delas, e deles, abraços e janelas, e prazeres, e janelas que procuram uma cidade para viver, e uma rua para brincar, janelas com seios e púbis, janelas em gemidos quando acorda o dia... e o raio do cortinado ficou preso no fecho éclair da claridade que se abate sobre a mesa-de-cabeceira, - Andas tão estranho, meu querido! - anda, anda
(é por culpa das janelas)
Anda ele e ando eu, andamos, e tínhamos um quarto que felizmente, interiormente, não tinha janela, não havia imagens, nem sonhos, nem brincadeiras de miúdos, um quarto onde resolvemos desenhar e pintar
(janela)
E um crucifixo, que por ora está só, sem ninguém, mas logo que possível, mas logo que seque a tinta e nos seja possível abrir a janela, talvez, alguém para preencher o vazio do crucifixo com cheiro a verniz,
(culpa das janelas invisíveis, janelas que constroem a solidão a partir de pedaços de sombra, e dos autocarros da carreira que antes chamavam-lhes machimbombos, e hoje, apenas imagens, fotografias aprisionadas dentro de compartimentos sem janelas, buracos, vazios, infelizes, entradas para o infinito céu de compartimentos com grades de insónia, e sobre a dita mesa-de-cabeceira o fecho éclair liberto do cortinado, a liberdade, de ter uma janelas, com vidros, sem vidros, apenas um vazio, para olhar, pensar, sofrer, ou sonhar..., ou claro, simplesmente... para te sentares)
O cheiro da madeira, e o hálito de vinho que o homem da esquina encarnada usava e às vezes sobejava, o silêncio de um cheiro, a saudade de uma janela com mil sabores, com mil e novecentos caracteres, com um espaço e meio, cerca de trinta páginas, que depois do vento, foram-se como foram os vidros, as teias de aranha e toda a mobília, e ficaste tu, a construir a cidade, trouxeste as árvores, fizeste os pássaros, e colocaste, cuidadosamente... todos os vidros das janelas em paixões de areia molhada, que o mar deixa ficar no pavimento ensonado dos fins de tarde
(percebi)
Antes de acordar a noite.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Loucas imagens da fina areia mergulhar

foto: A&M ART and Photos

Estranhas imagens que o corpo absorve
depois de regressar a tempestade
e a fina areia mergulhar
nas profundezas mãos de sabão,

Estávamos loucos quando imaginámos sombras nas janelas do amanhecer
e via-se perfeitamente um cortinado de amargura
rompido e ensanguentado
desértico do amor apodrecido,

Descia a noite
e as imagens negras voltavam às tuas mãos
havia uma ressonância de cigarros
embainhados debaixo do tecto das gaivotas que diziam-se perdidamente apaixonadas,

Perdidamente
perdidas entre vãos de escadas
e portas emagrecidas
… portas com corações de oiro e olhos madrugadas.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 20 de abril de 2013

Invento a tua mão

foto: A&M ART and Photos

Procuro um trilho seguro entre duas linhas paralelas, do aço longitudinal poisa o nevoeiro como a poeira fina das lágrimas do meu rosto, pego na minha mão e coloco-a transversalmente na face rosada, escura, sou absorvida pela neblina, e metros depois, desapareço entre as tábuas apodrecidas que abraçam a linha férrea que me irá transportar até ao “O Cais das Merendas – Lídia Jorge”, li-o ainda eu era adolescente e apaixonei-me pelas palavras dela, pelas histórias, e foi há tanto tempo, tempo demais, o suficiente para chamar a “Clarissa – Érico Veríssimo” e afagar-lhe o cabelo com os meus dedos de insónia, finos, compridos, leves como o vento, cinzentos, e até às vezes, encarnados como os botões de rosa do jardim público com bancos em ripas de madeira, finas, e em letra de imprensa “Cuidado – Pintado de Fresco”, e como eu distraidamente, como tu, sentámos-nos, demos as mãos, e quando nos erguemos, a minha saia tinha as marcas das ripas e as tuas calças de ganga
(três sombras como uma grade de sofrimento, três ripas de madeira que aprisionavam invisivelmente as minhas nádegas de areia)
Três linhas rectas, carris, sem saída, e sobre mim uma fina camada de neblina que não me deixava ver os carris, começa a descer a noite, escrevia o teu nome na minha boca, e tu, não vinhas, e tu, talvez perdido entre ruas e edifícios defeituosos, com muitas janelas e vidros partidos, e quando acordava o sol, ouviam-se-lhes as saudades da areia branca,
(três sonhos dentro de três desejos que esperavam por três tristes tigres, e à nossa volta, três ruas, apunhaladas por três homens com uma cabeça de marfim, e depois, viam-se três, também elas tristes, três lindas flores com pétalas em vogal de incenso e sílabas com molho de palavras voláteis dos dias engasgados nas bocas de três alegres, estes sim, alegres rapazolas vestidos com mantas embalsamadas pelo silêncio e pela pobreza, e triste, também, triste não é ser pobre, triste é ser ignorante e acreditar que tudo à sua volta gira em círculos de saliva, há um pequeno gaguejo sísmico, há um pequeno latido, um lamber de botas... e já está, a vida só é triste quando se é ignorante, e ser-se pobre não é dramático, ser-se pobre ou filho de pobres, não é vergonha, é um enorme orgulho, vergonha... é realmente ser-se ignorante, porque a única coisa que o dinheiro não compra é a vida, e a inteligência)
E nós sabíamos que as areias brancas estavam tão longe de nós, como estes carris, que quanto mais caminho sobre eles, mais compridos são, longínquos nas manhãs de Outono, entre poeiras e tinta acrílica sobre o olhar da linda Mariana, e nós sabíamos que apenas os perfumes que sobejavam das clareiras em bolor conseguiriam sobreviver à saudade...
(três lindos carris em aço procuram esposa, máximo sigilo)
E procuro-me no trilho seguro entre duas linhas paralelas, do aço longitudinal poisa o nevoeiro como a poeira fina das lágrimas do meu rosto, pego na minha mão e coloco-a transversalmente na face rosada, escura, sou absorvida pela neblina, e metros depois, desapareço entre as tábuas apodrecidas que abraçam a linha férrea que me irá transportar até aos teus braços,
(onde andarás agora...!)
E sussurradamente invento a tua mão dentro da minha mão...

(não revisto, quase ficção)
@Francisco Luís Fontinha

Ficcionado eu de ti marinheiro

foto: A&M ART and Photos

Ficcionado eu na tua mão sideral em pedaços imaginários
de cristal e finos objectos de luz,
há uma lareira que se extinguiu dentro do teu peito de caverna inventada
pelas palavras de uma árvore perdida na montanha,
há ruas que nunca tiveram saída,
tu sabias,
e nelas continuaste a caminhar
como... se passeasses sobre o silêncio mar,

Ficcionado eu nos teus seios de pano
que serviram para embrulhar luares e noites de prazer,
há nessas mesmas ruas,
aquelas que nunca tiveram saída e tu caminhavas,
relógios de pulso e canções de amargo amor,
e tu sabias
que eu era uma simples sombra
como um copo moribundo na mão de uma mulher pintada de negro,

Eras a noite
e aparecias-me quando as luzes da insónia cessavam,
morriam,
eras a noite que sempre tive medo
e cobria-me com o cobertor cinzento...
para que não desses por mim,
ou descobrisses que o meu esqueleto em vez de ossos
tinha ficcionado uma pomba branca cansada de voar.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha


Em destaque – Sapo Angola

sexta-feira, 19 de abril de 2013

A roulote da alegria

foto: A&M ART and Photos

Andávamos de terra em terra, andávamos de luar em luar, éramos dois mutantes fugitivos aos arautos das marés de inverno, sonhávamos, desesperávamos-nos quando encalhávamos sobre as fragas frágeis das aldeias em flor, e tínhamos medo do dia seguinte, e quando acordávamos, continuava tudo igual ao dia de ontem, amanhã, dizem, amanhã é Sábado, levantarmos-nos não muito cedo, o duche, o pequeno-almoço, e uma torrada para o REX, tomar café, de preferência DELTA RUBY, e depois de enganar-me com as sombras de cigarros apagados desde Maio de 2012, regresso a casa, ligo o portátil e escolho o Ubuntu como Sistema Operativo, fartei-me do Windows e das suas birras, parecendo às vezes certas mulheres, chatinhas, tão chatinhas que as prefiro a elas do que a ele, mas enquanto existir o Linux não o trocarei por outro qualquer, porque há coisas inconfundíveis, incontornáveis, amores eternos, amores como o das pessoas, amores
(sou a favor do software livre e aberto a todos)
E depois de tantos amores, e depois de portátil ligado, vou à minha caixa do correio, - Levanto-me, abro a porta da biblioteca, passo pelo corredor, atravesso em bicos de pés a sala de jantar, mergulho num pequeno Hall e depois de ultrapassar a cozinha, entro definitivamente no quintal, e cerca de quinze metros depois, abro a caixa, e correio... nenhum – quem é que tinha o atrevimento de me escrever, digam-me – Quem? - só o “Fisco”,
(andávamos de abraço em abraço, andávamos de gemido em gemido)
Faço uma visita breve ao meu blogue, talvez escreva alguma coisa, depende dos sábados e do estado da caneta Parker de tinta permanente, até à data nunca ame deixou ficar mal, escreve sempre aquilo que quero e desejo, e Às vezes, até me obriga a escrever aquilo que não quero, mas ela é assim, e assim me vai acompanhar até ao fim
(fim de mim, fim de ti, ou fim de um texto qualquer ou poema)
Copiam tudo, aqueles sacanas, e de “O Medo” de AL Berto, na mão, abro-o, e verifico que é uma edição de Outubro de 1991, Contexto-Círculo de Leitores, e com o número de edição do Círculo de Leitores 3138, nada disto importa, apenas que este livro vale algum dinheiro – Talvez cento e vinte euros – mas a minha curiosidade está na contracapa onde vive um pequeno texto meu, de 9 de Maio de 1994, em Vila Real e digo ser esse o dia mais feliz da minha vida,
E reza assim,
“Não tenho medo
de estar só...
não tenho medo de morrer,
mas... sinto medo de estar vivo!
E se eu morrer,
Que seja sozinho;
tenho medo da multidão,
e sei que não estarás ao meu lado!



Claro que eu percebo estas palavras e porque as escrevi naquela data, mas já não importa, e copiam tudo, aqueles sacanas, copiam os poemas, copiam-me os textos, copiam tudo, aqueles estúpidos pássaros de bico amarelo e negros como a noite, recordo-me em miúdo de ver um em casa do meu avô, dentro de uma gaiola, e já na altura, ficava confuso ver alguém com asas dentro de um pedaço de rede, sem liberdade, apenas porque canta lindamente,
(e se um dia, um louco, fizer o mesmo comigo, isto é, construírem à minha volta uma rede invisível, onde me aprisionam, apenas porque escrevo, apenas porque gosto de ler, apenas... porque sou eu)
Andávamos de terra em terra, andávamos de luar em luar, éramos dois mutantes fugitivos aos arautos das marés de inverno, sonhávamos, desesperávamos-nos quando encalhávamos sobre as fragas frágeis das aldeias em flor, sem flores, sem janelas, depois, depois voaram-nos as palavras e os bancos de jardim com meninas de livro na mão, sentadas, cruzavam a perna, e de saia meio de chita, meio de qualquer coisa, esqueciam-se que eu era um pássaro esquecido dentro de uma gaiola numa aldeia do Concelho de S. Pedro do Sul,
(- Tens saudades minhas, meu querido amigo? - e só sei que era Sábado, e que depois de escrever qualquer coisa, deixava o portátil ligado, música em sons melódicos para os fantasmas da livraria, e antes do meio-dia, todos os Sábados, dirijo-me à barbearia do senhor António, desfazem-me a barba e venho descontraidamente almoçar, com o meu querido AL Berto sempre à minha espera, sobre uma secretária de madeira)
Uma das meninas levantou-se do banco onde estava ancorada, colocou o livro debaixo do braço, o olhar dela cruzou o meu, e hoje, hoje acompanha-me todos os dias e todas as noites dentro da roulote da alegria.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Diluído em azuis e castanhos

foto: A&M ART and Photos

Porque gemiam as gaivotas se o mar parecia um campo de milho, calmo e sereno, diluído em azuis e castanhos, meninos com infâncias destruídas, meninos sem infâncias prometidas, e no entanto, sabíamos que um dia íamos experimentar os chocolates com frutos silvestres, que um dia íamos experimentar as cavernas encolhidas nas rochas no cimo da montanha com o coração de riacho, as penas eram de sobreiro e de olhar terno, frágil, magoado, um olhar existente em construções falsas acompanhadas por lágrimas de cereja, e as pernas, tenho uma vaga sensação que eram de granito, e havia uma escada de acesso à caverna, entrávamos, amplamente arejada, uma enorme entrada, e sem janelas, e depois, continuava por um corredor, curvilíneo, até desaparecer na escuridão da noite, não tínhamos móveis, e dormíamos no chão, não tínhamos nada, e éramos tão felizes, como a pequena fogueira que ardia noite e dia, como se fosse uma porta de entrada em madeira robusta, que apenas servia para afugentar os animais mais endiabrados, mas
(que animais fariam mal a duas apaixonadas sombras?)
Ao longe ouvíamos o sombrear da lua quando caminhava sobre a copa das nuvens, tão finas, tão belas e tão doces, diziam-nos que eram de açúcar, mas por infelicidade, mas porque o destino nos tramou quando resolveu juntar-nos numa noite de Setembro, nunca tivemos o tempo necessário para verificarmos se realmente as nuvens eram de açúcar, mas que cheiravam bem, lá isso cheiravam, e que quando chovia, sentávamos-nos cá fora, e sentíamos as gotas de água da chuva junto ao canto do lábio inferior, e aí sim, percebíamos que era doce, mas nunca tivemos a certeza que fossem de açúcar..., como também, nunca tivemos a certeza de nada do que vivíamos ou viveremos na posteridade das sebentas com as páginas brancas, sem imagens, desenhos, e palavras, e ao
(animais)
Longe tínhamos terminado de acender os candeeiros a petróleo, nas mochilas apenas alguns cadernos, alguns livros, e lápis de carvão, e todas as noites, enquanto olhávamos a labareda da velha fogueira, olhava-lhe os olhos e imaginava um rebanho de ovelhas saltitando nas terras férteis e indomáveis de Favarrel, ainda conseguia imaginar o tio Serafim em corridas loucas e à pedrada contra a estrelada, e esta, quando regressava a casa, tardíssimo, mancava, e o velho
(que tem a ovelha, rapaz? - Caiu da parede abaixo, meu pai – e o velho dizia-lhe que no dia seguinte a estrelada ficava no curral, e o Serafim contente, saltava de alegria, porque depois da escola já não ia com as ovelhas para o pasto...)
E o velho tudo fazia para que o filho fosse agricultor, e o Serafim comportava-se como um artista, cantava fado, contava histórias, andou pelas ruas de Lisboa e quando regressou a casa convenceu toda a gente que tinha estado no Brasil, e durante dois ou três anos, ninguém, ninguém sabia do paradeiro do cantante que saiu de casa propositadamente para viajar até às terras de Vera Cruz..., ficou por lá encantado com os cheiros e com os sons
(do Tejo)
E com as mulheres de lá, onde durante a noite se escondia em tasquinhas perdidas em ruelas, e de dia, de janela encerrada, e de cortinado puxado até aos confins do Inferno, ressonava canções com sabor a vinho e sonhava com barcos que se faziam passear pela Terra Nova na peugada do fiel amigo; o eterno bacalhau,
“Porque gemiam as gaivotas se o mar parecia um campo de milho, calmo e sereno, diluído em azuis e castanhos, meninos com infâncias destruídas, meninos sem infâncias prometidas, e no entanto, sabíamos que um dia íamos experimentar os chocolates com frutos silvestres, que um dia íamos experimentar as cavernas encolhidas nas rochas no cimo da montanha com o coração de riacho, as penas eram de sobreiro e de olhar terno, frágil, magoado, um olhar existente em construções falsas acompanhadas por lágrimas de cereja, e porque transpirava o espigueiro recheado de espigas de milho, e porque tinham os melros medo do escuro, quando alguém por engano, desligava o interruptor do dia, vinha a noite, trazia com ela outras amigas, bebíamos, comíamos e fumávamos, sem que nunca tenhamos percebido, sem que nunca tenhamos admitido, que, ontem, na caverna, não tínhamos móveis, e dormíamos no chão, não tínhamos nada, e éramos tão felizes, como a pequena fogueira que ardia noite e dia, como se fosse uma porta de entrada em madeira robusta, que apenas servia para afugentar os animais mais endiabrados, mas os animais ferozes, éramos nós, eu, ela”
(e sentíamos as gotas de água da chuva junto ao canto do lábio inferior, e aí sim, percebíamos que era doce, mas nunca tivemos a certeza que fossem de açúcar..., como também, nunca tivemos a certeza de nada do que vivíamos ou viveremos na posteridade das sebentas com as páginas brancas e os títulos a negrito, poucas palavras, as datas mais importantes, o nascimento, e o último a morrer, ficará encarregue a reescrever a história e a data final de quando terminar a fogueira, tudo dentro da caverna cessará de respirar, e apenas a cinza da fogueira ficará como testemunha do amor de dois apaixonados, risíveis, ternos e com saudades do apito do comboio em corridas loucas na linha de Cais do Sodré até Belém, saía, puxava de um cigarro, e)
Como cresceu o milho,
(e sentava-se no parapeito da janela imaginária para o Tejo)
E não só o milho, o rapaz também está crescido, e a própria cidade, parece obesa, oca, sombria, uma cidade dentro de outra cidade, que, que hoje já não existe...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Três tristes madrugadas

foto: A&M ART and Photos

Três tristes rostos
embrulhados em três tristes madrugadas
com três indefinidos tigres coloridos
nas três primeiras semanas do mês,

Três mulheres desalmadas
sós
apaixonadas
três... rostos sombras espelhos ou montras de incenso...

Três horas
em três relógios trigémeos
nas três madrugadas tristes
embrulhadas,

Três tristes rostos
com três lindos pincéis de areia
três barcos e três Marias
e... três... três gramas de paciência.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 17 de abril de 2013

O último nome e o último desejo à espera do último sonho

foto: A&M ART and Photos

Foi a última vez que escreveste o meu nome, escreveste-o, continuas a escrever-me no silêncio dos Deuses e fazes-lo como se eu ainda estivesse vivo, e deixei de estar, e deixei de pertencer ao musgo ensonado que cresce no tronco dos pinheiros mansos, recordo-me de apanhar pinhões debaixo de um pinheiro ranhoso, rabugento, e tinhoso, que habitava no recreio da escola, sentava-me sobre as pedras em repouso, e fazia com que outras se movimentassem, às vezes, errava o alvo, partia um dos vidros da janela da escola, quando chegava a casa
(faziam-me uma festa, havia banda de música, havia comeres e beberes e claro, havia cinto, danças de corredor, eu na frente, e na minha peugada, o meu pai tentando acertar-me mas como sempre, eu parecia invisível, e como sempre, eu atravessava as paredes, e bastava um simples olhar...)
Sobre a secretária, quando chegava a casa, os destroços de um amor, pensava-se que eterno, mas nem as palavras são eternas, nem as pessoas, nem os corações, e procurava entre o desalinhado sossego dos objectos destruídos pela intempérie, ainda deixaste restos de café dentro de uma chávena envenenada pela presença das pérolas e de uma caneta de tinta permanente
(procurei o teu nome em vão, não respondias, e entrei em cada compartimento daquela casa assombrada, para finalmente perceber, que... tu tinhas partido, definitivamente, como partem os pássaros depois da Primavera, procurei, e procurei, e encontrei sobre a tua secretária os teus restos mortais, aqueles que já referi e mais uns botões de rosa dentro de um copo com água, sentia-se no ar o perfume, a essência, a fragrância das palavras deixadas ao acaso dentro de uma carta de despedida, ou simplesmente, de uma declaração, - De amor? - e enquanto fixava o olhar na caneta de pinta permanente, como se fosse um filme, um conjunto de imagens construíam-se-me e do nascimento dela, passando pelas ressacas da falta de tinta, dos textos e textos em meio por meias palavras, porque ela, simplesmente se recusava a escrever, a enquanto uma mão de menina a segurava, enquanto uma mão de criança bati-lhe o aparo sobre a madeira da secretária, e o texto, aos poucos, esmorecia, e morria, e deixava de existir, a a menina, e a criança, ambas, sorriam..., sorriam como nuvens de finíssima adrenalina)
E uma faca de prata, ao lado da chávena envenenada com os resto do teu café, o copo com os botões de rosa, e eu perguntava-me – De que me serve esta faca de prata? - correspondência pouca recebo, do correio electrónico, não é necessário abri-lo com a ajuda de uma faca de prata, e até os livros modernos, esses, já nem é necessário abria-lhes as páginas como o fazia quando adolescente..., e parece que tudo se perdeu, e parece que até o cheiro do papel não é o mesmo cheiro do papel de antigamente, os jornais, não têm o mesmo cheiro, e ainda recordo quando após folhear algumas das páginas, percebia-se posteriormente... - De que me serve esta faca de prata? - percebia-se que tinha os dedos e as mãos com o cheiro da tinta do jornal e de cor negra, hoje, hoje procuro-te, abro cada compartimento, até já fui ao sótão, mas de ti, nem sombra, nem o perfume, nem o som do teu colar de pérolas quando regressavas a altas horas da madrugada, sentavas-te na tua secretária, rabiscavas algo no teu caderno e depois, depois de pegares num dos botões de rosa e o cheirares, tiravas o colar de pérolas, e poisava-lo sobre a secretária, e nunca, nunca esqueci esse som melódico e poético,
(desacreditado que dos muros de xisto as folhas de videira cessem de crescer no olhar da melancolia, e se alicerce a tristeza nos gonzos desmiolados das portas e janelas com a boca virada para o mar, acreditava que as madrugadas intermináveis, não morriam, e morreram como morrem as pequenas línguas de fogo que a paixão deixa cair sobre a pele macia dos corpos clausurados nos castelos de areia - havia comeres e beberes e claro, havia cinto, danças de corredor, eu na frente em passos apressados como um louco – e nunca deixei de gostar dele)
E uma faca de prata, ao lado da chávena envenenada com o resto do teu café, o copo com os botões de rosa, e eu pergunto-me
(porquê?)
Pergunto-me se em vez de uma despedida no meio de uma feira de velharias, pergunto-me, se eu tivesse comprado o barco de papel, que sobre uma mesinha estava à venda por uns míseros Euros, - vê melhor, pior ou igual do que via com as lentes anteriores? - e sinceramente, não sei, não sei senhor doutor, mas é uma verdade que a letras miudinha de alguns livros, mesmo com estes óculos, não as consigo ler,
(e o meu sonho era viver dentro de um barco).

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha