foto: A&M ART and Photos
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Foi a última vez que escreveste o meu nome,
escreveste-o, continuas a escrever-me no silêncio dos Deuses e
fazes-lo como se eu ainda estivesse vivo, e deixei de estar, e deixei
de pertencer ao musgo ensonado que cresce no tronco dos pinheiros
mansos, recordo-me de apanhar pinhões debaixo de um pinheiro
ranhoso, rabugento, e tinhoso, que habitava no recreio da escola,
sentava-me sobre as pedras em repouso, e fazia com que outras se
movimentassem, às vezes, errava o alvo, partia um dos vidros da
janela da escola, quando chegava a casa
(faziam-me uma festa, havia banda de música, havia
comeres e beberes e claro, havia cinto, danças de corredor, eu na
frente, e na minha peugada, o meu pai tentando acertar-me mas como
sempre, eu parecia invisível, e como sempre, eu atravessava as
paredes, e bastava um simples olhar...)
Sobre a secretária, quando chegava a casa, os
destroços de um amor, pensava-se que eterno, mas nem as palavras são
eternas, nem as pessoas, nem os corações, e procurava entre o
desalinhado sossego dos objectos destruídos pela intempérie, ainda
deixaste restos de café dentro de uma chávena envenenada pela
presença das pérolas e de uma caneta de tinta permanente
(procurei o teu nome em vão, não respondias, e
entrei em cada compartimento daquela casa assombrada, para finalmente
perceber, que... tu tinhas partido, definitivamente, como partem os
pássaros depois da Primavera, procurei, e procurei, e encontrei
sobre a tua secretária os teus restos mortais, aqueles que já
referi e mais uns botões de rosa dentro de um copo com água,
sentia-se no ar o perfume, a essência, a fragrância das palavras
deixadas ao acaso dentro de uma carta de despedida, ou simplesmente,
de uma declaração, - De amor? - e enquanto fixava o olhar na caneta
de pinta permanente, como se fosse um filme, um conjunto de imagens
construíam-se-me e do nascimento dela, passando pelas ressacas da
falta de tinta, dos textos e textos em meio por meias palavras,
porque ela, simplesmente se recusava a escrever, a enquanto uma mão
de menina a segurava, enquanto uma mão de criança bati-lhe o aparo
sobre a madeira da secretária, e o texto, aos poucos, esmorecia, e
morria, e deixava de existir, a a menina, e a criança, ambas,
sorriam..., sorriam como nuvens de finíssima adrenalina)
E uma faca de prata, ao lado da chávena envenenada
com os resto do teu café, o copo com os botões de rosa, e eu
perguntava-me – De que me serve esta faca de prata? -
correspondência pouca recebo, do correio electrónico, não é
necessário abri-lo com a ajuda de uma faca de prata, e até os
livros modernos, esses, já nem é necessário abria-lhes as páginas
como o fazia quando adolescente..., e parece que tudo se perdeu, e
parece que até o cheiro do papel não é o mesmo cheiro do papel de
antigamente, os jornais, não têm o mesmo cheiro, e ainda recordo
quando após folhear algumas das páginas, percebia-se
posteriormente... - De que me serve esta faca de prata? - percebia-se
que tinha os dedos e as mãos com o cheiro da tinta do jornal e de
cor negra, hoje, hoje procuro-te, abro cada compartimento, até já
fui ao sótão, mas de ti, nem sombra, nem o perfume, nem o som do
teu colar de pérolas quando regressavas a altas horas da madrugada,
sentavas-te na tua secretária, rabiscavas algo no teu caderno e
depois, depois de pegares num dos botões de rosa e o cheirares,
tiravas o colar de pérolas, e poisava-lo sobre a secretária, e
nunca, nunca esqueci esse som melódico e poético,
(desacreditado que dos muros de xisto as folhas de
videira cessem de crescer no olhar da melancolia, e se alicerce a
tristeza nos gonzos desmiolados das portas e janelas com a boca
virada para o mar, acreditava que as madrugadas intermináveis, não
morriam, e morreram como morrem as pequenas línguas de fogo que a
paixão deixa cair sobre a pele macia dos corpos clausurados nos
castelos de areia - havia comeres e beberes e claro, havia cinto,
danças de corredor, eu na frente em passos apressados como um louco
– e nunca deixei de gostar dele)
E uma faca de prata, ao lado da chávena envenenada
com o resto do teu café, o copo com os botões de rosa, e eu
pergunto-me
(porquê?)
Pergunto-me se em vez de uma despedida no meio de
uma feira de velharias, pergunto-me, se eu tivesse comprado o barco
de papel, que sobre uma mesinha estava à venda por uns míseros
Euros, - vê melhor, pior ou igual do que via com as lentes
anteriores? - e sinceramente, não sei, não sei senhor doutor, mas é
uma verdade que a letras miudinha de alguns livros, mesmo com estes
óculos, não as consigo ler,
(e o meu sonho era viver dentro de um barco).
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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