sábado, 5 de julho de 2014

Coração de areia


Sacia a minha solidão que habita em teus lábios de pergaminho,
desenha os meus beijos na face oculta da lua,
não tenhas medo de amar, coração de areia,
sacia-me enquanto eu for a madrugada recheada de gaivotas,
bandeiras suspensas nos mastros invisíveis que só a noite percebe,
e escreve,
no meu corpo as tuas mágoas, os teus medos...
os rochedos das tuas pálpebras...

Sacia a ninha tristeza,
abraça-me quando descer sobre a relva de granito as lágrimas da Primavera,
um livro que que se encerra,
morre...
uma página esfarrapada pelas garras do amor,
há poemas e palavras,
que... que desconheces,
e que são o teu corpo com asas de silêncio...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 5 de Julho de 2014

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Sabias dizer-me


Sabias dizer-me a cor dos teus olhos,
nunca esqueceste o cansaço dos meus cabelos,
sabias... e deixaste de saber...
o que escrevo,
o que quero escrever,
sabias como eram as madrugadas de Agosto num jardim clandestino,
tão pequenino,
tão...
e deixaste de perceber os silêncios do amanhecer,
sabias dizer-me a cor dos teus olhos,
sabias,
sabias e tinhas medo da minha voz trémula,

Desfocada no espelho de um quarto escuro...
sabias,
e não me querias dizer...
como eram belas as gaivotas do Tejo,

De como eram belas as ruas desertas de Belém,
sabias a cor dos teus olhos...
… e não sabias... e não querias saber...
de como eram belos os barcos que vociferavam palavras nas noites frias de Inverno,
que inferno,
saberes...
e não me quereres dizer,
que... que havia uma janela pintada de veludo,
que... que havia uma clarabóia sobre o esqueleto do Oceano,
tu sabias,
tu sempre soubeste...
que eu, que eu era construído em ferro fundido dúctil.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 4 de Julho de 2014

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Beijos de uma caligrafia triste


Um fino lençol de areia embrulhava a triste caligrafia,
nas minhas pálpebras de papel um poema crescia,
e sentia-me absorvido pelo silêncio do algodão vestido de chuva,
uma vezes sentia o cansaço disfarçado de melodia,
outras... outras eu sofria,
cantava,
chorava,
inventava beijos de alegria,
e de alegria não tinha nada,
a caligrafia derramava-se nas encostas íngremes da montanha adormecida,
e o papel onde eu escrevia...
amarrotava-se... e... e ardia...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 3 de Julho de 2014

A caixinha envidraçada, suspensa na madrugada, sentia-se o silêncio no espelho da mágoa, havia entre nós o sentimento de que nunca mais regressávamos, partíamos..., e
Sentia-me escuro, desabafava com o meu pai, e ele, não tenhas medo, não, meu filho,
Dentro da caixinha trazíamos pedacinhos de saudade, poucos tarecos e amanheceres de nada, partíamos para o desconhecido, partíamos sem sabermos o que nos esperava, lá longe, ma Metrópole,
Pai? Sim filho, o que é... essa coisa de..., Metrópole, meu filho? Sim, sim pai, é a nossa terra, responde-me ele secamente, não percebi, pois sempre ouvi (com todas as letras) dizer que a minha terra era Angola, não...
Não essa Metrópole, não essa coisa de..., deixa lá pai, não faz mal, depois explicas-me, e cresci, e vivi, ou melhor, fui vivendo sem perceber o significado de Metrópole, esta angústia, este desassossego, sentia-me enforcado numa sombra de uma das mangueiras do meu quintal,
Sentia-me escuro, desabafava com o meu pai, e ele, não tenhas medo, não, meu filho, e eu perguntava-me por era tão grande aquele paquete de papel..., pai? Sim, filho, não tenhas medo, meu filho, não tenhas...

(…)


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 3 de Julho de 2014

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Poemas molhados


Este Oceano que me alimenta,
este cansaço que me habita, e se afugenta,
este corpo que desenha um abraço na janela que levita,
estes lábios secos, trémulos... e desorientados,
estes poemas molhados,
que a tua mão aquece,
e merece,
a minha mão sentida, a minha mão sofrida,
este Oceano que me engole,
e come como se eu fosse uma bandeira,
ai, ai este corpo que não dorme,
este corpo esquecido nos cabelos de uma ribeira...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 2 de Julho de 2014

terça-feira, 1 de julho de 2014

A estrada


Observo num espelho curvo a implosão do meu desejo,
há uma estrada que circula nas minhas veias,
sentamos-nos,
e tu, tu ignoras a palavra mágica retirada de uma nuvem sombreada pelo amor,
pergunto-me o significado de...
amor?
não, não... pergunto-me o significado de pecado,
quando a implosão do meu desejo se desvanece,
adormece sobre ti...
e o espelho acompanha-nos até à morte,
há uma estrada que és tu quando me abraças,
ou... abraçavas,

Há uma estrada salpicada de mar,
e palavras indefesas que procuram a noite,
uma noite tranquila, uma noite transatlântica...
parva,
romântica...
e pergunto-me o significado de...
amor?
não, não... pergunto-me o significado de voar,
quando os teus lábios se masturbam na claridade do luar,
há flores,
há... essa maldita estrada,
tão longínqua... e... e cansada.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 1 de Julho de 2014

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Regresso


Regressei,
poisei o pé na gare comovida pelo meu sorriso,
olhei,
ninguém à minha espera,
... quem poderia esperar por mim!
havia pássaros ao redor,
havia flores no jardim contíguo à estação,
olhei,
e nem uma míngua lágrima clandestina a voar sobre o meu peito,
havia um cão desnorteado,
talvez recheado de fome,
pancada... e carente de amor,

Toquei-lhe,
olhou-me,
e acolheu-me até hoje,

Regressei,
trazia nos ombros as almofadas do cansaço,
tinha nas mãos o silêncio dos morcegos e envenenados pela insónia,
toquei-lhes,
olharam-me,
e acolheram-me até hoje,
hoje,
hoje tenho um cão,
e... e meia dúzia de morcegos,
o cão envelheceu, o cão... o cão parece os gonzos de uma porta peneirenta,
de uma porta sem saída,
e os morcegos... esses... também eles carentes de amor...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 30 de Junho de 2014