terça-feira, 6 de agosto de 2013

Cidade sem janelas

foto de: A&M ART and Photos

Meus dias passados
Perdidos num cubo de gelo
Procurando lábio lânguidos
Quando me dizem que é manhã…
Durmo sem o saber
E não acredito que o seja
Dizem-me que morri em mil novecentos e oitenta e nove…
Acredito que sim
Porque deixei de ver o mar
E as pontes de aço
Perdi barcos
E gaivotas
Amigos alguns
Perdi
Encontrei tempestades de areia
E silêncios profundos
Solidões de vidro
Meus dias passados
Perdidos
Num cubo de gelo
Numa cidade sem janelas
Sem portas…
Como asas mortas de andorinhas.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

o chocolate Pôr-do-Sol

foto de: A&M ART and Photos

não sabes que o tempo mata
e a saudade vem
como a chuva depois da tempestade
como o vento velozmente nos teus lábios,

não
não sabes que
mata
o tempo
a saudade
a insónia
não sabes que da noite vêm as tuas mãos acariciar a minha face em migalhas de xisto
triste
vadia
perdidamente só como as árvores quando dormíamos na floresta dos sonhos
depois de fazermos amor
tínhamos a miudinha chuva onde nos embrulhávamos como lençóis de água salgada,

galgando muros
terrenos indomáveis
silêncios
amores
e barcos
fundeados na paixão fumegante dos cigarros invisíveis,

(não sabes que o tempo mata
e a saudade vem
como a chuva depois da tempestade
como o vento velozmente nos teus lábios)

Deitas-te sobre a areia vermelha
desenhas-me no chão húmido em finos traços de carvão
há em ti uma tela esbranquiçada
doente
falida
amada,

amas sei que amas
e sofres
porque sofres
porque és o mar
desenhas-me e deitas-te sobre a areia vermelha
iludes-te
e desiludes-me
como uma criança sem perceber que o Pôr-do-Sol é de chocolate...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

E bebe até voar sobre a cinza da cidade ardida

foto de: A&M ART and Photos

Oiço-te na clandestina cidade, os edifícios arderam, e todos os habitantes são neste momentos sombras, pedaços de escuridão vagueando junto às ruas despidas, nuas, hirtas, como vulcões de areia nas ranhuras da paixão,
Oiço-te e finalmente vou, como um esqueleto transeunte formatado em compacto Linux, olho-me no espelho, provavelmente o único objecto que restou dentro da casa onde habita, por favor, olho-me enquanto te oiço, e cada vez mais percebo que começas a não existir, que és uma cidade morta, uma cidade sem peixes, sem pássaros, uma cidade apenas habitada com Rosas Bravias e mais nada,
Paixão,
O amor, tal como a cidade
Ardem,
A paixão, oiço-o dentro de mim a vestir-se de madrugada, descerra as persianas do desejo, abre a janela dos lírios encarnados, oiço-o, oiço-o voluntariamente a descer do quinto andar em queda livre, chega ao chão, apenas migalhas, cinzas e pequeníssimos papeis que sobejaram do suicídio dele, o louco marido, o apaixonado poeta que inventava cidades para viver, e vivia, dormia nelas, e depois
Ardem,
E depois
A paixão,
Depois, nada, ninguém, hoje, hoje apetece-me mandar foder a literatura e a poesia, e as musas inspiradoras, hoje, hoje apetece-me vandalizar todos os livros que eram meus e deixaram de o ser, hoje
E depois?
Ilumino-me, e oiço-o dentro de mim, ele, ele veste-se pela madrugada, sai de casa, desce a calçada e entra na primeira tasca que a madrugada inventa só para ele, senta-se numa cadeira simples, coloca os cotovelos sobre uma mesa simples, provavelmente da mesma família do que a pobre cadeira, sobre a mesa uma velha toalha em plástico, e bebe, e bebe até voar sobre a cinza da cidade ardida,
E depois?
A paixão, o amor, o falso amor, a velha paixão, a saudade de uma cidade ainda não nascida, as escadas para os sótãos sem janelas, os crucifixos mergulhados em oceanos de luz, e das lâmpadas, eles, eles vêm-me buscar, carregam o meu corpo como se fosse um pedaço de rocha, a neblina que se funde como o gelo no Inverno de brincar, trazia calções invisíveis com suspensórios, sandálias de couro já bastante diluídas nas chuvas torrenciais das tardes de ninguém, e ninguém
E depois
E depois,
A paixão?
(Depois, nada, ninguém, hoje, hoje apetece-me mandar foder a literatura e a poesia, e as musas inspiradoras, hoje, hoje apetece-me vandalizar todos os livros que eram meus e deixaram de o ser, hoje
E depois?)
Sou feliz assim, deixem-me, deixem-me... e... depois? A paixão, os barcos a romperem quilhas sobre os telhados de Belém, ao longe uma sanzala arde, o zinco funde-se e mistura-se com o capim envelhecido, eu, eu brinco como um pequeno arco (aro da roda de uma bicicleta), e oiço-o, oiço-o dentro de mim, ele sofre, ele chora, ele amava, ama, apaixona-se e morre, como as estátuas, morre sobre os cortinados da cidade ardida, pessoas, corpos amontoados sobre as cabeças de xisto, a noite leva-a, e eu, eu feliz,
Hoje?
Hoje, hoje não acredito, acreditava, acreditava nas lâmpadas de néon que as cidades vomitavam nocturnamente dentro dos lençóis de esperma, havia sempre um livro entre nós, havia sempre uma personagem a espiar-nos, e cansei-me, e fartei-me,
Feliz,
Hoje?
Fartei-me, cansei-me, e perdi-me em todas as cidade onde vivi.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

A cidade dos desejos

foto de: A&M ART and Photos

Tem você os olhos mais lindos da cidade dos desejos
Tem você
Sem perceber que tem
O sorriso mais elegante e belo da rua dos beijos
Sim
Tem
Tem você o corpo de floresta selvagem vagueando nos gemidos da noite
Suspenso nos seus loiros cabelos,

Tem
Sim
Tem você,

Sem o perceber
Sem o saber
Tem você os lábios mais desejados das minhas mãos poéticas
E no seu corpo
Tem
Tem você
Sem o saber
Sem perceber
A mais bela folha de papel
… Para eu, para eu escrever,
Acariciar com os meus dedos de tinta permanente…
Tem, eu sei que tem,

Tem você o corpo meus versos em pedaços palavras
Eu sei que tem
Sim, você tem,
Os lençóis de porcelana sobre a sua pele de maré acordada,

Tem, tem você…
O meu corpo reescrito pelas minhas palavras…
Sem o perceber
Sem o saber
Sim, sim você… tem
Tem em mim a claridade da manhã como um cortinado de areia… esquecido no mar.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 4 de agosto de 2013

Rosa Bravia imaginada por um poeta

foto de: A&M ART and Photos

Rosa bravia como castelos de areia envenenados pela chuva da madrugada
silêncios de nada quando das mãos sobejam as porcelanas poéticas lágrimas nocturnas
rosa bravia como tu quando acorda a noite e dás-te conta que ficaste sentada
sobre uma cadeira imaginária
tempos infinitos
tempos... tempos sisudos,

Dizias-me que eras tua e que vivias no meu jardim
tínhamos um lago invisível com peixes de brincar
tínhamos flores, muitas flores...
mas rosas, como tu, nenhuma, nenhuma no meu jardim
construído apenas para te acolher
e embrulhar-te num lençol de água doce,

Despias-te
e brincava com as tuas pétalas de vinil voando sobre as melancólicas avenidas
que uma cidade louca
(louco és tu, talvez o penses em baixinha voz)
que uma cidade louca inventava para nós
e ias à janela do Adeus e lembravas-te da saudade e dos amigos loucos poetas,

Rosa bravia tu
comestível e amarfanhada entre os dedos da paixão
aos sons melódicos da tua respiração
ouvia-te os sussurros de mim
atirando-me as palavras sisudas
que as abelhas em cio deixavam sobre a tua pauta poeirenta e adormecida pelo cansaço de ti...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

E que aos Domingos voávamos sobre as árvores

foto de: A&M ART and Photos

Dia de voar sobre as árvores..., estava escrito no teu braço esquerdo, li, fiquei indiferente, regressei e percebi que sim, que era Domingo, e que aos Domingos voávamos sobre as árvores,
E que dos teus olhos Margarida brincavam as pálpebras encarnadas do desejo, cerrei os meus olhos, e vi, começaste a levitar em pedacinhos milímetros de cada vez, e quando percebi, pouco importava já, tinhas-te diluído com a neblina acabada de nascer,
Dia de voar?
E vi, e aos poucos entraste nos meus olhos, despias-te, e vagueavas como uma andorinha de íris em íris..., até que acordei, abri os olhos, e tu, não estavas, e tu, não existias em mim..., dobravas-te sobre a neblina, o sombreado teu corpo mergulha no espelho do calendário suspenso na parede da cozinha, cheiravas a naftalina, a roupa despida numa tarde de Domingo, dia, de voar,
voar?
Sim, minha querida, sim, voar sobre a planície dos arbustos domésticos, voar sobre as árvores, porque
Hoje é Domingo,
Porque uma criança em birra não come a sopa, porque um palhaço no circo, triste, deixa de fazer rir, porque...
Hoje
Domingo,
Porque vejo nos teus olhos o desejo de seres desejada, porque invento histórias quando as nuvens descem sobre nós, eu, e tu, e lá fora a mesma criança que muito há pouco fez uma enorme birra devido a não querer,
Não quero, não gosto de sopa,
Tu, tu esqueceste-te de mim, tu cerraste os lábios e proibiste-me os beijos, tu, tu cerraste os olhos e proibiste-me os olhares Primaveris de quando passeavas nos jardins do Palácio, Belém fervilhava, fervilha, como tu, quando te despes, como tu, quando te desembaraças de todas as tuas roupas e me dás as mãos e
Domingo,
Dia de voar sobre as árvores..., estava escrito no teu braço esquerdo, li, fiquei indiferente, regressei e percebi que sim, que era Domingo, e que aos Domingos voávamos sobre as árvores, e que hoje vamos começar a voar sobre as árvores, sem roupa, apenas tu, apenas eu, e um dia, não Domingo, um outro dia
Vais, sim, acredito, um outro dia vais tocar para mim, só para mim,
Um outro dia, os sons melódicos do teu piano e as gotículas de suor da tua pele poética, não Domingo, não, um outro dia, tu, tu vais tocar só para mim, e eu, e eu poisarei a minha cabeça sobre o teu ombro, inventarei uma tempestade para ficares dentro da sala, eu, tu e o teu piano, Domingo, não
Domingo não,
Talvez um dia, talvez uma bela manhã, talvez numa feliz noite de inverno, livros, o piano, tu e a lareira..., mas
Domingo?
Mas...,
E vi, e aos poucos entraste nos meus olhos, despias-te, e vagueavas como uma andorinha de íris em íris..., até que acordei, abri os olhos, e tu, tu não estavas, e tu, não existias em mim..., dobravas-te sobre a neblina, enrolavas-te como uma rosa bravia, ias à janela e ficavas a olhar as notas musicais dos teus dedos a despedirem-se do Domingo...
Não, Domingo, não, não Domingo,
E sorrias no prazer dos pássaros, antes, muito antes do teu corpo silenciar-se na nocturna insónia em pequenos desejos masturbais...
Desejar-te desejo, como às palavras ainda não escritas, soltas e vagabundas...
Domingo?
Não, não Domingo.

(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Um tonto peixe procurando o amor debaixo das algas

foto de: A&M ART and Photos

Lias-me nos esconderijos de cartão
quando a varanda voava sobre os olhos dos telhados de vidro
lias-me no reflexo do espelho vadio que habitava nas tuas mãos
e quando pegavas em mim
folheavas-me como se estivesses a saborear a manga adormecida
e acabada de ser escrita,

Lias-me como se eu fosse
sou
talvez... um pássaro apaixonado pelo vento
e pelas árvores comestíveis dos jardins da insónia
lias-me e eu não percebia que tinha palavras em mim
dentro do meu esqueleto de papel,

Lias-me como um tonto peixe procurando o amor debaixo das algas
e de verso em verso
descíamos as escadas da dor
embebia-te e embrulhava-te nas canções clandestinas dos rochedos de amar
vivíamos parecendo flores em plástico
que as doiradas abelhas comiam... e deixavas de pertencer à minha biblioteca,

Morrias
ardias na fogueira dos cigarros infestados pelas malditas ratazanas que habitavam a caserna tuas coxas...
morrias e lias-me como se não existisse amanhecer
madrugada
palavras reescritas nos teus silêncios seios com desenhos por pintar
e imagens escurecidas e inabitáveis nas nossas vidas...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

sábado, 3 de agosto de 2013

Empastelados corações ofegantes como canções de amar

foto de: A&M ART and Photos

Um corpo de açúcar que se derrete com a luminosidade das palavras, um corpo de estrelas voando sobre a Primavera das gaivotas cansadas, um corpo, belo, esbelto, poético, um corpo de açúcar com um olhar nocturno caminhando junto ao cais das esmeraldas adormecidas, um corpo em açúcar, desejando ancorar às amarras do silêncio...
Saboreavas as amêndoas escritas no chocolate da manhã, lias os poemas inventados e que em pedacinhos de sombreados papeis, apareciam no teu café, mexia-lo, e com a colher de prata, retiravas-los, e colocavas-los na borda do pires com floreados tristes, tristes, tão tristes, como as lâmpadas das árvores sem rosto, quando o olhar se esconde dentro do xisto, galgando socalcos, até caírem no rio,
Trazias contigo um lápis de espuma com que escrevias no teu corpo de açúcar as bolas de sabão que uma alegre criança lançava no vento de pétalas amarelas, brincavas nos olhos das gaivotas cansadas, gritavas sonoros gemidos de sílabas perdidas sobre a mesa-de-cabeceira onde poisava um livro com muitas folhas, sem palavras, muitas folhas desprovidas de vida, sem desenhos, sem gemidos, sem uivos, um livro como o teu corpo de açúcar, por vezes... recheado de incenso, por vezes triste, triste como os floreados teus seios, como tristes, triste as tuas mãos saboreando as uvas embalsamadas pela sombra do Douro, curvilíneo o teu desejo, em pequenos círculos de oiro, ias inventando o prazer da leitura, construías abraços com pequenas lágrimas das velhas videiras, adormecidas, embebidas no suor do teu corpo
De açúcar?
Empastelados corações ofegantes como canções de amar, sítios dispersos, algibeiras envenenadas pelos míseros cêntimos de um dia de trabalho,
Açúcar?
De, pensava eu,
Mas veio o vento, levou-te, misturou-te com a água que batia nas vidraças de pano, cortinados de papel chorando a tua partida, o espelho, esse, deixou de redesenhar o teu corpo em açúcar, e como uma criança, subiste as escadas do castelo de areia, onde habitas e te escondes, e vives... como uma
Não
Como uma pequena esfera do tamanho de uma cereja, os teus lábios saciavam-se com os fluidos das abelhas com asas de borboleta, e diziam-se na tua rua
Ela, tão bela, e de açúcar,
E de areia, onde habitas, no teu castelo junto às rochas dos petroleiros..., e, e ela, tão bela, e de açúcar, ela.

(Não Revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Fervíamos como líquidos amargos...

foto de: A&M ART and Photos

Fervíamos como líquidos amargos na imensidão dos botões de rosa, alguns bravios, outros, outros mórbidos, outras..., outros, outros caminhando sobre as gaivotas floridas das noites embriagadas, havíamos combinado não falarmos mais nesta horrível despedida, levantarmos âncoras, recolhendo corrente, motores a diesel a trabalhar, e aos poucos, outros, o rebocador deslizava suavemente sobre a tua pele de seda, começávamos a perder de vista os edifícios alicerçados às tuas coxas rochosas, e aos poucos, os teus mamilos começavam a entrar no esconderijo junto à sanzala da saudade, entrávamos, e no pavimento térreo uma colcha de palha onde nos deitávamos, onde dormíamos, comecei a deixar de ver-te, comecei a escrever no zinco teus cabelos, porque o vento tinha zarpado, outras, outros
Fervíamos,
Outros espiavam-nos juntos às bananeiras com quatro cadeiras e um círculo de sombra, fervíamos um no outro, e outros, e outras, aos poucos apenas o silêncio do teu corpo fervilhando entre os meus dedos, outros, e outras, aos poucos o teu púbis vulcânico descia a montanha do Adeus, e cada vez mais longe
Fervilhando,
Fervíamos,
Deixávamos os meninos em volta de pequenas poças de água, tinha chovido, a terra cheirava a fogo, e o céu começava a clarear como acontecia com as janelas da velha barcaça que nos levava até ao paradisíaco Mussulo, eu, eu amava-o, e tu, tu apenas encolhias as pernas, e sobre ti um lenço de desejo te absorvia, flutuavas como uma abelha dentro da cubata, rodavas em pequenos círculos trigonométricos, e dos teus lábios um líquido amargo com sorriso de cosseno desenhava-te na face esquerda uma parábola, a equação descia-te até enrolar-se nos teus tornozelos de areia branca, palmeiras e outros, e outras
Fervilhando,
Fervíamos,
E outras melodias esperavam no cais pelo desejado embarque, deixei-te para nunca mais poisar-me sobre ti, voando, eu, eu ainda tentei..., mas caí sobre o Oceano, mergulhei acreditando encontrar-te lá muito no fundo, mas
Fervilhando,
Pedras e nada mais,
O pôr-do-sol era triste, fervilhavas nos meus longos dedos, e os teus gemidos alimentavam todo o espaço vazio da cubata, não tínhamos sequer onde poisar uma gotícula de sémen, não tínhamos sequer onde deixar suspenso na madeira misturada com zinco o crucifixo que tínhamos trazido do outro lado da cidade, antes de partirmos, antes de te deixar sobre o cais..., e quando percebi
Fervilhando,
Pedras e nada mais,
Percebi que tinhas desaparecido entre o cacimbo e a saudade, percebi que tinhas zarpado como a nossa velha barcaça, procurei por ti, inventei desculpas, cheguei a descer às profundezas do Tejo, entrei em Cais do Sodré, bebi, embriaguei-me, dancei sobre mesas e cadeiras, cambaleei até Belém, atravessei os carris e sentei-me junto ao rio..., fervíamos como líquidos amargos na imensidão dos botões de rosa, alguns bravios, outros, outros mórbidos, outras..., outros sem vida, e nada, e ninguém, nem sequer um simples peixe... para me informar do teu paradeiro, percebi que a nossa cubata tinha ardido, anos mais tarde, percebi que o teu corpo tinha crescido, mudado de forma, percebi que estávamos velhos, como o espelho da casa de banho, quando hoje me olha e diz-me
Fervilhando,
Fervíamos,
E eu, eu... no cais pelo desejado embarque...

(Ficção – Não Revisto)
@Francisco Luís Fontinha

tens de ti o meu pobre corpo desleixado

foto de: A&M ART and Photos

Tens de ti os sorrisos despedidos pela madrugada
dormes solenemente sobre a calçada
tens de ti os vidros das gaiolas onde brincam as gaivotas de aço
dormes e amas e desejas

tens de ti as algas clandestinas do silêncio mar...
dormes
vives
tens de ti o meu pobre corpo desleixado
sonolento
despenteado
e dormes
e amas como amam as árvores dos jardins imaginários
tens de ti em mim as mãos sem os dedos que poisavam nos teus cabelos cinzentos
amar os beijos quando voam sobre os angustiados braços desalentos...
cobrindo-te e escondendo as tuas lágrimas
que tens em ti de ti os meus pedaços lenços

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó