Sou eu. Sou eu, o silêncio suspenso
nos teus lábios de acrílico suspiro, a madrugada pincelada na tela inventada
pela noite, regressam as sombras dos automóveis cansados, quando todas as
ruelas da cidade, desenhadas pelo luar, são apenas sombras, manhãs
desesperadas, corpos embalsamados, esqueletos de papel semeados nos campos
marítimos do desejo,
Amo-te.
Sou eu, a claridade das tuas mãos
quando acariciam o meu rosto de xisto, deitado sob a clarabóia do amanhecer,
Um barco, meu amor,
Um barco deitado sob a clarabóia do
amanhecer, os suspensórios tristes que pegam nas calças calcinadas pelo vento
da manhã, meu amor, um barco de espuma, um lençol de vómito descendo a calçada
em direcção ao rio, lá longe,
Amas-me?
Um pequeno alfaiate desenhando
sílabas na areia do Inferno, automóveis cansados que se apião nos apitos
nocturnos da insónia, valha-me meus, menina,
Sim, meu amor,
A menina é tão bela, como o
silêncio de todas as esplanadas, no Verão, antes de abrirem as cancelas da
solidão, pego no teu olhar, imagino um carrossel de sémen brincado no sótão do
homem de negro, dos olhos, a venda espelhada dos fins de tarde, nem mais, uma
criança grita pelo papel vegetal que alimenta a mão do artista,
Então os desenhos?
Estão quase, repentinamente escreve
ele no muro da imaginação, olho-te e, escrevo-te, entre parêntesis e pontos de
interrogação,
O texto, meu amor,
O texto constrói-se na tarde,
invento meninos de chumbo perfilados na avenida, todos de máscara, como os
espantalhos de Carvalhais, amanhã
Amas-me?
Amanhã todos os santos são estátuas
de sofrimento, altares de espuma esperando o regresso do comboio, o sem-abrigo
procura sombras na imensidão da cidade, e tu, meu amor
Amanhã,
Abrem-se as cancelas do desejo,
existe em ti o infinito amanhecer, descalço, como medo de amr, corre, corre em
direcção ao mar, porque
Amanhã?
Sim, porque amanhã a noite será uma
jangada de vidro no silêncio dos rochedos enamorados pelo abraço.
Sempre em ti, este cansaço de amar.
Romântico amanhecer.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 09/08/2020