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quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

No sorriso de uma criança

 Às vezes

O sorriso de uma criança

Esconde as lágrimas de uma mãe.

 

E quantas vezes

Muitas vezes

Uma mãe inventa sorrisos na cara

Escondendo as lágrimas e a tristeza

Para que uma criança não saiba

Nunca saiba o que é a pobreza.

 

Muitas vezes

Às vezes

Uma mãe não se suicida

Porque vê uma criança

Uma criança feliz

Contente…

Uma criança com vida.

 

E tantas vezes

Algumas vezes

Eu percebia que a minha mãe chorava

E confrontada…

Me engava

E explicava-me que o dia estava tão belo!

E meu Deus…

Como poderia o dia estar tão belo

Se chovia torrencialmente

E tínhamos o frigórico sem nada…

 

Muitas vezes

Às vezes

No sorriso de uma criança

Acorda a manhã nublada,

 

E muitas vezes

Às vezes…

Uma manhã nublada

Pode ser o sorriso de uma criança

Quando essa pobre criança é amada.

 

 

 

Alijó, 22/12/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 11 de dezembro de 2022

Poucos dias um dia

 



Perguntavas-me o que eu queria ser

Um dia.

Olhava-te

Olhava-te e fixava o meu olhar no céu

E nunca tive coragem de te responder;

E tivemos muitos dias

Só eu e tu

Só tu e eu

E mesmo quando te vi a voar

Sobre as nuvens envenenadas da tristeza

Eu

Eu não tive coragem de dizer-te

Apenas

Que não queria ser nada

Ninguém.

 

Mãe

Simplesmente não quero ser nada

Ninguém;

Percebes?

 

Podia ter sido muita coisa

Umas boas

Outras más

Poderia ter sido estilista

Carpinteiro

Pedreiro

Agricultor…

Não

Nunca gostei da agricultura

Poderia ter sido serralheiro

Motorista não

Não

Nunca gostei muito de automóveis

Camiões

Não saí aos meus avós e pai

Eu era mais barcos

Poderia ter sido tanta coisa…

 

E hoje escrevo

E enquanto escrevo

Sei que não sou nada

E enquanto pinto

Nada sei que serei.

 

Também nunca quis ser o que não podia ser

Tão pouco

Se queria ser

E no entanto

Aqui estou

Não sendo nada

Preferindo o nada ao tudo

E mesmo que seja muito

É pouco

É nada.

 

Aquando me olhavas

Eu

O comandante deste navio

Mentia-te;

E enquanto esperavas uma simples resposta minha

Eu

Fintava o olhar

E distraidamente

Respondia-te;

Está tão lindo o céu de Luanda mãe.

 

 

 

 

 

Alijó, 11/12/2022

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Trago-o no peito – o teu olhar

 Às sete e trinta horas da manhã

Num lindo e belo Domingo

De sol e calor

Em Janeiro

Acordaram-me;

Olho-a

Ela olha-me

Ela beija-me loucamente (era a primeira vez que me beijava)

Toca-me docemente

Depois

Pego-lhe no olhar (de quem acaba de dar à luz)

E guardo-o no peito.

 

Trago-o no peito.

 

Sou pastor de um lindo rebanho de palavras

Quase sempre

Ao final da tarde

Levo-as para o pasto

Uma fina e branca folha em papel

Depois

Tenho o final da tarde

E toda a noite

Depois

Regressamos

Ficamos exaustos

Cansados,

 

Dormimos; eu e o meu rebanho de palavras.

 

Às sete e trinta horas da manhã

Num lindo e belo Domingo

De sol e calor

Em Janeiro

Acordaram-me…

 

Acordaram-me para a vida.

 

Pastor de um belo rebanho de palavras

Desde as sete e trinta horas da manhã

Num lindo e belo Domingo,

 

E enquanto as palavras

O meu rebanho

Olham os rabiscos de uma tela minha

Pego na fotografia dela;

E percebo o quão ela me amava!

 

Pego-lhe no olhar (de quem acaba de dar à luz)

E guardo-o no peito,

 

E no peito construo uma escultura de saudade.

 

 

 

 

 

Alijó, 08/12/2022

Francisco Luís Fontinha

(à minha mãe)

sábado, 12 de novembro de 2022

As lágrimas do teu filho

 Mãe

Que trazes no olhar as tristezas do teu filho

E nas mãos

As lágrimas do teu filho

Mãe

Que choras as lágrimas do teu filho

Quando nos olhos do teu filho

Habitam as cinzas das tardes cinzentas

Mãe

Que amas o teu filho

Mesmo que o teu filho amado

Seja um bandido ou um drogado

Mãe

Que tens nas veias o sangue do teu filho

Quando o teu filho

Voa sobre um mar de tempestade

E o teu filho

Se despede de ti

Em saudade

Em saudade

Mãe

Que vendes o sono ao Diabo

Em troca de proteger

O teu filho

E trazes dentro de ti

O cheiro da merda do teu filho

E nunca te cansas

Nunca te cansas dos olhos verdes do teu filho

 

 

 

 

Alijó, 12/11/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 19 de setembro de 2021

Uma morte ausentada

 

Desenhavas com o olhar,

No tecto do silêncio,

Curvas senoidais,

Enquanto me despedia dos teus soluços

E gemidos de dor,

Escrevia na minha mão,

A equação da saudade.

Apetecia-me fugir,

Ser um covarde e,

Correr,

Em direcção ao mar.

Apetecia-me gritar,

Não ser covarde e,

Cerrar os olhos,

Penhorando o meu olhar.

Levemente,

Levantei a minha mão alicerçada no teu peito,

E, aos poucos,

Olhava pela janela,

Aberta para a tua viagem,

Os pássaros nocturnos da solidão.

Sabia que o fim,

Em tudo,

Era igual,

Ao outro fim ausentado,

No entanto,

Acreditava que me ouvias,

E,

Conseguias pronunciar o meu nome;

O meu nome, que tantas vezes

Escreveste nos céus de Luanda.

(Desenhavas com o olhar,

No tecto do silêncio,

Curvas senoidais)

Senos cansados,

Co-senos envenenados por um qualquer

Triângulo rectângulo,

Que apenas na minha mão,

Naquele lugar,

Silenciado pela morte,

Tinha existência física.

Uma viagem sem retorno,

Como o sono,

Quando um cadáver quadriculado

Morre na lareira do corpo ausentado.

Saí a correr,

Puxei de um vadio cigarro e,

Chorei,

Acreditando na mentira,

Pensando que sonhava,

Sílabas de insónia

E pequenas quadriculas na alvorada.

Acreditando na mentira,

Da noite ausentada.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19/09/2021

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Hoje, um dia de escrever

 

Hoje, triste dia de escrever,

Dia cansado de correr,

Neste Universo despenteado,

Longínquo Oceano de saudade,

Que o tempo não apaga.

Hoje, são palavras entre lágrimas de chorar,

E, canções de brincar,

Hoje, o menino dos calções, corre para o mar,

Senta-se na tua sombra,

E, recorda a espuma dos dias de Luanda.

Hoje, já não sei quem manda,

Se manda,

Se não manda,

Mas sei que hoje,

Todos aqueles que mandam,

Em mim, não,

Sou as palavras murmuradas, por ti, na noite chorada,

São palavras, minha querida, cartas a um filho…

Hoje, triste dia de escrever,

Dia cansado de correr,

Hoje, sanzala esquecida na tua mão,

Quando o Sol acorda sem resolução,

És canção…

És lágrima,

És mãe.

 

 

Francisco Luís Fontinha, 27/08/2020

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

A saudade


Tenho saudades das tuas mãos poisadas no meu rosto,

Quando ao longe, um rio encurvado, dormia na sombra da montanha.

Tenho saudades do teu cabelo, como pingos de chuva, aos poucos, voando pelo jardim.

Tenho saudades do teu olhar, pela manhã, se impregnava no meu olhar.

Tenho saudades do teu sorriso,

E das flores do teu sorriso.

Tenho saudades da tua sombra,

Do teu perfume,

E das janelas coloridas que desenhavas no meu berço.

Tenho saudades do mar,

E dos barcos brincando no mar.

Tenho saudades de uma Luanda quando eu suspenso na tua mão…

Me recusava a caminhar.

Tenho saudades da escuridão,

Da noite,

E da tua canção.

Tenho saudades dos teus papagaios em papel, colorido, como o arco-íris.

Tenho saudades da claridade,

Dos rabiscos que eu fazia nas paredes da nossa casa,

E das mangueiras abraçadas a mim.

Tenho saudades dos aviões,

Dos gelados no Baleizão…

E de outras ocasiões.

Tenho saudades do circo,

Dos palhaços,

E dos trapezistas disfarçados de palhaços.

Tenho saudades, muitas, de ti, minha querida.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

21/11/2019

terça-feira, 26 de março de 2019

Oiço-te


Oiço-te.

Penso nas tuas sílabas quando poisam nos meus lábios,

Oiço-te, a cada madrugada, a cada hora passada,

Quando eu deitado, na esplanada encerrada,

Descanso de pessoal,

E, no final do dia, as palavras embriagadas,

Quebram o teu silêncio,

Como uma fechadura,

Pobre,

Nua,

Oiço-te.

Na vanguarda da noite,

Carregado de cartazes,

Lutando contigo,

Lutando…

Até que um dia, novamente,

Perderemos a guerra,

Já o senti,

Já o vivi,

Mas hoje,

Hoje tenho o prazer de te ouvir.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

26/03/2019

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019


Da tarde emancipava-se a lunar luz do horizonte, tenho lágrimas nos olhos sombreados pela tempestade, como ontem, o limite entardecer que ofusca a madrugada, não sei se acordará em mim o feitiço do entardecer, está frio em ti, tens na mão o silêncio da noite, somos dois,

Perco-me em ti,

Somos dois pássaros revoltados com o orvalho, diariamente sentimos as frestas da sonâmbula rua adormecida, só e triste,

Perco-me em ti,

Triste nos horários invisíveis, a cidade acorda, submete-se ao abismo,

Tenho medo, mãe.

Perco-me em ti, meu amor, desde a infância até hoje, perco-me em ti todas as manhãs quando acordam as árvores do meu quintal, os pássaros, mãe, os pássaros choram por ti, e

perco-me...

E sei que não regressarás mais aos meus braços, e sei que deixarei de escrever nas tuas mãos as palavras adormecidas pela chuva gélida de Inverno, saberás que um dia vou navegar para longe, saberás que um dia serei duzentos e seis ossos em fino pó, como a terra que nos alimenta nas estrelas,

Perco-me.

Da tarde, uma gotícula de tristeza desce o teu invisível cabelo, saberei que amanhã não estás, saberei que amanhã as minhas mãos serão tábuas de silêncio suavemente suspensas no teu rosto,

Perco-me em ti, meu amor,

Sabes, mãe?

Trinta dias sem rumo a navegar nesta barcaça,

Tens medo, filho?

Trinta dias escrevendo nas ondas o teu nome, desenhando o vento nas nuvens dos teus lábios, e, um dia vamos acordar na longínqua Luanda, com palmeiras, com capim e mangueiras...

Tens medo, filho? Não, mãe, não tenho medo da tua sombra ao acordar.





Francisco Luís Fontinha

28/02/2019

domingo, 1 de maio de 2016

Caixotes de recordações


(à minha mãe)

 

Sou um marinheiro sem barco nem porto onde aportar.

Trago comigo a âncora da solidão cravada no coração,

Trago comigo a ausência do destino abandonado,

Sinto-me um velho encravado nas estrelas,

Pegando num livro de um poeta morto; todos os meus poetas morreram…

E pertencem agora aos meus sonhos.

Sou um verdadeiro falso,

Um falso feliz caminhando junto ao Douro,

Descendo os socalcos do teu corpo,

Encurvados na paisagem abstracta do silêncio,

Sou um privilegiado,

Tenho o dia e a noite,

Doce paixão dos mares amargurados,

Dos barcos apaixonados,

Como eu,

Apaixonado pelas tuas palavras,

Não vás.

Tenho nas veias o rio da morte,

A insónia saboreando o suspiro da noite,

Sofro tanto… meu querido,

Os apitos junto ao mar,

Eu menino agachado nas saias da minha mãe,

Via a cidade escurecer,

Desaparecer,

E morrer,

Apenas caixotes de recordações,

E o beijo da minha mãe,

Sou um marinheiro da madrugada,

Um sifilítico cadáver do desejo,

Nos teus braços,

Mãe,

As fotografias dos negros rostos da nossa infância,

As palmeiras que incendiavam o teu amor,

Junto à baía,

Os gritos das serpentes que deixamos nos quintais das outras brincadeiras,

Os pássaros, mãe, os pássaros,

Junto à janela!

 

 

Francisco Luís Fontinha

1 de Maio de 2016

domingo, 8 de março de 2015

(para a minha mãe)


Anoitecia sobre os teus ombros, sombras de sal voavam no teu olhar, como serpentes de papel a brincar numa árvore, eu brinco, tu brincas...
Amanhã?
A luz, os anzóis da tristeza suspensos nos desejos de cristal, não durmo, os sonhos, morrem os sonhos, morrerem as amendoeiras em flor,
E eu,
E eu?
Amanhã, cor-de-rosa, húmidas canções de Primavera nas ilhargas do silêncio, habito, tu habitas e ele
Habita?
Onde, onde?
Ele perdido numa tragédia serrana, a montanha crescia, e ele
Habita,
Anoitecia, e ele caminhava ribanceira abaixo, entra nos picos da alegria... e todo o corpo desenhado, círculos de sangue vagueando nos seus braços, tive medo, mãe, amanhã, mãe, amanhã saberás porque existem os cavalos de areia, aqueles
Como os do Mussulo»
Sim, mãe, sim... como os do Mussulo...


(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 8 de Março de 2015

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


E a doença sifilítica nos dedos do artista, adormece a tela, o poema e a musa do poeta,
Sinto-me... um suicidado cadáver de esperma, um transeunte canalha com suspensórios e gravata, e sapatos de ponta delgada,
Faltam-me as tuas mãos, mãe,
Café?
Viajo na tua saia e percebo que não temos regresso, regressar é um suicídio sem palavras, uma carta escrita, os motivos da tua ausência, as faltas da tua presença na Igreja, sinto-me quando abres a janela do quarto e tenho a certeza que estou vivo,
Bom dia, mãe...
Meu querido filho!
O livro cresce nas ardósias cinzentas da memória,
Que és enigmático, meu filho...
Que sim, minha mãe,
Que sim,
Telefonaram da Rua dos Mendigos?
Para mim, mãe?
A cidade embriagada nas sandálias do pescador, o mar, sempre o apaixonado mar, a paixão azul, do azul literário e poético...,sabes com é, mãe,
Pois,
Sei que semore sonhaste comigo,
Eu?
Sim, tu, mãe,
Quando dizias que aos três anos de idade já voava...



(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 20 de Fevereiro de 2015


domingo, 2 de junho de 2013

Mãe de areia

foto; A&M ART and Photos

Inventavas canções que me adormeciam
desenhavas sombras sobre a minha alcofa com pedaços de papel colorido
olhava-os pensando serem estrelas
ainda hoje confundo-os com as estrelas do céu
e fico sem saber se elas são papeis
ou se os papeis são cores pintadas por ti nas paredes da noite,

Colocavas-me um pequeno rádio a pilhas
em som quase nulo
e dizes-me agora que cintilavam os meus olhos
ficava submerso nos lençóis como um barco de esponja
na banheira de plástico onde me banhavas...
e dos meus ainda não dentes coloridos sorrisos vinham,

Regressavas a mim com o cacimbo em ti
e trazias contigo o cheiro do capim molhado
húmida a terra
sangravam as rochas as lágrimas tuas quando eu deambulava sobre os telhados de areia...
depois... adormecias em pé enrolada no cansaço
e um dia deixaste-me cair e eu percebi que me amavas...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha