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sábado, 16 de setembro de 2023

Os barcos da infância

 S. Martinho do Porto, Janeiro de 1989,

 

Deste quarto, dentro deste quarto, olho o mar e pinto o mar nos meus olhos, antes de adormecer. Deste quarto, onde me escondo, não sabendo porque me escondo, neste quarto pinto o sol no tecto, no tecto deste quarto, e sinto neste quarto, dentro deste quarto, o assobiar dos barcos da minha infância.

Neste quarto, de onde oiço o mar, pincelo o meu olhar com estrelas-do-mar e silêncios de alegria, depois, depois peço ao guarda deste quarto, peço ao senhor António, que liberte todas as serpentes, que dormem neste quarto e não gostam de poesia, como todos os que detestam poesia, que são muitos, que são alguns, não pertencem a este quarto, de onde eu, pela janela deste quarto, sinto o cheiro do mar, e depois,

E depois nada. Fico dentro deste quarto.

Vou à janela deste quarto, puxo por um cigarro, acendo-o preguiçosamente, eu oiço-os

Entre gritos, ao lado deste quarto,

Sem perceberem que dentro deste quarto,

Habito eu, o poeta suicidado por uma bala de medo numa tarde junto ao Mussulo.

Então senhor António, as serpentes?

Sei lá eu das serpentes, menino,

Sei lá eu.

E de dentro deste quarto, nem eu, nem eu, senhor António,

Nem eu.

Neste quarto, de dentro deste quarto, oiço o sorriso das girafas, brincando no capim como se fossem crianças pinceladas de saudade, neste quarto, dentro deste quarto todos os papeis são loucos, todas as palavras são loucas, neste quarto, de dentro deste quarto, todos os Sábados, junto ao rio…

Então o senhor António pensava que as serpentes não sabiam ler?

Sei lá eu, menino,

Sei lá eu,

Nem eu, de dentro deste quarto,

A bala sorriu e caiu no pavimento lamacento. Dentro deste quarto, neste quarto, aos Sábados, oiço o mar, desta janela sem sorriso, enquanto o senhor António se vai travando de amores com as serpentes,

E o menino,

O menino, deste quarto, de dentro deste quarto, deste quarto, dentro deste quarto, olha o mar e pinta o mar nos seus olhos, antes de adormecer. Deste quarto, onde se esconde, não sabendo porque se esconde, neste quarto pinta o sol no tecto, no tecto deste quarto, e sente neste quarto, dentro deste quarto, o assobiar dos barcos da sua infância.

 

 

 

16/09/2023

Luís

Tempestade

 Das sete espadas do inferno

Recebo as cabeças dilaceradas pelo poema em veneno,

Depois, pego em todas as palavras e semeio-as na sombra desenhada pela noite,

Mausoléu do silêncio, vírgula suspensa na tarde,

Das sete espadas, recebo o primeiro beijo da madrugada,

Vestido de negro,

E pincelado de medo.

 

Do rio sonolento, as vozes do inferno, chamam-me e apelam-me…

“que o dia se transforme em noite,

E as estrelas,

Em beijos croché com pedacinhos de sonho…”

Nunca terás as chaves do céu, dizia-me ele antes das sete espadas…

Partirem em direcção ao nada,

Quando o dia se cansa da tarde,

E velozmente,

Suicida-se na mão do Magala que está sentado na Torre de Belém.

 

Das sete espadas do inferno

Recebo as cabeças dilaceradas pelo poema em veneno,

Recebo o livro, recebo a morte,

Depois,

Sento-me e olho pelas janelas do inferno…

A planície vestida de branco,

Com árvores em papel,

Depois,

Sento-me e olho pelo tecto do inferno…

As estrelas vestidas de silêncio

E o sol,

E o sol olha-me,

Puxa-me…

E abraça-me como quem abraça a tempestade.

 

 

 

16/09/2023

Francisco

domingo, 20 de agosto de 2023

Musseques da minha infância

 Podia amar-te enquanto o vento

Leva o que restou da minha vida

Podia odiar-te enquanto o vento me traz novamente à vida

Podia ser eu

Podia não ser eu

Podia amar-te enquanto a Primavera se saboreia com as cerejas dos teus lábios

Podia ser

Podia ser ontem

Ontem podia ser hoje

Hoje podia ser amar-te

Enquanto as cerejas dos teus lábios

São sanzalas de prata

No olhar pincelado de encarnado

Dos musseques da minha infância

 

Podia amar-te nas fases lunares

E não lunares

Das estrelas comestíveis e não comestíveis

Podia amar-te enquanto o vento me traz o que me levou

E me leva tudo aquilo que não quis ter

Podia amar-te dentro deste livro

Neste poema

Nesta cama

Podia amar-te e odiar-te enquanto a chuva se despede de mim

E eu

Dela

Depois….

Depois posso amar-te enquanto o vento me traz aquilo que me roubou

Daquilo

Muito pouco

Que me sobejou

 

 

 

Alijó, 20/08/2023

Francisco

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

O beijo

 Porque morrem,

Meu amor

As flores do teu cabelo,

Porque dançam,

Meu amor

As abelhas que brincam no teu cabelo,

Porque morrem,

Meu amor

As flores e as abelhas e os rios

Do teu cabelo,

 

Porque morre,

Meu amor

O desejo dos teus lábios

Na tua boca,

Porque morre,

Meu amor

Nos teus lábios,

O meu beijo clandestino,

 

Porque morrem,

Meu amor

As estrelas dos teus olhos,

Quando os meus olhos…

São um diamante por lapidar,

 

Porque morre,

Meu amor

Nos teus olhos o mar

E o sonho do eu menino…

Também morre,

Quando em ti…

Acorda o luar.

 

 

09/08/2023

terça-feira, 25 de julho de 2023

Partida do Eduardo

 Acabo agora de saber do falecimento de Eduardo Pitta, escritor, poeta, critico e ensaísta.

Ao Jorge e família os meus sentidos pêsames pela perda.

Um dia, um dia lá estaremos todos…

domingo, 23 de julho de 2023

Marte



Suicido-me com o primeiro sorriso da manhã

Agarro-me ao vento

Abraço-me ao vento

E peço

E peço ao vento

 

Suicidar-me com o primeiro silêncio da manhã

Nas palavras que escrevo

E que lanço

Sobre o papel

 

Suicido-me com o primeiro abraço da manhã

Quando Deus desliga as estrelas

E lança sobre a Terra a alegria

De quem pensa

Que não pensa

Que a poesia

É vida

E que da vida

Suicido-me com o primeiro desejo da manhã

 

Suicido-me com o primeiro olhar da manhã

E que Marte me escuta

E me vai levar

Para as suas planícies

 

Suicido-me com o primeiro grito da manhã

Que na madrugada cresceu

E na minha mão

Depois de me suicidar com o vento…

Morreu

 

Suicido-me com o primeiro lençol de tristeza

Que no mar habita

Sem saber quando é dia

Sem saber quando é noite

Porque se suicidou ele com um beijo

E apenas sabe

E nunca se esquece

Que o poeta se suicidou…

Com a palavra; Amo-te.

 

 

 

 

23/07/2023

Francisco

sábado, 22 de julho de 2023

Poemas do mar

 

Deixei de escrever poemas para o mar

Deixei de desenhar…

Deixei de desenhar para o mar

 

Deixei de ter palavras

Que sempre pertenceram ao mar

Deixei de escrever palavras

Para o mar

Palavras

Que sempre foram do mar

 

Deixei de escrever poemas para o mar

Que sempre pertenceram ao mar

Deixei de ter sono

Que sempre pertenceu à noite

Deixei de escrever palavras

Parvas palavras

Para o mar

 

Deixei de escrever poemas para o mar

Deixei de desenhar…

Para o mar,

 

E mesmo assim,

O mar…

Sei lá onde poisa este meu mar…

Das nuvens cinzentas

Dos poemas de embalar

Das luas e dos tristes silêncios

Que também eles

Sempre foram do mar.

 

 

 

22/07/2023

terça-feira, 18 de julho de 2023

Doce olhar

 Escondes-te no pedacinho de luz do teu olhar

No teu olhar

De doce mar,

Escondes-te no silêncio dos teus lábios

Teus lábios de mel

De mel amar,

Escondes-te na inquietude do teu cabelo

Ao vento

Em poesia,

Escondes-te atrás de uma parede invisível

Enquanto a noite se despede de mim,

Enquanto a noite me proíbe de desenhar o teu doce olhar.

 

 18/07/2023

quarta-feira, 12 de julho de 2023

Milan Kundera, até sempre…

 


Foi através do meu grande amigo Luís Grifo que na minha juventude comecei a ler Milan Kundera.

Foi uma paixão à primeira que me acompanhou até hoje.

Fico triste em saber que Kundera acaba de falecer.

Fica a obra e a saudade das conversas que tive com amigos sobre Milan Kundera.


domingo, 9 de julho de 2023

Sem nome

 Podem eles,

Antes que a Lua se esconda nas tuas mãos,

Escrever nos teus olhos,

Desenhar nos teus lábios…

A paixão dos pássaros,

 

Podem eles,

Roubar todas as estrelas,

E roubar todas as noites…

Que eles vão sempre pensar,

Que eles vão sempre acreditar…

Que o amor é uma coisa complexa…

 

Podem eles,

Podem eles escrever em ti,

A equação do sono…

Em busca da insónia…

Que eles mesmos…

Lançaram ao mar.

 

 

09/07/2023

sábado, 1 de julho de 2023

Sono

 Toco-te,

Toco-te e escondes-te na primeira lágrima da manhã,

Toco-te,

E ausentas-te da minha mão…

Como um pedacinho de sono…

Em direcção ao mar,

Toco-te,

Toco-te…

Toco-te sabendo que há uma estalactite de silencio,

Indiferente…

Ao meu toque.

 

Toco-te,

Toco-te e escondes-te na página de um livro,

Ou na última palavra de um diário,

Toco-te…

E escondes-te,

E escondes-te debaixo desse pinheiro-bravo,

Que a noite traveste de indiferença…

 

Toco-te,

Toco-te e cada palavra que escrevo em ti…

É um Oceano indiferente às minhas palavras…

Toco-te,

Toco-te e escondes-te na primeira lágrima da manhã,

Toco-te,

E ausentas-te da minha mão…

Como tudo se ausenta da minha mão.

 

 

 

01/07/2023

Francisco

domingo, 25 de junho de 2023

Parvoíces

 


Escrevo-te

Sem que eu perceba se te escrevo…

Ou faço outra coisa qualquer.

Escrevo-te

Sem que eu perceba se estou a escrever ao professor Luís Mesquita,

Se estou a solicitar alguma coisa…

Do professor Carlos Andrade…

E sinceramente…

Já não sei a quem escrevo.

 

Provavelmente direi…

Direi que o teu corpo é uma viga alveolar…

E a mais bela viga alveolar…

Do Ansys…

Escrevo-te acreditando que o calor que entra mais o calor gerado

É igual ao calor que sai mais o calor acumulado…

Tudo isto

No teu corpo.

 

E mesmo assim

Escrevo-te…

Parvoíces

Coisas sem significado algum

Que ninguém percebe

Que ninguém quer perceber…

 

Escrevo-te.

 

 

25/06/2023

sábado, 17 de junho de 2023

Do dia nas mãos do dia

 O dia não sabe

Que dentro do dia

Existe um outro dia

Com vida

Em poesia,

 

O dia

Do outro dia

Não sabe

Nem quer saber

Que do dia

Em poesia

Há um livro para ler

Que há um livro para escrever,

 

O dia

Deste pequeno dia

Que arde

Que incendeia o outro dia

Esconde-se neste dia

Que é apenas um dia…

No dia de morrer.

 

 

(às vezes, às vezes é possível partir de (A) para (B), nunca ter estado em (A)… sabendo que um dia, que um dia chegará a (B)

 

Luís

17/06/2023

sexta-feira, 16 de junho de 2023

Sistema solar

 Se o Pacheco soubesse

Se o Pacheco soubesse morria de inveja

A única diferença…

A única diferença é que nunca me masturbei na casa de banho de um qualquer bar,

Numa qualquer cidade,

De um qualquer planeta do nosso sistema solar,

 

Se o Pacheco soubesse…

Se o Pacheco soubesse como é a minha vida…

Coitado

Morria de inveja,

Duas vezes por dia,

E uma pequena drageia ao deitar…

 

Se o Pacheco soubesse

O quão é difícil viver

Vestir todos os círculos da geometria

E quando ele se senta em frente à nossa senhora…

Em vez de rezar…

Não...

Escreve poesia…

E ele,

Ele masturba-se numa qualquer casa de banho de um qualquer bar desta pobre cidade…

 

A noite traz a sombra de espuma deste barco de insónia

E se o Pacheco soubesse

Ou se ele sonhasse....

Não queria ser marinheiro

Doutor

Engenheiro…

Não...

Queria ser…

Masturbador de insectos,

 

Se o Pacheco soubesse

De todos estes gatos anónimos

De todos estes cadáveres de sono

Que não falam comigo

Que me ignoram…

Coitado do Pacheco

Não sabe

Não imagina

Que dentro de um pequeno silêncio

Esconde-se a primeira equação do destino,

 

Sei lá se o Pacheco percebia de equações…

Eu,

Eu dou-lhe um pequeno jeito…

Vou fazendo

Vou lançando sobre o mar

Tudo aquilo que o Pacheco…

Que o Pacheco deveria saber,

 

Mas não,

Não sabe,

Não se interessa…

Nada.

 

Se o Pacheco soubesse

Como são tristes as lâmpadas da minha vida

Como são distantes

Longínquas

Todas as estrelas…

Todas as estrelas da minha vida…

 

Se o Pacheco soubesse!

Certamente morria de inveja,

Certamente,

Nada de muito certo…

Morria de inveja…

Porque eu,

Porque eu ainda consigo ser mais miserável de que o Pacheco,

Se o Pacheco soubesse…

Só não me masturbo na casa de banho de um qualquer bar de uma qualquer cidade…

De todo,

De todo o sistema solar.

 

 

 

Francisco

16/06/2023

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Silêncio da tua boca

 

Escuta o silêncio,

Escuta o silêncio, meu amor…

Fecha os olhos,

Esconde os teus lábios na minha boca,

E…

E sonha, meu amor…

E sonha.

 

Escuta o silêncio,

Escuta o silêncio, meu amor…

Escuta o silêncio e lê as minhas palavras,

Fecha os olhos,

Pega na minha mão…

E serás a dona de todas as madrugadas.

 

 

 

 

Luís

01/06/2023

quarta-feira, 31 de maio de 2023

Final de tarde

 Está sol,

Meu amor,

Está sol nos teus olhos,

Está um lindo final de tarde,

Meu amor…, nos teus olhos,

Está sol.

 

Está sol, meu amor,

Está sol nos teus doces lábios de mel…

Está sol neste poema,

Nestas mãos que escrevem este poema…

E diria, meu amor…

(que se fodam as vigas alveolares)

Está sol, meu amor,

Não,

Não está sol nas vigas alveolares…

Mas está sol,

Neste lindo final de tarde.

 

 

 

Luís

31/05/2023

Outro dia

 

O dia de ninguém

Deste dia

Em alegria

Quando o dia…

De alguém

Acorda na esplanada da vida.

 

Deste dia

Um outro dia

Um dia especial…

Quem diria

Que este novo dia…

Seja não apenas mais um dia…

Mas que seja o dia de alguém.

 

 

 

Luís

31/05/2023