Antigamente, tinha sonhos e escrevia cartas a amigos…
Hoje,
Continuo a escrever
cartas a amigos!
Tudo é culpa minha, a chuva, é culpa minha, a tempestade… é culpa minha, as palavras que escrevo, são uma merda, culpa minha, as flores têm um odor a putrefacção, culpa minha, claro,
As vidraças da minha
janela, partiram-se, e claro, culpa minha,
O silêncio, também é
culpa minha,
E depois?
A morte, as pessoas de
quem gostava e morreram, claro, foi por minha culpa.
A tristeza, é culpa
minha, a fome, tantas crianças com fome, é culpa minha,
Olho as minhas mãos,
percebo delas o quanto silêncio existe, percebo delas a míngua tristeza das
sanzalas com telhados em zinco, e quando oiço os mabecos, entre uivos e
pincelados corações de prata, eis que um alicerçado e cansado amanhecer se
deita sobre mim…
E depois?
Tudo, tudo é por minha
culpa.
As guerras, as guerras
acontecem por culpa minha. A minha vizinha do terceiro esquerdo, coitada,
suicidou-se juntamente com o gato, o Malaquias… e claro, foi por culpa minha.
E enquanto olho as minhas
mãos, e enquanto olho o mar amaldiçoado, tal como eu, amaldiçoado, com aquele
cheiro intenso a morte, percebo que tudo o que sonhei, não o sonhei, que tudo o
que tive, não o tive, e que Deus é um estupor, impostor, um aldrabão diplomado
e sem escrúpulos, um gajo…
Um gajo que nunca assume
os erros, e claro, tudo, tudo é culpa minha.
E por minha culpa, por
minha grande culpa, me despeço destas pedras onde brincam as ratazanas de Gunter
Grass, onde poisa o coração de todos aqueles que deixaram de voar, claro, por
minha e tão grande culpa minha; tens fome? Culpa minha. Não tens casa onde
aportar os teus braços, claro, claro, é culpa minha.
E não te preocupes com o
aspirador ou com a ventoinha ou com a porta do quintal… porque, claro, tudo é
culpa minha.
Francisco
07/04/2023
Um pouco
Um pouco de quase nada
Quando o nada é pouco
E do pouco que se tem
O nada
É tudo.
Francisco
06/04/2023
Pego na tua mão,
Pequena,
Meu doce de mel,
Escrevo no teu
olhar,
Poemas ao vento,
E desenho nos
teus lábios de luar
As palavras do
meu pensamento,
Escrevo cartas
ao mar,
Lanço beijos aos
barcos de papel,
Escrevo cartas
de amar,
Amar um
pedacinho de mel,
Pego na tua mão,
Pequena…
Pequena do meu
coração,
Coração que me
envenena.
Alijó,
30/11/2022
Francisco Luís
Fontinha
Suspenso
na enxada da paixão, procuro a matriz transposta da noite, olho cansadamente
para a equação diferencial do desejo, elevo ao quadrado o beijo e, fico com o
corpo embrulhado no luar; hoje, pareço uma estrutura metálica prestes a ruir no
cansaço da escuridão, como acontece aos pássaros, todas as noites, quando vão
dormir.
Suspenso
na enxada da paixão, sento-me perante este rio triste e sombrio, como eu,
enquanto um estúpido relógio caminha para o abismo. Amanhã acordará o dia,
faz-se homem e, morre junto à noite tranquila da aldeia.
Francisco
Luís Fontinha, 1/09/2020
foto de: A&M ART and Photos
|
Desenho de: Francisco Luís Fontinha
|
foto de: A&M ART and Photos
|