Tudo é culpa minha, a chuva, é culpa minha, a tempestade… é culpa minha, as palavras que escrevo, são uma merda, culpa minha, as flores têm um odor a putrefacção, culpa minha, claro,
As vidraças da minha
janela, partiram-se, e claro, culpa minha,
O silêncio, também é
culpa minha,
E depois?
A morte, as pessoas de
quem gostava e morreram, claro, foi por minha culpa.
A tristeza, é culpa
minha, a fome, tantas crianças com fome, é culpa minha,
Olho as minhas mãos,
percebo delas o quanto silêncio existe, percebo delas a míngua tristeza das
sanzalas com telhados em zinco, e quando oiço os mabecos, entre uivos e
pincelados corações de prata, eis que um alicerçado e cansado amanhecer se
deita sobre mim…
E depois?
Tudo, tudo é por minha
culpa.
As guerras, as guerras
acontecem por culpa minha. A minha vizinha do terceiro esquerdo, coitada,
suicidou-se juntamente com o gato, o Malaquias… e claro, foi por culpa minha.
E enquanto olho as minhas
mãos, e enquanto olho o mar amaldiçoado, tal como eu, amaldiçoado, com aquele
cheiro intenso a morte, percebo que tudo o que sonhei, não o sonhei, que tudo o
que tive, não o tive, e que Deus é um estupor, impostor, um aldrabão diplomado
e sem escrúpulos, um gajo…
Um gajo que nunca assume
os erros, e claro, tudo, tudo é culpa minha.
E por minha culpa, por
minha grande culpa, me despeço destas pedras onde brincam as ratazanas de Gunter
Grass, onde poisa o coração de todos aqueles que deixaram de voar, claro, por
minha e tão grande culpa minha; tens fome? Culpa minha. Não tens casa onde
aportar os teus braços, claro, claro, é culpa minha.
E não te preocupes com o
aspirador ou com a ventoinha ou com a porta do quintal… porque, claro, tudo é
culpa minha.
Francisco
07/04/2023
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