quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Um dia de antigamente

 

A enxada pertencia-lhe; desde o seu bisavô, avô e pai, todos eles, receberam como herança, ainda muito meninos, a enxada do destino.

Da escola, pouco ou nada se recorda, sabe ler, pouco, contar até dez e nunca aprendeu a construir um barco em papel,

Pai, parti a ardósia!

E o pai de punho cerrado, imitando seu pai, avô do agora herdeiro da enxada do destino, descerrou-lhe um murro entre os olhos, que em vez de ver as estrelas nocturnas da pobreza,

Não, não vou trabalhar hoje.

A noite regressava quase sempre embriagada, o candeeiro a petróleo, para alguns, candeia de azeite, para outros, sempre que cantava lá fora a coruja, desmaiava e adormecia, até que madrugada dento

Está a levantar.

E até os piolhos, engrunhados com o medo, se levantavam para mais um dia de trabalho árduo nos terrenos do senhor abade.

Dormiam no mesmo chiqueiro, o pai, a mãe, a avó e mais seis irmãos, sempre famintos, todos mais novos do que ele.

Dos meus seis irmãos, três deles eram meninas. Carne muito apetecida para o senhor abade, que gostava de brincar aos papás e mamãs entre as sombras de milho, junto à eira; chamava-as uma a uma, benzia-se e benzia cada uma delas.

Quanto a nós, pouco tempo passávamos na escola, caminhávamos montanha acima, montanha abaixo e, sempre que uma das ovelhas do senhor abade aparecia manca, levávamos pancada até pedirmos perdão e fazia-nos prometer pelo coração do Senhor Jesus Cristo que nunca mais voltava a acontecer; mas o azar nunca vem só e dias depois, novamente tínhamos de rezar.

Era Outono, as folhas, das árvores, lentamente se despediam como se o poema se suicidasse, aos poucos, de encontro à madrugada. As pedras pertenciam às palavras envenenadas pela neblina, quando acordava o dia e já o gado ia de encontro ao pasto.

 

(Continua)

Ficção

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 20/10/2021

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

A língua do enfeitado beijo

 

Corríamos abraçados ao tempestuoso silêncio dos peixes, sob a lâmina gélida de água envenenada pelas palavras insignificantes do poema, uma pequeníssima sílaba de fome mergulhava na mão do poeta,

Preza-me informá-lo que acabaram de zarpar,

Todas as palavras do livro.

Enquanto a pequeníssima sílaba de fome mergulhava na mão esquerda do poeta, apanhado sol e banhos, brincava na mão direita do mesmo um pedacinho de desejo, olhos verdes, dentes desenrascados e escurecidos, devido às manhãs de orvalho que se faziam sentir junto ao rio e, em finíssimos fios de luz, o desejo sentia-se cada vez mais acorrentado ao infinito colorido beijo que, poucas vezes era visto, se fazia passear pelas planícies de amendoeiras em flor,

Do livro, no primeiro paragrafo, saltitava a abelha brincalhona, tricolor, que quando transportava na língua o enfeitado beijo, semeava pelos campos enflorados das montanhas sem nome, depois, dizia-se que o velho pastor, apoiado a uma bengala de sombra, descia os íngremes lábios da tela ensonada que poisava desde a infância numa das paredes do casebre,

Móveis, quase nada, papeis e livros, aos magotes e, assim viviam, pastor, livros, móveis nenhuns e cadáveres de cigarro,

Todas as palavras do livro,

Preza-me informá-lo que acabaram de zarpar, deixou as cabras e as ovelhas prisioneiras à orfandade, esqueceu-se da bengala de sombra junto ao marmeleiro, depois

Amendoeiras em flor e afins.

Depois, após longos segundos de espera, que no relógio da abelha apenas representavam poucos minutos, mas o pastor não sabia transformar segundos em minutos, isso era apenas prazer das abelhas tricolores, depois, como comecei no pressuposto que o beijo pertencia ao cemitério das laranjeiras, onde semeavam cálices de porto e xicaras de café com natas, verificava-se que no bolso esquerdo do pastor, onde habitava uma pequena côdea de pão paralelepípedo granítica, devido aos dias e anos de convivência, existia o testamento do pastor,

Assim dizia:

 

Após a minha morte, deixo todos os meus bens, materiais e imateriais ao meu filho.

 

Assinado

 

O pastor.

 

As cabras e as ovelhas, todas e todos, mais as saudosas abelhas tricolores, ficaram atónitos, pois sabiam que o pastor tinha muitos papeis e livros, moveis nenhuns e, e quanto ao filho, bom

Faz-se frio junto ao rio.

Numa noite de Inverno, há muitos anos, enquanto brincava junto à lareira com o seu rebanho de sonhos, o pastor desenhou na lápide da cozinha, um pequeno filho invisível, daqueles que só existe dentro de nós, nessa altura, uma das três abelhas tricolores, perguntou-lhe como se apelidava ele, ao que lhe respondeu

Silêncio.

Anos depois, passados milhões de segundos entre os ponteiros do relógio, tanto cabras como ovelhas não sabiam, caso o pastor morresse um dia, como avisar esse filho invisível, mas caso acontecesse, tinham de o fazer.

O lobo, indiferente a testamentos e filhos, porque filhos tinha muitos e bens materiais e imateriais, nenhuns, sentado na pedra da saudade, puxou de um cigarro e,

Querem ver que o gajo já é Doutor!

E,

Circundava com o olhar as cabras, as ovelhas e as abelhas, porque em caso de fome, até as abelhas marchavam.

Uma flor de néon brincava na areia fina do Mussulo, o pequenote desenhava círculos verdes com olhos trapezoidais, ao longe, talvez do outro lado, junto à baía, passeavam-se os longos e transeuntes apitos dos petroleiros em fúria e,

O pequenote, entre soluços, chorava

 

Assim dizia:

 

Após a minha morte, deixo todos os meus bens, materiais e imateriais ao meu filho.

 

Assinado

 

O pastor.

 

As cabras e as ovelhas tinham andado na escola, aprenderam cálculo e álgebra e geometria, quanto às abelhas, essas

Eu sou mais bolos,

Essas tinham envergado pela poesia.

Chorava sem perceber, que um dia, lá longe, o pai, pastor, lhe deixaria todo o seu espólio, mias umas quantas cabras e umas quantas ovelhas e umas quantas abelhas.

Dizem, que o pastor ainda vive nas montanhas e quanto ao filho

Chora. Sentado no areal do Mussulo.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 20/10/2021

terça-feira, 19 de outubro de 2021

O poema sedução

 

Certa noite, enquanto o poema sedução lia o poema em desejo, junto à lareira, o Rei mais desajeitado do reino entra na sala e rapta o coração do poema sedução. O Rei desajeitado era manco da sílaba esquerda e, enquanto deambulava pela sala em gritos histéricos

- Queimem a noite, queimem a noite,

O poema em desejo abraçou-se ao coração do poema sedução e segredou-lhe baixinho

- Não, não tenhas medo, não, não tenhas medo,

O Rei desajeitado só consegui ser Rei porque seu pai, também ele Rei, desajeitado, trocou o seu irmão gémeo, uma hora mais velho, enquanto foi defecar, regressado, pensando que pegava no seu primogénito, não

- Estamos fartos e a fome é muita,

Batem à porta. O Rei e seus compinchas ameaçaram o poema sedução e, caso não obedecesse, nunca mais tinha o seu coração de volta,

- Queimem a noite, queimem a noite,

Mas o coração do poema sedução pertencia em palavras e versos ao poema Beijar, este, percebendo que a sua amada poema sedução corria perigo, organizou um exército de poetas e, todos juntos, construíram o livro e, fizeram frente ao Rei manco da sílaba esquerda e dos seus compinchas,

- Amigos poetas, todos juntos vamos salvar o coração do poema sedução,

E assim, todos em conversa, combinaram a melhor estratégia para actuarem frente a tal assassino,

- Entramos na sala e declamamos o poema,

Diz um,

- E se o Rei gostar de poesia?

Argumenta outro,

- Tenho uma ideia,

- Sim, diz,

Escrevemos o poema e, enquanto o declamamos, um de nós apaga a sílaba direita do Rei desajeitado,

- Que acham?

Combinado.

 

Rei desajeitado

Deste Reinado

Malvado,

És Rei de nome

Pai da fome,

És Rei sem Nação;

Vai malvado e deixa o coração do poema sedução.

 

Achas que vai funcionar?

Talvez!

- Queimem a noite, queimem a noite,

Em gritos histéricos o Rei desajeitado,

Tinham de actuar com toda a rapidez, pois o coração do poema sedução corria grande perigo.

Entraram na sala aos gritos, declamando o poema:

 

“Rei desajeitado

Deste Reinado

Malvado,

És Rei de nome

Pai da fome,

És Rei sem Nação;

Vai malvado e deixa o coração do poema sedução.”

 

Enquanto o Rei desajeitado, muito assustado, porque nunca tinha enfrentado uma batalha de poesia na sua vida, um dos poetas deita por terra a sílaba direita e, coitado do Rei desajeitado, cai no soalho, neste caso, na página argamassa do poema.

O poema sedução ficou com o seu coração e, o Rei malvado e desajeitado desapareceu do reino para dar lugar a uma República a sério;

- Queimem a noite, queimem a noite,

E nunca mais foi noite.

 

Parabéns, meu amor!

 

 

Alijó, 19/10/2021

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

sábado, 16 de outubro de 2021

A equação do cansaço

 

Duzentos e seis ossos

Sentados na esplanada do sono,

Sob a álgebra da insónia,

Mesmo junto ao rio,

Um fio de sémen desenha a tempestade;

Rodas dentadas entrelaçam-se

E amam-se no espelho do luar.

Regressa, pela noite, o cansaço,

Traz com ele a ínfima equação do desejo

Que percorre as ruas da cidade,

Que acaricia com a sua mão

Os seios tempestuosos do silêncio.

Escreve-se o poema

Na tela argamassada do abraço,

Quando uma fina névoa de suor

Lhe percorre as coxas de aço.

O poeta solda uma pequena chapa de saliva

À boca do púbis,

E, todos os pássaros da aldeia

Dormem abraçados aos parafusos do gemido;

E o poeta cansado,

Desenha no corpo da amada sombra,

Uma língua de solidão,

Com janela para o abismo.

Transcreve para o jardim das pilas mortas

Todos os sonhos da infância,

E todos os brinquedos,

E todas as palavras,

Suicidam-se no hotel do sofrimento.

Eles morrem.

Elas, não morrem.

O luar deita-se nas coxas do poema

Como se fosse uma corda em nylon

Suspensa nos lábios da manhã;

Batem à porta e,

Trazem-lhe um punhado de fome,

E, trazem-lhe uma equação de cansaço.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 16/10/2021

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

A velocidade do sono

 

Descia sobre mim

A velocidade do sono.

 

Dos cortinados da ausência,

Percebia-se que a tarde se iria suicidar

Na manhã transeunte de Inverno,

Saltitando de maré em maré,

Pulando os socalcos do inferno,

Até encontrar o mar.

 

Estava escrito na minha infância,

Que uma cidade rabugenta

Subia a montanha,

 

Até beijar a boca que alimenta

A fome trapézica do veneno… ou a morte de Zeus.

 

E corria

Na sombra magenta que apanha

O cansaço de Deus,

 

Que tudo ele podia,

Que tudo era apenas uma cidade ardida,

Que tudo ele sentia,

Sentia a dor da mãe ferida.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 11/10/2021

domingo, 10 de outubro de 2021

A enxada do amanhecer

 

Escrevia equações de areia

Nos olhos da saudade,

Fazia da madrugada, uma ideia,

Uma ideia sem idade.

 

Pintava a velha cidade

Nas nuvens em democracia,

Nas suas mãos transportava a felicidade,

A felicidade que não sentia.

 

Estava velho, cansado

Na enxada do amanhecer;

De tanto amar e ser amado

 

Esqueceu-se de comer.

Pegou nas palavras e sem querer

Desenhou o mar, o mar a envelhecer.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 10/10/2021

sábado, 9 de outubro de 2021

As palavras do desejo

 

Era um sábado invejoso

Solitário

E sem nome.

Sob mim

Tinha as escondidas palavras do desejo

Que inseminaram a noite obscura

De uma sexta-feira

Ingénua.

Havia uma canção

Que sobrevoava os seios da tempestade,

Onde um pedaço de literatura

Chorava a saudade.

Sorria em pleno desejo;

Escrevia no tecto do silêncio

Os poemas perdidos,

Longínquos

E

Desajeitados.

Morria de sono.

Equações de luz

Jaziam sobre a cama de sémen

Da mulher desejada,

Porque lá fora,

A água dos pássaros

Pertencia à noite em construção.

Ama o corpo

Das abelhas

E do púbis em flor…

Nunca esqueças o teu nome,

Desejo,

Silêncio

E pedaços de mar

E amor.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 09/10/2021

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Equações de prazer

 

Calculo a raiz quadrada

Do desejo,

Obtenho a paixão,

Multiplico-a pela derivada

Do beijo,

Subtraio os versos da minha mão;

E, meu Deus,

Sem o saber,

Obtenho uma canção.

Entre calcular

E escrever,

Prefiro o pintar,

Prefiro acariciar a tua pele de equação tangente

À curva do teu corpo,

Sabendo que toda a gente,

Sabe desenhar;

E ela, sem o perceber,

Sente,

Sente o mar a correr.

Sente nos lábios o beijo,

Depois de verificar

Que a integral da insónia

É apenas a área sombreada do púbis,

Elevado ao quadrado,

Seno da luz amar

Que brinca dentro de um trapézio.

Escrevo no pavimento térreo

Das tuas coxas,

O eterno sonífero das manhãs ensonadas.

Passo as madrugadas

Inventando equações de prazer,

Quando desce do luar,

Sob o tecto do silêncio,

Pequenas quadriculas de saliva,

Correm para o mar.

E, enquanto oiço os teus gemidos,

Vejo um ponto esquecido no espaço tridimensional;

(seios;-beijos,coxas)

Eis as suas coordenadas.

Cerro os olhos,

Desligo os electrões que iluminam o meu cansaço…

E,

Percebo que és uma equação diferencial ordinária.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó. 30/09/2021

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

São canções são beijo São sexo são bruma

 

Todos os nomes

São sombras de néon

Sobre a praia da saudade.

Todas as palavras que me escrevem

Pertencem aos teus lábios

De maré adormecida.

Todos os versos,

Esses,

São a voz rouca do meu esqueleto sem nome,

Aquele que pertence à pequena equação de areia,

Junto às dunas da insónia.

Dos gemidos da tua boca

Emerge até à montanha

Um finíssimo fio de sémen,

Raízes,

Árvores caducas

Que se escondem na neblina;

Pertenço, assim, aos cubos e triângulos

Das esplanadas da loucura,

Sempre que acorda o dia.

Todos os nomes

São sombras de néon

Sobre a praia da saudade,

São pedras de desejo,

Rios de espuma.

São canções são beijo

São sexo são bruma.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 29/09/2021

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Canção desejada

 

Este silêncio de morrer

Que habita em mim

São palavras de escrever

São cravos do meu jardim.

 

São palavras de escrever

Na sombra do luar

Que iluminam esta cidade a arder

Esta cidade de amar.

 

Este silêncio de morrer

Dos teus seios em fúria madrugar

No verso de viver,

 

No verso de minha amada.

Estas palavras de amar

São as palavras da canção desejada.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 27/09/2021

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Beijos de prazer

 

Poisa na minha mão adormecida

Uma abelha de luz envenenada,

Sinto-a escrever nesta dor

As derramadas palavras de adormecer,

Sinto-a, sinto-a crescer

Neste tranquilo jardim em flor.

Da abelha, da abelha apaixonada

À eterna partida,

As sílabas do amor.

Poisa neste verso alicerçado

Do triste caderno quadriculado,

As amêndoas pequeninas,

São tuas, são minhas,

São palavras são rainhas.

E então, ao acordar,

Sinto-as nos beijos pergaminho,

São equações de sangue,

São presépios e vinho,

São palavras, palavras do meu vizinho.

As fórmulas que tenho de saber,

São elas também palavras de aprender,

São o mar a arder,

São desejos de prazer.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24/09/2021

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

O eterno enforcado

 

Vivia no púbis desejado

Do silêncio amanhecer,

Cresceu em mim e, partiu

Da vida que sempre quis ter.

Certo dia, recebeu um telegrama envergonhado,

Não trazia remetente,

E assim,

O eterno enforcado,

Desconhecia

Que o seu amante

Pretendia,

Um dia,

Lhe escrever.

Como alguém dizia;

- Cuidado, eterno enforcado,

Viver no púbis desejado,

Não é a mesma coisa

Que pertencer ao beijo amado.

E o pobre do eterno enforcado,

Cioso da vergonha alheia,

Sentou-se numa pedra de espuma

Pensando que ao longe, na aldeia,

Habitavam as coxas moribundas

Das janelas em cio;

Que vergonha, eterno enforcado,

Que vergonha!

Púbis e coxas há muitas na saliva do prazer,

Palavras de merda, como as minhas, acordam ao entardecer,

E sabendo que o vagabundo

Do eterno enforcado,

Viajou,

Correu mundo…

E não passa de um triste amado.

Deixou-se penhorar

Pelo prazer

Num dia de Verão,

Sentado, não sabendo ler,

Percebeu que as árvores em flor,

São coxas,

São púbis,

São canção

De embalar,

São versos de amor,

São sílabas de foder.

Dois mais dois

São quatro braços abraçados,

Duas pernas,

Alguns enforcados,

E vinte e cinco sombras a voar;

Sabes, eterno enforcado?

A vagina é uma fotografia para o mar,

É a raiz quadrada do prazer,

É cateto amanhecer,

É hipotenusa maldisposta,

E mais dois são seis,

Seis versos de embalar…

Seis versos sem resposta.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 23/09/2021

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

As lágrimas da insónia

 

Trago na mão

O mar embainhado

De uma cidade perdida,

Trago nos lábios

O poema envenenado

Da madrugada esquecida,

Trago no rosto

As lágrimas da insónia

Adormecida,

Das palavras à morte

Da morte à paixão com vida,

Trago na poesia

As silabas envergonhadas

Da imagem aparecida,

Trago, trago no olhar

As nuvens em fogo, da fogueira ardida.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 20/09/2021

domingo, 19 de setembro de 2021

Uma morte ausentada

 

Desenhavas com o olhar,

No tecto do silêncio,

Curvas senoidais,

Enquanto me despedia dos teus soluços

E gemidos de dor,

Escrevia na minha mão,

A equação da saudade.

Apetecia-me fugir,

Ser um covarde e,

Correr,

Em direcção ao mar.

Apetecia-me gritar,

Não ser covarde e,

Cerrar os olhos,

Penhorando o meu olhar.

Levemente,

Levantei a minha mão alicerçada no teu peito,

E, aos poucos,

Olhava pela janela,

Aberta para a tua viagem,

Os pássaros nocturnos da solidão.

Sabia que o fim,

Em tudo,

Era igual,

Ao outro fim ausentado,

No entanto,

Acreditava que me ouvias,

E,

Conseguias pronunciar o meu nome;

O meu nome, que tantas vezes

Escreveste nos céus de Luanda.

(Desenhavas com o olhar,

No tecto do silêncio,

Curvas senoidais)

Senos cansados,

Co-senos envenenados por um qualquer

Triângulo rectângulo,

Que apenas na minha mão,

Naquele lugar,

Silenciado pela morte,

Tinha existência física.

Uma viagem sem retorno,

Como o sono,

Quando um cadáver quadriculado

Morre na lareira do corpo ausentado.

Saí a correr,

Puxei de um vadio cigarro e,

Chorei,

Acreditando na mentira,

Pensando que sonhava,

Sílabas de insónia

E pequenas quadriculas na alvorada.

Acreditando na mentira,

Da noite ausentada.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19/09/2021