A enxada pertencia-lhe;
desde o seu bisavô, avô e pai, todos eles, receberam como herança, ainda muito
meninos, a enxada do destino.
Da escola, pouco ou nada
se recorda, sabe ler, pouco, contar até dez e nunca aprendeu a construir um
barco em papel,
Pai, parti a ardósia!
E o pai de punho cerrado,
imitando seu pai, avô do agora herdeiro da enxada do destino, descerrou-lhe um murro
entre os olhos, que em vez de ver as estrelas nocturnas da pobreza,
Não, não vou trabalhar
hoje.
A noite regressava quase
sempre embriagada, o candeeiro a petróleo, para alguns, candeia de azeite, para
outros, sempre que cantava lá fora a coruja, desmaiava e adormecia, até que
madrugada dento
Está a levantar.
E até os piolhos, engrunhados
com o medo, se levantavam para mais um dia de trabalho árduo nos terrenos do
senhor abade.
Dormiam no mesmo
chiqueiro, o pai, a mãe, a avó e mais seis irmãos, sempre famintos, todos mais
novos do que ele.
Dos meus seis irmãos, três
deles eram meninas. Carne muito apetecida para o senhor abade, que gostava de
brincar aos papás e mamãs entre as sombras de milho, junto à eira; chamava-as
uma a uma, benzia-se e benzia cada uma delas.
Quanto a nós, pouco tempo
passávamos na escola, caminhávamos montanha acima, montanha abaixo e, sempre
que uma das ovelhas do senhor abade aparecia manca, levávamos pancada até
pedirmos perdão e fazia-nos prometer pelo coração do Senhor Jesus Cristo que
nunca mais voltava a acontecer; mas o azar nunca vem só e dias depois, novamente
tínhamos de rezar.
Era Outono, as folhas,
das árvores, lentamente se despediam como se o poema se suicidasse, aos poucos,
de encontro à madrugada. As pedras pertenciam às palavras envenenadas pela
neblina, quando acordava o dia e já o gado ia de encontro ao pasto.
(Continua)
Ficção
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 20/10/2021