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terça-feira, 30 de agosto de 2022

As sete esferas da saudade

 (de todos os meus professores, guardo saudade e amizade; mas o professor Mário Abrantes, conseguia aliar a arte ao cálculo, e as suas aulas eram um poço de cultura geral. Grande abraço, professor)

 

Tínhamos na mão

As sete esferas da saudade,

E sabíamos que dentro do cubo de vidro,

(a prisão das palavras)

Havia uma janela com fotografia para o mar.

Depois, acordávamos abraçados às sete espadas da liberdade

Que guardávamos dentro de um caderno quadriculado.

Víamos a nossa imagem no espelho da madrugada,

Quando nas frestas em gesso, um crucifixo sorria…

E dávamos conta que este sorriso pertencia

À criança mais feliz da aldeia.

As palavras chegavam-nos através da velha alvorada,

 

Enquanto sobre as mangueiras,

No distante quadrado, víamos as gaivotas em cio,

E não percebíamos o que era a paixão.

Escrevíamos.

Dançava-mos sobre os pequenos charcos

Que pela manhã acordavam e ainda transportavam no olhar

O desejo preguiçoso que só o poema consegue descrever.

Tínhamos na mão

As sete esferas da saudade,

E como crianças que éramos, das palavras

Inventávamos asas

Como inventam os pássaros antes de morrer,

 

E não sabíamos que os peixes,

Entre parêntesis sonâmbulos,

Resolviam equações complexas,

Que apenas o professor Mário Abrantes percebe,

E nós, apenas percebemos de desejo.

E nunca sabíamos se as sete esferas da saudade

Sabiam o que é o mar…

O que é o mar?

Perguntava-me um pedacinho de sombra

Quando descia o pôr-do-sol e junto a mim,

Sem o saber… um pedacinho de luz beijava-me,

E eu tinha medo do sono.

 

Acordava a manhã,

No quadro uma mistura e letras e números…

Quando perguntam o que era…

Eu…

Série de Taylor;

Como se isso interessasse para dois cubos apaixonados.

Não sei o que é a chuva!

Apenas recordo os longos lábios de cacimbo

Sobre os meus frágeis ombros,

E mesmo assim,

Um barco deitava-se no meu colo,

E das suas coxas, ouviam-se os apitos da solidão.

 

 

 

Alijó, 30/08/2022

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

A língua do enfeitado beijo

 

Corríamos abraçados ao tempestuoso silêncio dos peixes, sob a lâmina gélida de água envenenada pelas palavras insignificantes do poema, uma pequeníssima sílaba de fome mergulhava na mão do poeta,

Preza-me informá-lo que acabaram de zarpar,

Todas as palavras do livro.

Enquanto a pequeníssima sílaba de fome mergulhava na mão esquerda do poeta, apanhado sol e banhos, brincava na mão direita do mesmo um pedacinho de desejo, olhos verdes, dentes desenrascados e escurecidos, devido às manhãs de orvalho que se faziam sentir junto ao rio e, em finíssimos fios de luz, o desejo sentia-se cada vez mais acorrentado ao infinito colorido beijo que, poucas vezes era visto, se fazia passear pelas planícies de amendoeiras em flor,

Do livro, no primeiro paragrafo, saltitava a abelha brincalhona, tricolor, que quando transportava na língua o enfeitado beijo, semeava pelos campos enflorados das montanhas sem nome, depois, dizia-se que o velho pastor, apoiado a uma bengala de sombra, descia os íngremes lábios da tela ensonada que poisava desde a infância numa das paredes do casebre,

Móveis, quase nada, papeis e livros, aos magotes e, assim viviam, pastor, livros, móveis nenhuns e cadáveres de cigarro,

Todas as palavras do livro,

Preza-me informá-lo que acabaram de zarpar, deixou as cabras e as ovelhas prisioneiras à orfandade, esqueceu-se da bengala de sombra junto ao marmeleiro, depois

Amendoeiras em flor e afins.

Depois, após longos segundos de espera, que no relógio da abelha apenas representavam poucos minutos, mas o pastor não sabia transformar segundos em minutos, isso era apenas prazer das abelhas tricolores, depois, como comecei no pressuposto que o beijo pertencia ao cemitério das laranjeiras, onde semeavam cálices de porto e xicaras de café com natas, verificava-se que no bolso esquerdo do pastor, onde habitava uma pequena côdea de pão paralelepípedo granítica, devido aos dias e anos de convivência, existia o testamento do pastor,

Assim dizia:

 

Após a minha morte, deixo todos os meus bens, materiais e imateriais ao meu filho.

 

Assinado

 

O pastor.

 

As cabras e as ovelhas, todas e todos, mais as saudosas abelhas tricolores, ficaram atónitos, pois sabiam que o pastor tinha muitos papeis e livros, moveis nenhuns e, e quanto ao filho, bom

Faz-se frio junto ao rio.

Numa noite de Inverno, há muitos anos, enquanto brincava junto à lareira com o seu rebanho de sonhos, o pastor desenhou na lápide da cozinha, um pequeno filho invisível, daqueles que só existe dentro de nós, nessa altura, uma das três abelhas tricolores, perguntou-lhe como se apelidava ele, ao que lhe respondeu

Silêncio.

Anos depois, passados milhões de segundos entre os ponteiros do relógio, tanto cabras como ovelhas não sabiam, caso o pastor morresse um dia, como avisar esse filho invisível, mas caso acontecesse, tinham de o fazer.

O lobo, indiferente a testamentos e filhos, porque filhos tinha muitos e bens materiais e imateriais, nenhuns, sentado na pedra da saudade, puxou de um cigarro e,

Querem ver que o gajo já é Doutor!

E,

Circundava com o olhar as cabras, as ovelhas e as abelhas, porque em caso de fome, até as abelhas marchavam.

Uma flor de néon brincava na areia fina do Mussulo, o pequenote desenhava círculos verdes com olhos trapezoidais, ao longe, talvez do outro lado, junto à baía, passeavam-se os longos e transeuntes apitos dos petroleiros em fúria e,

O pequenote, entre soluços, chorava

 

Assim dizia:

 

Após a minha morte, deixo todos os meus bens, materiais e imateriais ao meu filho.

 

Assinado

 

O pastor.

 

As cabras e as ovelhas tinham andado na escola, aprenderam cálculo e álgebra e geometria, quanto às abelhas, essas

Eu sou mais bolos,

Essas tinham envergado pela poesia.

Chorava sem perceber, que um dia, lá longe, o pai, pastor, lhe deixaria todo o seu espólio, mias umas quantas cabras e umas quantas ovelhas e umas quantas abelhas.

Dizem, que o pastor ainda vive nas montanhas e quanto ao filho

Chora. Sentado no areal do Mussulo.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 20/10/2021

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Equações de prazer

 

Calculo a raiz quadrada

Do desejo,

Obtenho a paixão,

Multiplico-a pela derivada

Do beijo,

Subtraio os versos da minha mão;

E, meu Deus,

Sem o saber,

Obtenho uma canção.

Entre calcular

E escrever,

Prefiro o pintar,

Prefiro acariciar a tua pele de equação tangente

À curva do teu corpo,

Sabendo que toda a gente,

Sabe desenhar;

E ela, sem o perceber,

Sente,

Sente o mar a correr.

Sente nos lábios o beijo,

Depois de verificar

Que a integral da insónia

É apenas a área sombreada do púbis,

Elevado ao quadrado,

Seno da luz amar

Que brinca dentro de um trapézio.

Escrevo no pavimento térreo

Das tuas coxas,

O eterno sonífero das manhãs ensonadas.

Passo as madrugadas

Inventando equações de prazer,

Quando desce do luar,

Sob o tecto do silêncio,

Pequenas quadriculas de saliva,

Correm para o mar.

E, enquanto oiço os teus gemidos,

Vejo um ponto esquecido no espaço tridimensional;

(seios;-beijos,coxas)

Eis as suas coordenadas.

Cerro os olhos,

Desligo os electrões que iluminam o meu cansaço…

E,

Percebo que és uma equação diferencial ordinária.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó. 30/09/2021