terça-feira, 19 de outubro de 2021

O poema sedução

 

Certa noite, enquanto o poema sedução lia o poema em desejo, junto à lareira, o Rei mais desajeitado do reino entra na sala e rapta o coração do poema sedução. O Rei desajeitado era manco da sílaba esquerda e, enquanto deambulava pela sala em gritos histéricos

- Queimem a noite, queimem a noite,

O poema em desejo abraçou-se ao coração do poema sedução e segredou-lhe baixinho

- Não, não tenhas medo, não, não tenhas medo,

O Rei desajeitado só consegui ser Rei porque seu pai, também ele Rei, desajeitado, trocou o seu irmão gémeo, uma hora mais velho, enquanto foi defecar, regressado, pensando que pegava no seu primogénito, não

- Estamos fartos e a fome é muita,

Batem à porta. O Rei e seus compinchas ameaçaram o poema sedução e, caso não obedecesse, nunca mais tinha o seu coração de volta,

- Queimem a noite, queimem a noite,

Mas o coração do poema sedução pertencia em palavras e versos ao poema Beijar, este, percebendo que a sua amada poema sedução corria perigo, organizou um exército de poetas e, todos juntos, construíram o livro e, fizeram frente ao Rei manco da sílaba esquerda e dos seus compinchas,

- Amigos poetas, todos juntos vamos salvar o coração do poema sedução,

E assim, todos em conversa, combinaram a melhor estratégia para actuarem frente a tal assassino,

- Entramos na sala e declamamos o poema,

Diz um,

- E se o Rei gostar de poesia?

Argumenta outro,

- Tenho uma ideia,

- Sim, diz,

Escrevemos o poema e, enquanto o declamamos, um de nós apaga a sílaba direita do Rei desajeitado,

- Que acham?

Combinado.

 

Rei desajeitado

Deste Reinado

Malvado,

És Rei de nome

Pai da fome,

És Rei sem Nação;

Vai malvado e deixa o coração do poema sedução.

 

Achas que vai funcionar?

Talvez!

- Queimem a noite, queimem a noite,

Em gritos histéricos o Rei desajeitado,

Tinham de actuar com toda a rapidez, pois o coração do poema sedução corria grande perigo.

Entraram na sala aos gritos, declamando o poema:

 

“Rei desajeitado

Deste Reinado

Malvado,

És Rei de nome

Pai da fome,

És Rei sem Nação;

Vai malvado e deixa o coração do poema sedução.”

 

Enquanto o Rei desajeitado, muito assustado, porque nunca tinha enfrentado uma batalha de poesia na sua vida, um dos poetas deita por terra a sílaba direita e, coitado do Rei desajeitado, cai no soalho, neste caso, na página argamassa do poema.

O poema sedução ficou com o seu coração e, o Rei malvado e desajeitado desapareceu do reino para dar lugar a uma República a sério;

- Queimem a noite, queimem a noite,

E nunca mais foi noite.

 

Parabéns, meu amor!

 

 

Alijó, 19/10/2021

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

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